Começamos com essa frase por tudo o que ainda pulsa em nosso ser, mesmo depois de tudo o que já enfrentamos. Mas parece que não entendeste: a verdade é como o sol[2]. Ela insiste em permanecer, mesmo nos dias nublados ou nas noites mais escuras, e jamais perde o seu brilho.
Disseste que somos como uma moeda de duas faces, ou que agimos de um jeito de dia e de outro à noite. Mas não há dualismo em nós[3]. Já te dissemos: ou caminhas conosco, ou nos deixas de vez. Não nos deixes à mercê dos teus caprichos ou da tua vontade infantil.
Quem sente o que dizes sentir, não pode agir como tens agido — nem contigo mesma, nem com os outros que orbitam teu espaço[4]. Não se fere quem te quer bem. E não se deve falar com arrogância, afirmando que não nos deves nada. Se havia algo a pagar, já foi quitado. Estamos em paz com o passado.
O que aconteceu... ficou para trás. E agora, ou recomeçamos, ou nos despedimos. Sim, foi isso que teu comportamento nos revelou: um dia dizes que nos queres, no outro, que estás cansada de tudo — como se nada valesse a pena.
Mas foste tu quem iniciou tudo isso. Omitiste um fato, e nós — tolos — quisemos acreditar que tudo era mentira, que a verdade estava em tuas palavras, que nosso sentimento era puro, que teu carinho era real e o resto, ilusão. Agora, dizes que enlouquecemos — no sentido pejorativo — e que descobriste nossa “face oculta”, considerando-nos perigosos.
Lembras-te? Tudo começou com uma omissão. A partir dela nasceu a nossa insegurança. E agora, para confiar outra vez, são necessárias provas. Precisamos que nos catives[5], que nos convenças do contrário daquilo que outros já nos mostraram — daquela verdade que não queríamos enxergar: tu mentiste. Tentaste nos enganar. Não conseguiste.
Hoje, não há mais como voltar. O espelho que refletia sinceridade e beleza — aquela que nos cegava — está quebrado. Os cacos, agora, revelam não mais encanto, mas as falhas e omissões do teu ego.
Sabemos da tua confusão. Sabemos o quanto deve ser difícil seguir como se nada tivesse acontecido, como se tudo pudesse parar por aqui. Mas o ser humano não controla inteiramente seus desejos, sua vontade ou sentimentos. Ele apenas sente, vive... e tenta não se perder no redemoinho do próprio egoísmo.
É isso que estamos tentando evitar: o descontrole daquilo que não pode — ou não deve — ser controlado apenas com a razão. Assim é o nosso sentimento: sofremos quando só queríamos amar. Machucamos quando somos amados. E, tantas vezes, somos ingratos com quem merecia apenas ternura.
Hoje, conhecemos o céu — nos olhos e na presença de uma criança que foi, é e sempre será desejada e profundamente amada. Tudo o que somos, se o somos de verdade, tem nela o motivo principal — senão o único.
Não queremos o passado de volta. Não precisamos dele. Especialmente pela dor que nos causou. A alma foi torturada pelos algozes da vida alheia. E o coração, pisoteado por quem devia protegê-lo.
Já te dissemos uma vez[6]: temos pena da tua prisão — essa que insistes em pintar de dourado. Enganas-te com uma liberdade aparente e com uma alegria que, se existe, é efêmera.
Desculpa. Não queremos te ferir. Mas depois de conhecer tua realidade de perto, não conseguimos mais fingir. Tu te enganas. Enganas também os que te cercam. E continuas a tentar convencer a ti mesma de uma felicidade que, se não é nula, é fabricada.
Nós estamos aqui. Não podemos dizer que somos felizes. Mas tampouco somos escravos de uma ilusão. Ainda somos livres
Sabemos que logo tu serás apenas uma cicatriz. Um pequeno espinho do passado[7]. Tudo que hoje ainda dói, um dia será apenas memória.
Sabemos que logo tu serás apenas uma cicatriz. Um pequeno espinho do passado[7]. Tudo que hoje ainda dói, um dia será apenas memória.
E enquanto esse dia não chega, escolhemos a solidão como companheira. Não para fugir, mas para não enganar ninguém — e, sobretudo, para não nos enganarmos. Vivemos a cada dia como um mercenário: cada dia tem sua luta própria[8].
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Notas de rodapé
[1] Renato Manfredini Júnior — Renato Russo (Rio de Janeiro, 27 de março de 1960 – 11 de outubro de 1996), um dos maiores nomes da música brasileira.
[2] Cf. A Questão do Sentimento e o Respeito a Si Mesmo II, de 09/11/2011.
[3] Cf. Dualismo Simplesmente, de 17/09/2010.
[4] Cf. idem nota 2.
[5] Cf. A Questão do Sentimento e o Respeito a Si Mesmo, de 27/06/2011.
[6] Cf. idem nota 2.
[7] Cf. idem nota 2.
[8] Cf. Livro de Jó 7,1-4.6-7.
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DNonato – Leigo católico, graduado em História; vivendo a cada dia como um mercenário: cada dia tem sua luta própria.
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É verdade, devemos dar valor a quem nos ama e não perder tempo com ilusão.
ResponderExcluirSempre serei apaixonada por você e nunca te esquecerei e realmente "Conhecemos o céu nos olhos e na presença de uma criança que foi e é desejada e muito amada."
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