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sábado, 19 de janeiro de 2013

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - VI

Quando até a memória se cala

Às vezes, é no fundo de uma gaveta que reencontramos o que fomos. Relíquias esquecidas, memórias que resistem ao tempo — e silêncios que falam mais alto do que palavras. Como o silêncio que envolve a grande serpente que rasteja nas profundezas do mito, quando ela, em sua quietude, traz à tona verdades esquecidas que ainda aguardam a hora de emergir.

No meio das cartas da primeira namorada, dos bilhetes de amigos que o tempo levou, das mensagens de quem jurava nunca partir, o que mais nos surpreende não é o que encontramos — mas quem não encontramos. Sua ausência ali é gritante, como o eco das palavras do profeta que, ao anunciar a desolação, vê a ausência daquilo que um dia foi pleno, mas que foi diluído no vento da desilusão. Sua lembrança foi colocada à parte. Um espaço reservado, onde apenas alguns saberão por que foi necessário isolá-la. Não apagamos o que houve, pois seria desonesto negar. Mas não poderíamos mantê-la entre as relíquias preciosas, pois você escolheu desprezar o que, por um instante, foi sentido como graça.
Havia cansaço. Havia rotina. E de repente, havia sentido. Você o recebeu como dádiva, mas escolheu destruir o que nos sustentava. Hoje, somos julgados por rostos que desconhecem sua verdadeira face. Carregamos na alma uma cicatriz: ela provou a alegria, mas ficou com o amargor da sua inconsequência. Como na mitologia das civilizações antigas, onde os heróis se viam forçados a lutar com monstros que simbolizam as feridas que não podem ser curadas, assim também o tempo transforma a dor em algo que, ao ser encarado, pode se tornar uma chave para a compreensão de um novo ciclo.

Sabemos do seu canto de vitória. Da sua forma de interpretar o jogo. Você acredita que perdemos — e talvez, em termos humanos, tenha razão. Mas há derrotas que redimem. Há cruzes que salvam. Recusar-se a lutar não é sinal de vitória, é medo de perder a si mesmo. Como a lendária jornada do herói que enfrenta suas sombras para finalmente se encontrar, talvez o verdadeiro prêmio resida na travessia que você se recusou a fazer, ainda que o caminho tenha sido longo e tortuoso.

No reencontro de ontem, seus olhos disseram mais do que sua boca ousou admitir. Vimos ali as mágoas que você coleciona, frutos das escolhas que fez sem medir o caminho. Seu olhar hesitou — e nesse instante, soubemos da verdade que a boca não quis dizer. Há dor demais por trás das palavras. E talvez, sem perceber, você esteja presa a decisões que ainda não compreende. Como uma antiga profecia não cumprida, as palavras ficaram suspensas no ar, esperando por um significado que talvez nunca venha.

Não houve gratidão naquele olhar cruzado. Apenas frustração e um cansaço antigo. Poderíamos ter sido mais do que conhecidos — talvez amigos, ou algo mais sereno e bonito. Mas suas decisões ignoraram o arrependimento. Ainda hoje, encontramos em seus lábios as mesmas mentiras de ontem. O erro não é uma sentença, mas uma marca no tecido do tempo que, se bem olhada, pode ser o fio que nos leva ao entendimento. O que falta não é a lembrança do passado, mas a capacidade de transformar o que foi perdido em um novo caminho de reconciliação.
Seja honesta. Saia da sombra dos próprios erros. Busque refazer o que destruiu. O que foi quebrado pode ser consertado, como as antigas alianças que se forjam novamente com um novo metal, mais forte e resistente. E, assim como em muitos mitos, a verdadeira transformação começa quando o herói se dispõe a encarar a verdade, por mais dolorosa que ela seja.

Você tirou quase uma década daqueles que jurava amar. E ainda assim ousa se ver como anjo, quando agiu com frieza. Se isso que carrega no peito é amor, preferimos não imaginar o que seria o ódio. O amor, em sua pureza, não pode ser confundido com egoísmo. Assim como nas histórias de grandes encontros e desencontros, onde o destino dos heróis se entrelaça em um mistério maior, o amor verdadeiro não faz escolhas baseadas na conveniência, mas sim na força da entrega e do respeito mútuo.

Foi isso que vimos ontem: o peso do que foi perdido, e a distância entre quem você é e quem ainda pode ser. Que a verdade — dura, sim, mas libertadora — seja o primeiro passo para aquilo que ainda pode ser restaurado. E que, tal como as fênix que renascem das cinzas, seja na dor do confronto com o passado que a liberdade verdadeira possa nascer.


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DNonato – aquele que você não encontrou nas relíquias, mas que ainda se lembra do que fomos.