sexta-feira, 24 de abril de 2015

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - XV


Entre o desejo e a renúncia”
Quando nossos olhos se encontram, nenhum gesto disfarça o desejo que paira no ar. E quando eles se cruzam, mesmo que por um breve instante, não há força que contenha a alegria quase febril do reencontro. Há uma eletricidade silenciosa que percorre nossos corpos, mesmo quando nos esforçamos para manter a compostura.
Vivemos a dualidade entre sentir e reprimir, entre desejar ardentemente e não poder. Somos vítimas das circunstâncias e, ao mesmo tempo, culpados por sermos quem somos.
Enfrentamos o conflito dos sentimentos. Carregamos a angústia de não pertencermos um ao outro, de não podermos ser o que já somos em essência. Mas, no fundo, o que mais desejamos é estar nos braços um do outro: encostar pele na pele, entrelaçar respirações, somar afeto, ternura... e a alegria ardente de simplesmente estarmos juntos.
Sentimo-nos como transgressores: não por maldade, mas por amar de um modo que incendeia a alma e o corpo fora das normas. Sabemos que nossas escolhas, nossos afetos desviados da norma, podem nos conduzir à dor, à solidão e às frustrações mais profundas. E ainda assim, somos culpados por não nos entregarmos plenamente ao fogo desse amor proibido.
Não vivemos, apenas resistimos. E, nos momentos de silêncio e solidão, nossos corpos clamam por aquilo que as palavras não dizem. A lembrança do toque imaginado arde na pele como febre. Revisitamos nossas escolhas, enquanto o desejo sussurra verdades que insistimos em calar.
Dizem que erramos por abrir mão da felicidade, por recusar o que poderia nos fazer bem. Fugimos do que chamam de pecado: você, por pertencer a outro; eu, por ser de outra. Nossos vínculos nos impedem de sermos amigos ou amantes. Mas... e se fôssemos apenas isso: dois corpos que se desejam em silêncio?
Somos um homem e uma mulher que escolheram o bem dos outros e se lançaram, cada um à sua maneira, numa fuga desesperada para não serem aquilo que já são, por direito e por sentimento. Fingimos não saber que pertencemos um ao outro.
Somos um do outro na alma. Somos um do outro na escolha silenciosa. Somos um do outro na emoção que não morre, que pulsa com urgência feroz. Mas nossos corpos, ah, nossos corpos, habitam outros espaços, longe da luz do nosso afeto, do desejo contido que queima, do amor que pulsa dentro de nós e geme no silêncio do travesseiro.
Pecamos por sermos humanos. Erramos por sentir algo que, talvez, até os anjos desejem compreender: a força avassaladora de um desejo que transcende o racional. Desejamos o que não tocamos. Sonhamos com o que não ousamos viver. E as nossas falhas, nossas fragilidades, passam pelas limitações que nos moldam.
Não é possível ignorar: se a própria Divindade assumiu a condição humana e experimentou o abandono daqueles que deveria amar, mesmo amando-os até o fim, quem somos nós para não sentir esse desejo que queima por dentro?
A sua ausência. A minha ausência. O vazio que se instala quando nos despedimos com um simples “adeus” só pode ser compreendido por quem já viveu um amor proibido e, talvez, por isso, possa nos entender em sua intimidade mais secreta.
Ainda assim, é necessário agradecer. Agradecer por estarmos aqui e por sabermos que o sentimento que cultivamos é algo que nos realiza, que nos completa na nossa humanidade. E, de algum modo, é na renúncia que tocamos o divino.
Somos um homem e uma mulher que

ousaram sentir... mas que não tiveram coragem de viver aquilo que sentem e que, de fato, é: uma ligação visceral, carregada de atração e desejo.
Trazemos em nós a marca de um fracasso: o de não termos aceitado uma felicidade que poderia parecer egoísta, mas que, talvez, fosse simplesmente amor, desejo… e um tesão contido que grita nas entrelinhas de cada despedida.
E mesmo assim, seguimos. Fingindo que esquecemos, quando na verdade, lembramos com o corpo, com a pele, com o cheiro imaginado que ainda habita nossas roupas.
Talvez não sejamos santos, nem heróis – apenas humanos demais para negar o que sentimos, e covardes demais para vivê-lo.
Mas uma coisa é certa: há um fogo que nunca se apaga. E, mesmo à distância, ele nos aquece... e nos consome.

"E assim, seguimos em frente, carregando o peso do que poderia ter sido.
 Mas mesmo na renúncia, encontramos uma forma de amor que nos completa.
É um amor que não precisa de palavras, que não precisa de toque.
É um amor que existe apenas no silêncio, no olhar, no suspiro.
E é nesse silêncio que encontramos a nossa verdade."

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DNonato – Teólogo do cotidiano, Graduado em História

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