terça-feira, 22 de julho de 2014

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - XI

Por DNonato* 
Por vezes, escutamos a frase: "Você não é nada.
" Tal afirmação soa brutal — especialmente quando proferida por alguém que se diz cristão — e compreendemos bem a dor que ela acarreta. Deus, nosso Pai, nos concebeu como seres únicos, em um universo de particularidades, onde cada indivíduo carrega um brilho singular. Ainda assim, temos a capacidade sombria de reduzir o outro a uma partícula insignificante de um mundo irreal.
Gostamos de nos apresentar como donos do controle, quando, na verdade, muitas mágoas nascem de atitudes movidas por um orgulho imaturo e insensato. As palavras ferem como lâminas. E quando pedimos que respeitem nossa intimidade como algo sagrado, paradoxalmente, a transformas em troféu a ser exibido diante de todos.
Demonstras uma força que agora negas possuir. Em teus lábios, há apenas falsidade. Foste capaz de fazer uma acusação infundada, lançando-nos na posição injusta de quem cobiça o que não lhe pertence. Nossas palavras, naquele instante, expressaram mágoa, não amor. Teria sido mais digno calar, pois o silêncio fala mais alto quando nasce de um coração sensível.
Na tradição bíblica, a palavra tem um peso sagrado — “A morte e a vida estão no poder da língua”¹. Proferir injúrias é, portanto, ferir a imagem e semelhança de Deus no outro, esquecendo que somos todos “pó e sopro”² — frágeis, mas infinitamente sagrados.
Como bem observa a antropologia, o reconhecimento é um dos pilares que sustentam a existência humana³. Negar esse reconhecimento é como ferir o servo sofredor, rejeitado por todos, como descrito por Isaías. Nas antigas sociedades, como a romana, ser banido da polis era comparável a deixar de existir⁴. Não ser visto é, de algum modo, deixar de ser.
Adotamos comportamentos que, aos olhos dos que te cercam, se tornam motivo de rótulos: insensatos, insignificantes. Nossa opinião perde valor, tua escuta nos rejeita. Desprezas quem tenta te orientar para o bem. E nos tornamos impotentes ao ouvir tua voz e não conseguir resistir a ela. Somos tratados como brinquedo; e o carinho, quando nos é negado, nos torna desvalorizados
A cultura greco-romana ensinava que os afetos eram parte da paideía — a formação ética do coração. O verdadeiro sábio cultivava a philía, o amor fraterno, como sinal de maturidade e justiça⁵. Santo Agostinho resumiu isso com simplicidade desarmadora: “Ama e faz o que quiseres”⁶ — porque quem ama de verdade jamais age com injustiça
Teus gestos e palavras te denunciam, e nos relegam à condição de vencidos, como cantou Renato Russo em Monte Castelo⁷ e como a banda Jota Quest proclamou em Amor Maior, dizendo que precisa de um amor maior, e de você, com qualquer humor, com qualquer sorriso⁸. Mas nossa alegria não pode ser sustentada pelas lágrimas que derramamos diante da tua incompreensão, da tua falta de cuidado com nossa história.
Do ponto de vista teológico, o sofrimento nunca é só dor: é lugar de encontro. Na cruz, Cristo ressignifica a dor humana como revelação do amor. Ferir o outro gratuitamente é, assim, recusar o Cristo presente no sofredor⁹. E não há fé verdadeira onde falta compaixão.
Dizes conhecer o sofrimento, mas parece que foi há tanto tempo que já esqueceste como dói uma ferida aberta pela palavra. Duvidamos que sintas tanta angústia quanto quem vive solitário e tem na saudade sua única companhia. Tuas escolhas são difíceis, imprudentes e tolas.
Se tua intenção era magoar, parabéns: conseguiste. Nossa maior indignação¹⁰, no entanto, não vem disso, mas do fato de que estiveste em nossa vida para iluminar com certo fulgor — e, ao final, levaste até o cinza sem graça que antes coloria nossos dias. Deixaste tudo na melancolia...
Sabemos que tu também necessitas de nossa presença para que tua felicidade seja plena — assim como nós precisamos da tua. Resta-nos esperar que tenhas coragem de te assumir, descer do alto da barreira ilusória que construíste e aceitar renunciar à fantasia... para, enfim, ganhar.
Não te propomos o ontem, pois já é passado, e nem o amanhã, pois é futuro. Te pedimos: venha logo no presente¹⁰. Porque a vida é breve demais para quem anseia amar, ser amado e ser feliz... agora.
Pois como dizia o velho místico: “O tempo do amor é sempre agora.”¹¹
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* autor; DNonato Leigo católico, graduado em História
1. Provérbios 18,21 – Versículo do Antigo Testamento, parte da literatura sapiencial hebraica (século VI a.C.).
2. Gênesis 2,7 – Relato da criação do homem, compilado entre os séculos X e VI a.C.
3. Axel Honneth (n. 1949) – Filósofo alemão, integrante da Escola de Frankfurt, autor de A Luta por Reconhecimento.
4. Direito Romano – Sistema jurídico em vigor entre os séculos V a.C. e VI d.C.; o exílio significava perda de identidade cívica.
5. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) – Filósofo grego, autor da Ética a Nicômaco, onde define a philía como virtude ética.
6. Santo Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.) – Bispo e teólogo cristão, autor de In Epistolam Ioannis ad Parthos.
7. Renato Russo – “Monte Castelo” (1993) – Canção da banda Legião Urbana, lançada no álbum O Descobrimento do Brasil, falando sobre o amor e a fé.
8. Jota Quest – “Amor Maior” (2001) – Canção da banda brasileira Jota Quest, composta em 2001, falando sobre o desejo de um amor mais profundo.
9. *Questão do Sentimento, Respeito por Si Mesmo X, publicado em 28/05/2014.
10. A Questão do Sentimento e Respeito a Si Mesmo II, publicado em 9/11/2011.
11. Anselm Grün, OSB (n. 1945) – Monge beneditino e autor contemporâneo, conhecido por obras espirituais voltadas à vida interior.
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