Somos tolos quando queremos ser aquilo que outros não foram. Somos loucos por aceitar a possibilidade de nos frustrar, apenas porque acreditamos que tudo é possível quando o ser humano está apaixonado. Precisamos agir como nós mesmos, com a consciência das lutas e dificuldades que fazem parte de nossa natureza humana. Você disse que não é fácil sentir aquilo que diz sentir — e nós acreditamos. Contudo, também não é fácil te ver passar e não poder te dizer que a vida ainda tem tanto a oferecer.
Somos tentados ao ódio quando somos ignorados em nosso amor. Somos chamados à violência quando nosso apelo de paz é silenciado. E, no entanto, somos obrigados a calar a nossa voz para que ela possa falar através de atitudes coerentes. Há uma série de situações em que a nossa atitude precisa ser exatamente o oposto do que o outro espera. Estamos aqui, cheios de sentimentos, tendo que agir de forma diferente do que o mundo exige de nós. Somos humanos demais. Somos imperfeitos. Muitas vezes, só conseguimos ver no espelho os nossos defeitos.
Não conseguimos compreender os autores que cantam músicas com o peito destruído por terem amado, nem tampouco os que sofrem por nunca terem sentido algo tão bonito — ainda que cheio de espinhos. Porque, como ensinam os pajés de nossas florestas, “só quem sabe caminhar sobre o espinho aprende o valor da folha.” E como diria um antigo estóico, o amor é belo não pela ausência da dor, mas por aquilo que nos transforma apesar dela.
Como Prometeu¹, ousamos amar trazendo o fogo da esperança aos nossos próprios dias sombrios. Sabíamos da punição: as águias nos visitam diariamente para dilacerar o coração exposto. E mesmo assim, preferimos a dor da lucidez à frieza da indiferença. Há uma centelha em nós que escolhe arder, ainda que em silêncio, só por ter amado com inteireza.Lembramos também de Aimberê², o jovem guerreiro tupinambá que, como flecha viva, atravessou as leis dos homens e dos deuses por amor à bela Uira, filha de outro povo, outro canto, outro canto de reza e floresta. Sabia que aquele amor era proibido, feito de silêncio entre as aldeias e vigilância dos caciques. Mas mesmo assim, caminhou com o coração aceso como tocha, enfrentou o medo, o tempo e a guerra. Por ela, atravessou rios e fronteiras com o mesmo passo de quem pisa em sonho. E, mesmo sabendo que não teria o colo dela para repousar, guardou o nome dela no peito como canto sagrado. Como Aimberê, também nós nos lançamos ao impossível — e mesmo sem teu abraço, seguimos levando o teu nome como reza dentro da alma.
Lembramos ainda da Iara³, mulher encantada das águas, que seduz com seu canto e jamais se deixa tocar. Como ela, alguns amores nos envolvem e nos transformam, mas não se realizam. E, como os antigos, sabemos: às vezes, o encanto está justamente na impossibilidade.
Essa é a nossa indignação: sofrer por saber que você existe… mas não estar em nossa vida. Sofrer por ser você a eleita para uma vida comum que não foi conosco, porque tua eleição já tinha sido feita por outro — um dia antes da nossa chegada ao teu mundo.
Essa é a nossa praia sem ondas, sem o sol que dá aquele brilho. Esse é o nosso quintal sem jardim, sem as flores que embelezam. Essa é a nossa vida em tom de cinza, pintada pela esperança de que, um dia, você leria estas linhas. Aquela frase dita — “Se tinha que me apaixonar, que bom que foi por você” — já não sabemos se foi mesmo uma boa escolha. Mas, como diz um outro artista: se é para sofrer, que seja pela entrega total do nosso ser, por termos agido com um só coração, por termos feito o que fizemos, por termos tido a alegria de tê-la por alguns minutos.
Como canta a Escritura: *“As grandes águas não poderiam apagar este amor, nem os rios levá-lo de enxurrada.”*⁴
E se um dia, por algum descuido do tempo, você souber destas palavras, que elas cheguem até você como oração feita em silêncio — não para pedir que volte, mas para que saiba que foi amada.
Obrigado!
DNonato – Teólogo do cotidiano, Graduado em História.
Notas:
¹ Prometeu – Na mitologia grega, titã que deu o fogo à humanidade e foi punido. Simboliza o amor que se doa, mesmo com dor.
² Aimberê – Personagem da tradição tupinambá que se apaixona por uma jovem de outra tribo. Representa o amor que desafia limites e permanece, mesmo sem resposta.
³ Iara – Lenda indígena brasileira. Ser mítico das águas que encanta, mas é inalcançável. Amor belo e impossível.
⁴ Ct 8,7 – Cântico dos Cânticos. Texto bíblico que descreve o amor como força invencível.
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