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O tempo passa e nos mostra como fomos tolos em certas decisões. Por exemplo: quando abandonamos o amor em prol do luxo e nos entregamos à sedução da serpente travestida de amiga, cuja beleza artificial e gestos calculados ocultavam a peçonha da traição, somos punidos e expulsos do paraíso. E algo que sempre ouvimos se cumpre: “A história, o tempo ou o futuro revelará a verdade.”
Seu choro hoje apenas constata uma distância que suas próprias ações cavaram entre nós. Não nos perturba como outrora, não nos toca na profundidade em que antes alcançava, e a ideia de estar ao seu lado parece agora um eco de um tempo que não volta.
Colocamos nossa esperança nas boas amizades, nas coisas boas que a vida nos dá: família, amigos, fé na força divina e no amor por nós mesmos. Mesmo diante do seu desejo de nos derrubar, de atribuir inverdades, de imputar fatos que não combinam com os valores que um dia nos uniram. E agora? Tua cara de derrotada, de vencida, era fruto da tua falta de fé no sentimento que carregávamos um pelo outro... tua infantilidade, seduzida pela serpente travestida de amiga.
Tu te entregaste ao desejo, vestida de seda e perfume, imaginando que o toque ardente de lábios e promessas a elevariam à condição de deusa por uma noite. E por um instante, foste. Deusa nua num altar profano, sacrificando um amor verdadeiro por instantes de adoração vazia. Teu corpo tremeu, tua pele arrepiou, e por um momento acreditaste que aquilo era plenitude.
Mas a verdadeira entrega reside na profundidade do entrelaçar das almas, não no suor fugaz de um prazer que se esvai como a brisa da noite. A volúpia que experimentaste foi apenas um pálido reflexo, uma sombra distorcida do amor genuíno que deliberadamente rejeitaste.
Assim como Eco², condenada a apenas repetir as palavras dos outros, agora seus gemidos parecem ecos vazios, desprovidos da sinceridade que nasce do coração. E à semelhança de Narciso³, absorto em sua própria imagem refletida, você se apaixonou pela projeção idealizada de si mesma no espelho dos desejos, mas se mostrou incapaz de mergulhar na complexidade e na alteridade de um amor verdadeiro.
E esqueceste o que nos ensina Shakti⁶, a energia feminina primordial da tradição indiana, que só se manifesta com plenitude quando se une a Shiva – consciência pura. Seduzida por prazeres soltos, buscaste o êxtase sozinha, sem comunhão, sem transcendência. E, por isso, teu fogo se consumiu antes de aquecer o coração de alguém.
O vazio da noite te possui. Teus seios, memória viva de lábios famintos e juras ardentes, jazem frios na ausência daquele calor efêmero. Tua pele, ainda marcada pelo toque fugaz do prazer, suplica em mutismo por mãos que ofereçam mais que a breve chama do desejo.
Está difícil caminhar? Está difícil ficar de pé? Está difícil ser você? Sabemos como é isso. Sinceramente, nós a avisamos: sua queda era algo previsto. Contudo, disseste que caíste para cima. Recordamos que, quando subimos a montanha com o devido preparo, a escalada é difícil, mas a queda é quase impossível. E, chegando ao topo, podemos contemplar a beleza de um horizonte, vislumbrando um portal para o infinito. Contudo, tu afirmaste: “caí para cima”, desafiando a lei da física. E quem desafia a lei, sofre a punição no tempo certo.
São Tomás de Aquino⁴ nos lembra que a vontade humana, corrompida pela concupiscência, desvia-se do bem quando não é guiada pela razão iluminada pela fé. Tu foste guiada por impulsos, por elogios vazios, por desejos inflamados de glória e prazer. E esqueceste que o verdadeiro prazer é consequência do amor que se doa, não do corpo que se vende.
Não celebramos o teu fracasso, não celebramos a tua dor, pois assim estaríamos infringindo a lei do Amor. E aquele que infringe a lei, um dia será punido. Reflitamos: tu não serás a última pessoa a quebrar a cara ou a ser iludida por uma serpente, e não será a última vez que serás explorada e humilhada se seguir somente os teus desejos de luxo e prazer.
Nós somos culpados e responsáveis por tudo o que plantamos. Mentira e ilusão: tudo o que buscas, tudo o que queres, não é teu. E o que te resta é esse sentimento de traição e vergonha. Trouxeste aos amigos uma quimera⁵, uma ilusão açucarada que, ao contato com o suor do teu próprio corpo, se desfez, expondo tua intimidade e revelando a falsidade da beleza que alegavas possuir, comprada com a dor e o sofrimento de um amor verdadeiro.
Sinceramente, tua presença nos incomodava. Foste avisada de que tua queda era certa, mas duvidaste e achaste que o brilho que emanava, ignorando a peçonha oculta como na serpente, era algo divino. E agora? Humilhaste aqueles que visavam o teu bem, provocaste dor e vergonha. Observamos tua derrota com um sentimento de pena. E, sinceramente, não nos alegramos.
Gostaríamos que tirasses daí uma lição para a vida: que aprendas que nem todos os que te repreendem te odeiam, e que muitos dos que te elogiam, na verdade, te invejam e desejam o teu lugar.
Leia também: A Questão do sentimento e o Respeito a si mesmo XVI
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1 - Teólogo do cotidiano. Historiador de vivências de coração frágil e ferido, com asas de cera e em reconstrução em pleno voo da vida.
2 Eco – Ninfa da mitologia grega, condenada a repetir apenas as palavras dos outros. Morreu consumida por um amor não correspondido.
3 Narciso – Jovem da mitologia grega que se apaixonou por sua própria imagem refletida na água. Morreu contemplando a si mesmo, incapaz de amar o outro.
4 São Tomás de Aquino – Doutor da Igreja, filósofo e teólogo medieval. Afirmava que a alma se desordena quando busca o prazer fora da ordem do amor racional e divino.
5 Quimera – Criatura mitológica formada por partes de vários animais, símbolo de algo ilusório ou irreal.
6 Shakti – Na tradição hindu, Shakti representa o princípio feminino divino, fonte de energia e criação. Sua união com Shiva simboliza o equilíbrio entre energia (ação) e consciência (paz), entre desejo e sabedoria. Separada de Shiva, Shakti é força sem direção; unida a ele, é plenitude.
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