domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - VII

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Falar de sentimento é algo que muitas pessoas evitam para não revelar a sua fraqueza. Não sabemos se somos fracassados por ter sentido ou ainda sentir algo por alguém que não retribui o sentimento por ela dedicado. Quando paramos por um minuto e observamos o nosso passado, com muitas vitórias e acertos, porém sem a sua presença em nossa vida, sentimos que fracassamos em algo. Era preciso um pouco mais de silêncio ou que tocassem uma canção, como nas telenovelas, naqueles momentos em que não devíamos falar.

E, diante do silêncio, surge a tentação de procurar culpados. Costumamos responsabilizar os outros por nossos fracassos, e assim fugimos para uma zona de conforto: a de vítimas. Vítimas de alguém, do destino ou, para alguns, até mesmo do próprio Deus, que teria permitido o sofrimento. Mas, se o Criador viesse do céu impor sua vontade em todos os nossos assuntos, sinceramente, Ele não seria Deus. Reduzimos Deus ao nosso tamanho, o colocamos dentro da moldura estreita das nossas escolhas, como se Ele fosse um fiador das nossas decisões — boas ou ruins. E fazemos isso para aliviar o peso das nossas próprias mancadas.

Vivemos entre pessoas que ferem, que magoam, que tomam decisões impensadas. Quando percebem o erro, tentam se esquivar: culpam a bebida, o estresse, a pressão do momento — ou até mesmo o outro. Assumir a própria responsabilidade virou quase um ato heroico. Foi isso que fizeste: faltou reflexão e sobraram acusações. Pior ainda, tentaste nos pintar como vilão, distorcendo fatos e negando traços da nossa personalidade. No fim, tiraste de nós um pouco da alegria e deixaste em troca um vazio difícil de preencher.

Ainda assim, resistimos. Juramos que não deixaríamos o sentimento nos abater, que não sentiríamos tua falta. Mas ontem, por um instante que pareceu uma eternidade, nos sentimos sozinhos, fracassados. Silenciosamente, nos recolhemos num canto, buscando em Deus alguma resposta para tudo isso. E talvez a resposta seja a coragem de reconhecer os próprios fracassos como ponto de partida para recomeçar.

O ser humano carrega essa marca: a da falta. Sempre falta algo — seja dinheiro, amor, fé, saúde ou apenas coragem para admitir que somos incompletos. Querendo ou não, somos imperfeitos. Anjos sem asas que tentam, neste mundo empoeirado, refletir a imagem do Criador num espelho quebrado.

As tradições judaica, cristã e islâmica reconhecem essa tensão entre o barro e o sopro divino. Na antropologia sagrada, o ser humano é visto como aquele que caminha entre a luz e a poeira. O Alcorão fala do nafs — a alma em conflito — e da constante busca por equilíbrio interior. Fomos feitos do barro, como Adão, mas carregamos o sopro de Deus em nós. E mesmo assim, com todas as nossas quedas, somos assistidos, silenciosamente, por figuras que habitam o invisível: os anjos.

Na tradição cristã e judaica, são eles: Miguel, o guerreiro; Rafael, o curador; e Gabriel, o mensageiro. No Islã, também os encontramos com nomes próximos: Mikail, Israfil e Jibril. Eles não apenas anunciam, mas também testemunham. E mesmo que não compreendam o mistério do livre-arbítrio humano — pois não conhecem o pecado nem a dúvida —, são presença constante na história da salvação e no drama de cada alma.

Nossa história, contudo, ficou marcada por um fracasso que ainda nos envergonha. Apostamos alto, e perdemos. E embora toda aposta envolva riscos, há derrotas que nos marcam de modo mais profundo. Diante dessa perda, só nos resta acolher a lição.

A solidão é uma dessas presenças fiéis que não nos abandona — nem na multidão, nem no quarto vazio. Por isso, não devemos ter vergonha de sentir. O primeiro passo para a cura é admitir: ainda há um pouco de você em nós que insiste em ficar. Você não foi só uma experiência, tampouco uma aventura com final feliz. Você foi — e talvez ainda seja — aquela pessoa que nos deu asas de cera e nos levou a voar em direção ao sol, como Ícaro.
Perdemos as asas no voo. Mas o desafio, agora, é outro: reconstruí-las enquanto ainda caímos, para que, quando tocarmos o chão, possamos te dizer — com verdade e serenidade — que ainda estamos de pé. E que, enfim, não precisamos mais de você. Porque nossas asas já não são apenas ilusão.

E se hoje ainda restam pedaços de cera grudados em nossos ombros, é porque fomos feitos também de sonho — e sonhar, apesar de tudo, ainda é um dom divino. A queda não nos define, mas nos ensina. E a ausência de quem partiu já não é mais abismo, mas chão fértil onde renascem nossas asas — agora forjadas não de ilusão, mas de esperança temperada pelo tempo. Seguimos, com os pés sujos de barro e o coração cheio de céu, sabendo que nem Miguel com sua espada, nem Gabriel com sua voz, nem Rafael com sua cura — nem mesmo Jibril, mensageiro dos céus — podem nos impedir de amar outra vez, ainda que a queda tenha nos ensinado a voar mais baixo. Porque, afinal, somos apenas humanos tentando ser imagem do Eterno num espelho em reconstrução.

DNonato – Graduado em História, tentando ser imagem do Eterno num espelho em reconstrução.


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