quinta-feira, 27 de junho de 2013

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - IX

Já dizia o poeta: “Não busco a perfeição em ninguém e espero que não busquem isso em mim.”¹
Você deve pensar que, após tudo o que vivemos — e as decisões tomadas de forma arbitrária, visando apenas o seu próprio interesse — nós esqueceríamos a dor e o sofrimento que nos causou, mesmo que isso nada tenha a ver com a sua insegurança. Como falamos: “Somos responsáveis por nossas escolhas e por tudo o que acontece em nossas vidas após cada decisão. Existe uma força que nos sustenta, nos anima em todas as escolhas, e com ela podemos contar para sobreviver às tempestades da vida.” Como Ma’at, a deusa da verdade e justiça do Antigo Egito, que garante a ordem e o equilíbrio universal, sabemos que nossas escolhas são nossas, e elas moldam nossa balança interna.²
Não somos alheios à responsabilidade de nossos atos, e, assim como no julgamento de Osíris, enfrentamos as consequências do que decidimos.

Nós queríamos compartilhar todas as glórias e alegrias... Sim, sonhamos com o retorno daqueles que se foram, levando consigo uma parte boa de nós. Sonhamos, mas não ficamos dormindo; reconstruímos tudo o que perdemos e, hoje, a sua falta já não faz mais falta. Como a Fênix que renasce das cinzas, somos agora mais fortes, mais conscientes do que não podemos mais perder.

Como alguns pensam, não somos coitadinhos, não somos vítimas dos outros. Cada um carrega a culpa de suas escolhas e de suas decisões egoístas e sem sentido. Querendo ou não, somos imperfeitos anjos sem asas.³
Hoje, estamos aqui, de pé, olhando para a sua escolha errada e nos questionando se vale a pena confiar em qualquer palavra que sai da sua boca. As asas de cera que nos concedeste não nos servem; sabemos que elas não resistirão ao calor do sol, assim como Ícaro caiu diante do sol implacável, ou à tempestade da vida, que, como o caos primordial de Nun, sempre nos desafiará.

Foi uma vida sem sentido, uma vida sem motivo, até aquele dia. Você recebeu um motivo para viver e fez questão de destruir os nossos. Fomos julgados e condenados por um grupo que não conhece o seu verdadeiro eu. Plantou em nós uma cicatriz na alma, que experimentou alegria, mas ficou apenas com o amargor que a sua inconsequência pôde oferecer. Você celebrou a vitória e acredita que a nossa derrota foi algo divino e maravilhoso.

Desculpe-me por tê-lo feito sofrer a maior derrota. Aceitamos perder para vencer com dignidade, mas não se pode dizer que a guerra foi vencida por uma nação que se recusou a combater.⁴
Na verdade, não houve guerra, mas uma fuga ou uma omissão da vida. Não estamos aqui para condenar ou aprovar a tua redenção. Tudo o que um dia fizeste àquele que te jurou fidelidade é algo grave, e o pagamento que receberás é a solidão.
Foi dito que tudo é efêmero, que a tua vida e até as tuas palavras são apenas maquiagem barata para um dia de festa, que, às vezes, antes do fim desta, revela o verdadeiro eu.

Devíamos viver com respeito o amor que se tinha no peito. Não negamos o perdão, mas conviver com um sentimento de insegurança é algo que não desejamos para as nossas vidas. Pensando assim, pense bem e nos convença da sua mudança, como quem busca a verdade no julgamento de Osíris.⁵
Hoje, enfim, compreendemos: a justiça da vida não falha, mesmo que pareça tardia. A balança de Ma’at, silenciosa, continua a pesar os corações, e o nosso — embora ferido — não se enche de rancor. Renascer não é esquecer, é lembrar com sabedoria. E se a dor nos ensinou a caminhar sem muletas de promessas vazias, que assim seja. Que o teu caminho te revele o que recusaste enxergar no espelho da tua própria alma. E se algum dia quiseres retornar, venha descalço, sem máscaras nem asas emprestadas. Aqui, só se caminha com verdade.

DNonato – Leigo católico, graduado em História; sem asas e descalço sob sol
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Referências:
¹ Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr.
² Ma’at, na mitologia egípcia, representa a verdade, a justiça e a harmonia universal. No julgamento dos mortos, o coração do falecido era comparado à pena da deusa, para avaliar sua sinceridade e moralidade.
³ Questão de Sentimento e Respeito a Si Mesmo VIII, publicado em 5/03/2013.
⁴ Questão de Sentimento e Respeito a Si Mesmo VII, publicado em 17/02/2013.
⁵ Osíris, deus da ressurreição e juiz dos mortos na mitologia egípcia. Ele preside o julgamento em que o coração é pesado contra a pena de Ma’at.

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