domingo, 14 de dezembro de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 21,23-27

O Evangelho de Mateus 21,23-27, proclamado na segunda-feira da segunda semana do Advento, não aparece por acaso no itinerário litúrgico deste tempo. O Advento, mais do que um intervalo devocional que antecede o Natal, é uma escola espiritual de espera lúcida, de vigilância crítica e de discernimento profundo. Ele não nos prepara para acolher um Deus genérico, moldado por hábitos religiosos, nem um Messias funcional aos interesses do poder político, econômico ou clerical. Ao contrário, educa o coração e a consciência para reconhecer a origem das vozes que orientam nossa fé, nossas práticas e nossas decisões concretas.

Nesse horizonte, a pergunta dirigida a Jesus no Templo — “Com que autoridade fazes estas coisas?” — deixa de ser apenas um embate entre Jesus e as lideranças religiosas de seu tempo e se transforma numa interrogação que atravessa os séculos. Ela chega até nós, comunidades crentes do hoje, como um espelho incômodo: quem, de fato, esperamos neste Advento? De onde procede a autoridade que guia nossas escolhas, sustenta nossos valores e define nossos compromissos? Entre a autoridade que nasce do poder instituído e aquela que brota da fidelidade ao projeto de Deus, o Advento nos coloca diante de uma decisão que não é teórica, mas existencial.

Jesus entra no Templo e ensina. Esse detalhe, aparentemente simples, carrega enorme densidade simbólica. O Templo, em Mateus, é o coração religioso, econômico e político de Israel. Não é apenas um espaço de culto, mas o centro de legitimação do poder, da pureza ritual, da arrecadação, das alianças com Roma. Ensinar ali é reivindicar autoridade. E Jesus o faz sem credenciais oficiais, sem pertencer às elites sacerdotais, sem o selo das escolas rabínicas reconhecidas. Por isso a pergunta dos sumos sacerdotes e anciãos não nasce de uma busca sincera pela verdade, mas de uma tentativa de enquadramento: é preciso saber se Jesus pode ser controlado, rotulado, neutralizado.

A pergunta “quem te deu tal autoridade?” revela uma concepção de religião profundamente marcada pelo status, pela hierarquia e pela autorização institucional. A autoridade, nesse esquema, não brota da verdade nem do serviço à vida, mas do cargo, da linhagem, do reconhecimento do sistema. Jesus, ao perceber a armadilha, não responde diretamente. Ele desloca o eixo da questão e coloca João Batista no centro do debate: “O batismo de João vinha do céu ou dos homens?”. Com isso, Jesus revela que o verdadeiro problema não é Ele, mas a incapacidade de discernir a origem da autoridade profética.

João Batista surge, então, como chave hermenêutica do texto. João não pertence ao Templo, não ocupa cargo oficial, não se beneficia do sistema religioso. Ele vem do deserto, espaço bíblico da travessia, da purificação e da ruptura com as estruturas opressoras. O deserto é o lugar onde Israel reaprende a depender de Deus e não de suas seguranças (cf. Dt 8). João se inscreve na longa tradição profética que sempre incomodou o poder. Como Amós, que é expulso do santuário por não fazer parte da corte (cf. Am 7,10-17), como Jeremias, acusado de traição por denunciar a falsa segurança religiosa (cf. Jr 26), João encarna uma autoridade que nasce da fidelidade ao chamado e da coerência entre palavra e vida.

Os líderes religiosos sabem exatamente o que está em jogo. Reconhecer João como profeta significaria admitir que Deus fala fora dos esquemas oficiais e, pior ainda, reconhecer que eles próprios rejeitaram essa voz. Negar João, por outro lado, significaria enfrentar o povo, que o reconhece como profeta. Diante desse impasse, eles escolhem a saída mais confortável: “não sabemos”. Essa resposta não é sinal de humildade, mas de cálculo. É o silêncio estratégico de quem prefere perder a verdade a perder privilégios.

Aqui o evangelho toca numa ferida ética profunda. O “não sabemos” é a linguagem da neutralidade cúmplice. É a recusa de se posicionar quando a verdade exige conversão. A Carta de Tiago afirma com clareza: “Quem sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4,17). O silêncio, nesse caso, não é ausência de palavra, mas escolha consciente pela manutenção do status quo. Quantas vezes também nós, hoje, preferimos não saber para não precisar mudar? Quantas vezes chamamos de prudência aquilo que, na verdade, é medo de perder lugar, prestígio ou segurança?

Jesus, então, responde: “Também eu não vos direi com que autoridade faço estas coisas”. Não se trata de evasão, mas de juízo. Quem não reconhece a verdade quando ela se manifesta não está apto a recebê-la em plenitude. A autoridade de Jesus não pode ser explicada nos termos de um sistema que já perdeu a capacidade de escuta. Como afirma Mateus no final do Sermão da Montanha, o povo reconhecia que Ele ensinava “como quem tem autoridade, e não como os escribas” (Mt 7,29). Sua autoridade não se impõe pelo medo, mas se revela pela força da verdade que liberta.

Os evangelhos sinóticos preservam essa mesma cena com pequenas variações. Marcos 11,27-33 situa o confronto logo após a expulsão dos vendilhões do Templo, deixando claro que a questão da autoridade está ligada à denúncia de um sistema religioso transformado em mercado. Lucas 20,1-8 sublinha que Jesus ensinava o povo e anunciava a Boa Nova, reforçando que sua autoridade nasce do serviço à vida. Em todos os casos, a pergunta sobre a autoridade revela o conflito entre carisma e instituição, tema recorrente na história religiosa. Esse embate pode ser compreendido à luz da tensão entre carisma e estrutura. O carisma nasce da experiência fundante, da força simbólica que mobiliza consciências. A instituição é necessária para organizar, mas corre sempre o risco de absolutizar suas formas e sufocar o espírito. Quando a instituição deixa de servir à vida, passa a servir a si mesma. É nesse momento que o profeta se torna incômodo.

O texto revela o medo profundo da perda de controle. A identidade das autoridades religiosas está colada ao cargo que ocupam. Reconhecer João significaria admitir que erraram, que resistiram à ação de Deus. Para evitar essa dor, escolhem a negação. Trata-se de um clássico mecanismo de defesa: quando a verdade ameaça a imagem que construímos de nós mesmos, preferimos negar a realidade. O evangelho nos pergunta se nossa fé é suficientemente madura para suportar a verdade que nos desinstala. Mateus 21,23-27 denuncia toda forma de fé baseada no autoritarismo religioso. A autoridade de Deus não se confunde com poder, dominação ou sucesso. Por isso esse texto confronta diretamente as teologias da prosperidade e do domínio, que associam a bênção divina ao crescimento numérico, ao acúmulo de bens e à influência política. João não tem nada disso. Jesus também não. Ambos terminam perseguidos e mortos. Segundo a lógica do mercado religioso, seriam fracassados; segundo o Evangelho, são a revelação mais autêntica de Deus.

A fé transformada em mercadoria é sempre uma fé que exige credenciais visíveis, resultados mensuráveis e obediência cega. Jesus desmonta essa lógica ao se recusar a legitimar sua autoridade nos termos do sistema. Ele não vende sua palavra, não negocia sua missão, não transforma Deus em produto. Isso confronta também o individualismo religioso, que reduz a fé a uma experiência privada, desconectada da justiça, da responsabilidade social e do sofrimento histórico dos pobres. O clericalismo, entendido como apropriação da autoridade espiritual para fins de domínio, é frontalmente desmascarado por esse evangelho. O Concílio Vaticano II recorda que todo o povo de Deus participa do sensus fidei e é chamado a discernir a ação do Espírito (cf. Lumen Gentium, 12). O Papa Francisco denuncia o clericalismo como uma perversão da autoridade, pois transforma o serviço em privilégio e o ministério em poder. Em Evangelii Gaudium, ele afirma que uma fé autêntica implica sempre o desejo de transformar a realidade à luz do Reino.

 Orígenes afirmava que João é a voz que prepara, mas Cristo é a Palavra; rejeitar a voz é fechar-se à Palavra. Santo Agostinho insistia que a verdadeira autoridade nasce da verdade que habita em Cristo e ressoa no coração humano quando este não está endurecido. João Crisóstomo via nesse episódio a denúncia de uma religião que, por medo do povo e do poder, perde a coragem da verdade.

O Confronto no Templo antecipa o destino de Jesus. Questionar sua autoridade é o primeiro passo para eliminá-lo. A cruz não é um acidente, mas o resultado lógico de uma autoridade que desmascara as estruturas injustas. Por isso esse texto não é apenas uma catequese sobre o passado, mas um chamado à conversão no presente. E Mateus 21,23-27 nos obriga a perguntar: de onde vem a autoridade que orienta nossas escolhas? Do Evangelho ou do mercado? Da consciência iluminada pela Palavra ou do medo de perder pertencimento? Do serviço ou do domínio? O Advento nos coloca em estado de vigília, lembrando que esperar o Messias é permitir que Ele desestabilize nossas falsas seguranças.

Antes de chegar a esse ponto decisivo, o evangelho ainda nos convida a olhar com mais atenção para o próprio Jesus no interior do Templo. Ele não responde como alguém acuado, nem como quem teme perder espaço. Sua serenidade revela uma liberdade interior profunda. Jesus não depende do reconhecimento das autoridades para ser quem é. Aqui há um ensinamento espiritual decisivo: quando a identidade está enraizada na relação com Deus, a necessidade de aprovação perde sua força. Isso confronta diretamente uma religiosidade baseada na validação externa, tão comum hoje, em que ministérios, lideranças e até comunidades inteiras vivem reféns de números, visibilidade e prestígio.

Nesse sentido, a pergunta sobre a autoridade revela também uma antropologia implícita. O ser humano religioso pode construir sua identidade a partir do chamado ou a partir do cargo. Quando o cargo se torna fundamento da identidade, qualquer questionamento é vivido como ameaça existencial. É por isso que as autoridades reagem com medo e cálculo. A fé, então, deixa de ser caminho de libertação e se transforma em mecanismo de autopreservação. Jesus, ao contrário, vive uma liberdade que nasce da filiação: Ele sabe de onde vem e para onde vai (cf. Jo 8,14). Essa consciência o torna incontrolável.

A ciência histórica ajuda a compreender ainda mais a radicalidade desse gesto. O Templo de Jerusalém, no tempo de Jesus, era também um centro financeiro. As elites sacerdotais estavam profundamente ligadas à aristocracia local e ao poder romano. Questionar a autoridade religiosa significava, inevitavelmente, questionar um sistema econômico e político. Por isso, a pergunta dirigida a Jesus não é apenas teológica; é uma tentativa de neutralização política. A fé que Jesus anuncia ameaça os alicerces de um sistema que se alimenta da desigualdade e da sacralização do poder. Essa dimensão histórica ilumina o modo como o evangelho continua atual. Sempre que a fé se alia de forma acrítica aos poderes econômicos e políticos, ela perde sua capacidade profética. Sempre que líderes religiosos se tornam gestores do sagrado a serviço de interesses particulares, repetem o gesto daqueles que perguntaram a Jesus com que autoridade Ele falava, não para aprender, mas para silenciar. O evangelho nos obriga a perguntar se nossas comunidades são espaços de discernimento ou de reprodução de privilégios.

Do ponto de vista pastoral, esse texto desafia profundamente a formação da consciência cristã. Não basta repetir fórmulas de fé ou defender tradições se não somos capazes de discernir a ação de Deus na história concreta. O sensus fidei, recordado pelo Concílio Vaticano II, não é uma opinião subjetiva, mas a capacidade do povo de Deus de reconhecer a voz do Espírito quando ela se manifesta, mesmo fora dos esquemas esperados. Ignorar essa dimensão é reduzir a fé a um sistema fechado, incapaz de conversão.

A filosofia ajuda a perceber que a pergunta sobre a autoridade é, no fundo, uma pergunta sobre o fundamento da verdade. Vivemos tempos em que a verdade é frequentemente subordinada ao interesse, à ideologia ou ao lucro. Nesse contexto, o “não sabemos” das autoridades religiosas encontra eco em discursos contemporâneos que relativizam tudo para não assumir compromissos éticos. O evangelho, porém, insiste que a verdade não é neutra. Ela exige posicionamento, escolha e, muitas vezes, ruptura.

Essa ruptura tem um custo. João Batista pagou com a vida. Jesus também. O martírio, aqui, não é buscado como heroísmo, mas assumido como consequência de uma fidelidade radical. Isso questiona profundamente uma espiritualidade do conforto, que promete bênçãos sem cruz, glória sem entrega, Reino sem justiça. O seguimento de Jesus, como lembra Mateus em outros momentos, passa pela disposição de perder para ganhar, de morrer para viver (cf. Mt 16,24-26).

A tradição patrística insistiu que esse texto não deve ser lido apenas como denúncia das autoridades do passado, mas como advertência permanente à Igreja. Santo Agostinho alertava que o maior perigo não vem dos inimigos externos, mas da corrupção interna da fé quando ela se acomoda ao poder. Orígenes lembrava que a Palavra de Deus continua sendo interrogada em cada geração: ela será acolhida ou será submetida a critérios que a esvaziam?

Nesse horizonte, o Advento se revela como tempo privilegiado de purificação do olhar. Esperar o Messias é desaprender as falsas imagens de Deus que legitimam opressões e reaprender a reconhecer Sua presença nos sinais humildes da história. João aponta para um Deus que não se deixa domesticar; Jesus encarna esse Deus que entra no Templo, mas não se submete ao Templo. Essa tensão é constitutiva da fé bíblica.

No fim, a pergunta permanece aberta e ecoa como juízo e promessa: a autoridade que seguimos vem do céu ou dos homens? A resposta não se dá apenas com palavras, mas com a vida. É essa resposta que decide que tipo de fé vivemos, que tipo de Igreja construímos e que tipo de humanidade ajudamos a formar.

DNonato - Teólogo do Cotidiano 

sábado, 13 de dezembro de 2025

Um outro olhar sobre Mateus 11,2-11 - 3⁰ domingo do tempo do Advento


A liturgia do Terceiro Domingo do Advento, tradicionalmente conhecido como Domingo Gaudete ou Domingo Róseo, introduz a comunidade cristã numa experiência paradoxal e profundamente humana: somos convidados à alegria quando ainda não chegamos à plenitude, à esperança quando o mundo continua ferido, à confiança quando a história parece contradizer as promessas. A cor rósea, que rompe o roxo penitencial, não anuncia a chegada plena do Reino, mas antecipa seus sinais no meio da espera. É uma alegria que não anestesia, não aliena, não mascara a dor, mas a atravessa com lucidez e fidelidade. Trata-se de uma alegria escatológica, crítica, amadurecida no conflito entre promessa e realidade. É nesse horizonte que a Igreja proclama, neste domingo específico do Ano A, as leituras de Isaías 35,1-6a.10; o Salmo 145(146); Tiago 5,7-10; e o Evangelho segundo Mateus 11,2-11, textos que não se explicam isoladamente, mas se entrelaçam num tecido simbólico, histórico e teológico capaz de oferecer critérios de discernimento da fé no interior de uma história marcada por fraturas, desigualdades e falsas promessas,  texto  que já  refletimos em 2022 em plena pressão  das 72 horas interminável  de quem perdeu  a eleição e pedia a intervenção  militar, do céu e até  dos ETs.

Tendo feito essa memória  inicial, começamos a nossa  reflexão  com Isaías 35 que  emerge do chão ferido do exílio. O povo de Judá carrega no corpo e na memória a devastação política, econômica e religiosa causada pelo império. A perda da terra, do templo e da autonomia não é apenas geográfica ou institucional; trata-se de uma ruptura antropológica profunda. O exílio desorganiza o sentido da vida, corrói a esperança e instala a suspeita de que Deus tenha se ausentado da história. É nesse contexto que o profeta ousa anunciar uma reversão radical da realidade: o deserto floresce, a terra árida se transforma em jardim, a esterilidade dá lugar à fecundidade. Não se trata de metáfora ingênua, mas de uma linguagem densamente política e corporal. Cegos veem, surdos ouvem, coxos saltam, mudos cantam. São corpos reais, historicamente feridos, socialmente excluídos, religiosamente marginalizados. Na tradição bíblica, a enfermidade não é apenas biológica; ela carrega o peso da exclusão comunitária. Curar é reintegrar, devolver lugar, restaurar dignidade. Isaías anuncia um Deus que não consola à distância, mas que intervém na história para reorganizar a vida coletiva.

O Salmo 145(146) radicaliza essa visão ao apresentar um retrato de Deus em frontal oposição aos poderes deste mundo. O Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos, liberta os prisioneiros, abre os olhos dos cegos, levanta os abatidos e protege o estrangeiro, o órfão e a viúva. Trata-se de uma confissão de fé com consequências sociais explícitas. O salmista denuncia a ilusão de colocar esperança em príncipes, isto é, em sistemas políticos, econômicos ou religiosos que prometem segurança, mas produzem exclusão. A resposta litúrgica — “Vinde, Senhor, e salvai-nos” — não é um pedido intimista, mas um clamor coletivo por uma salvação que alcance as estruturas da história. A salvação bíblica não se reduz à alma; ela envolve o corpo, as relações e a organização social.

A carta de Tiago introduz a dimensão do tempo como lugar teológico. A esperança precisa aprender a esperar sem se corromper. “Sede pacientes”, escreve Tiago, não como convite à resignação passiva, mas como forma ativa de resistência. Ele se dirige a comunidades pobres, exploradas por proprietários ricos, vítimas de injustiças estruturais. A paciência que Tiago propõe é a do agricultor: ele não controla o tempo, mas também não se omite. Prepara o solo, semeia, cuida, resiste às intempéries. Trata-se de uma ética do tempo que confronta o imediatismo religioso e o consumismo espiritual. A fé que exige resultados rápidos, milagres instantâneos e soluções mágicas torna-se frágil e manipulável; a paciência cristã, ao contrário, sustenta a perseverança, fortalece a esperança e impede que a fé se transforme em mercadoria.

É nesse horizonte litúrgico que o Evangelho segundo Mateus apresenta João Batista na prisão. João, o profeta do deserto, aquele que rompeu com a lógica do templo e do sacerdócio hereditário, encontra-se agora silenciado pelo poder. Historicamente, sua prisã.qo por Herodes Antipas revela o custo da fidelidade profética num sistema que alia religião, política e moralidade seletiva para preservar privilégios. Sociologicamente, João encarna a voz incômoda que precisa ser neutralizada. Psicologicamente, a prisão simboliza o limite extremo: o colapso das expectativas, a frustração, a experiência do abandono. É do cárcere, lugar da impotência e da desilusão, que nasce a pergunta decisiva: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”.

Essa pergunta não nasce da incredulidade, mas da honestidade espiritual. João havia anunciado um Messias do juízo imediato, do machado à raiz das árvores, do fogo purificador. Sua expectativa estava moldada por tradições proféticas legítimas, mas incompletas. Jesus, porém, não corresponde a esse imaginário. Ele não organiza levantes armados, não ocupa palácios, não negocia com o poder. Ele caminha pelas margens, toca corpos impuros, senta-se à mesa com pecadores, cura feridas e devolve dignidade. A pergunta de João revela uma crise hermenêutica: quando Deus não age como esperamos, nossa fé é colocada à prova. Essa crise atravessa toda a Escritura — Moisés hesita, Elias foge, Jeremias protesta, os discípulos de Emaús se decepcionam — e a Bíblia não esconde essa fratura; transforma-a em lugar de revelação.

A resposta de Jesus é decisiva e profundamente escandalosa. Ele não oferece um discurso teórico, não reivindica títulos, não se impõe pela força. Ele aponta para os fatos: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo”. A identidade messiânica se revela na práxis. Cegos veem, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Nova. Jesus retoma Isaías 35, mas o faz de modo concreto, histórico e encarnado. Cada sinal revela um aspecto do Reino: a cegueira social é vencida quando os invisíveis são reconhecidos; a surdez é superada quando se escuta o clamor dos pobres; a lepra, símbolo máximo da exclusão, é curada quando a comunidade é reconstruída; a morte recua quando a vida é colocada no centro. O Reino de Deus não se manifesta no domínio, mas na restauração.

Os paralelos sinóticos confirmam essa chave de leitura. Lucas 7,18-23 repete a cena e sublinha a Boa Nova anunciada aos pobres. Lucas 4,16-21 situa essa leitura no coração da missão de Jesus, quando ele proclama Isaías na sinagoga e afirma que a Escritura se cumpre naquele momento histórico. Marcos constrói toda sua narrativa em torno de um Messias incompreendido, que recusa o caminho do poder e assume a via da cruz. O Servo Sofredor de Isaías 53 oferece o contraponto definitivo aos messianismos triunfalistas e desmonta as teologias do domínio, os nacionalismos religiosos e os projetos de poder que instrumentalizam Deus para legitimar violência.

Quando Jesus afirma que João é o maior entre os nascidos de mulher, reconhece a grandeza daquele que ousou romper com estruturas engessadas. João, filho de Zacarias, sacerdote do baixo clero, estava destinado a herdar uma função cultual. Ao escolher o deserto, ele faz uma opção teológica e antropológica radical, deslocando o sagrado do centro institucional para a margem existencial. Sua vida torna-se denúncia viva do clericalismo, entendido como apropriação do sagrado para manutenção de privilégios. Ao afirmar que o menor no Reino é maior do que João, Jesus não o desqualifica, mas anuncia uma lógica nova: no Reino, a grandeza não se mede por função, ascetismo ou visibilidade, mas pela participação na vida nova inaugurada por Deus.

Essa palavra interpela diretamente a Igreja de todos os tempos. O clericalismo transforma o ministério em poder, o serviço em carreira e a fé em instrumento de controle. O Concílio Vaticano II, especialmente em Lumen Gentium e Gaudium et Spes, recorda que a Igreja é Povo de Deus em caminho, solidária com as alegrias e as angústias da humanidade. O magistério contemporâneo insiste que uma Igreja autorreferencial trai o Evangelho. Onde a religião se converte em espetáculo, mercadoria ou promessa de sucesso individual, o Cristo anunciado já não é o de Nazaré.

As teologias da prosperidade, do domínio e do individualismo religioso são frontalmente questionadas por este Evangelho. Jesus não promete imunidade ao sofrimento, nem sucesso econômico, nem poder político. Ele anuncia um Reino que começa pelos pobres, pelos feridos, pelos invisibilizados. A fé não é investimento com retorno garantido, mas caminho de seguimento que passa pela cruz. A tradição patrística percebeu isso com clareza: Santo Agostinho afirma que João é a voz que passa, enquanto Cristo é a Palavra que permanece; São João Crisóstomo denuncia a incoerência de honrar o Cristo do altar e desprezar o Cristo presente no pobre.

O Domingo Gaudete, longe de suspender a tensão do Advento, aprofunda-a. A alegria cristã não brota da negação do sofrimento, mas da certeza de que Deus permanece agindo no interior da história, mesmo quando seus sinais são pequenos, frágeis e silenciosos. A bem-aventurança final — “feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim” — revela o verdadeiro escândalo: um Messias que se recusa a legitimar nossos projetos de poder, nossas imagens religiosas confortáveis e nossas alianças com sistemas injustos. A pergunta de João ecoa hoje como exame de consciência eclesial: nossas práticas de fé libertam ou apenas tranquilizam? Nossa liturgia cura ou apenas repete? Nossa espera gera compromisso ou anestesia?

A liturgia ferial da segunda semana do Advento aprofunda ainda mais esse horizonte hermenêutico. Textos como Isaías 40,1-11; 41,13-20; 48,17-19; 49,1-4; 54,1-10; 55,1-3.6-11 e Malaquias 3,1-4 constroem o pano de fundo no qual João aparece como síntese viva da tensão entre promessa e cumprimento. “Consolai, consolai o meu povo” não é apelo sentimental, mas promessa histórica de caminhos aplainados e montes rebaixados. João encarna essa palavra ao tornar o deserto lugar teológico, denunciando uma religião incapaz de consolar os feridos da história. Isaías insiste que Deus segura a mão do servo aparentemente fracassado, daquele que trabalha sem ver resultados imediatos. Essa imagem dialoga diretamente com João na prisão, vivendo uma crise vocacional profunda, na qual fidelidade parece conduzir ao esquecimento. Malaquias anuncia o mensageiro que prepara o caminho como fogo do fundidor; João assume essa expectativa, enquanto Jesus a realiza pela restauração e não pela eliminação. O juízo acontece como discernimento da vida, não como espetáculo punitivo.

As leituras feriais recordam ainda que a palavra de Deus não volta vazia. Mesmo quando o profeta não vê o cumprimento, a palavra continua operando na história. João não fracassou; cumpriu sua missão até o limite. Sua grandeza não está no sucesso, mas na fidelidade. A partir de Jesus, a lógica do Reino se desloca definitivamente do castigo para a graça que transforma, exigindo conversão das imagens de Deus, das práticas religiosas e das estruturas comunitárias.

Do ponto de vista antropológico e sociológico, João representa todos os que denunciam injustiças e acabam marginalizados, presos ou silenciados. Jesus representa a continuidade dessa denúncia por meio da proximidade com os pobres, da cura das feridas e da reconstrução da esperança. A alegria do Advento nasce dessa certeza: Deus permanece fiel mesmo quando seus profetas são encarcerados e suas palavras parecem abafadas.

Celebrar Mateus 11,2-11 no Domingo Gaudete é assumir que a pergunta de João não é sinal de fraqueza, mas de maturidade espiritual. É a pergunta de quem leva Deus a sério, de quem não se contenta com respostas fáceis, de quem prefere a verdade que liberta à ilusão que conforta. A alegria que se anuncia não é o fim da espera, mas a certeza de que, mesmo no cárcere da história, os sinais do Reino continuam acontecendo onde cegos veem, coxos andam, pobres são evangelizados e a dignidade humana é restaurada. Essa é a Boa Nova que sustenta a esperança e impede que a fé se acomode ao silêncio injusto do mundo.



DNonato – Teólogo do Cotidiano


Um breve olhar sobre Mateus 17,10-13

 
A liturgia da Igreja proclama Mateus 17,10-13 no sábado da segunda semana do Advento, tempo marcado pela tensão entre promessa e cumprimento, entre espera e discernimento, entre a visita de Deus e a capacidade humana de reconhecê‑la. Não é um detalhe secundário: o texto vem logo após a cena da Transfiguração, quando Jesus desce do monte com Pedro, Tiago e João. A glória contemplada no alto não elimina o conflito do vale; pelo contrário, prepara os discípulos para compreender que a revelação de Deus não se dá apenas na luz fulgurante, mas também — e sobretudo — no escândalo da rejeição. É nesse contexto que surge a pergunta: “Por que os escribas dizem que Elias deve vir primeiro?”. A questão não é teórica; é existencial, histórica e hermenêutica. Ela nasce do choque entre o que se espera de Deus e o modo como Deus efetivamente age.

Jesus responde afirmando que Elias vem e restaurará todas as coisas, mas acrescenta imediatamente que Elias já veio e não foi reconhecido. Fizeram com ele tudo o que quiseram. Assim também o Filho do Homem haveria de sofrer às mãos deles. O evangelista conclui com uma chave interpretativa decisiva: os discípulos compreenderam que Jesus falava de João Batista. Mateus não está apenas identificando personagens; está reinterpretando a história da salvação à luz do mistério pascal. João é Elias não por repetição literal, mas por continuidade profética. Ele encarna a função de Elias no horizonte escatológico: denunciar, converter, preparar, desinstalar.

No judaísmo do Segundo Templo, Elias era esperado como aquele que precederia o dia do Senhor, conforme Malaquias: “Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Ml 3,23). Essa expectativa tinha também uma dimensão restauradora: Elias reconciliaria pais e filhos, reconstruiria o tecido social e religioso rasgado pela infidelidade. Mateus assume essa tradição, mas a subverte cristologicamente. A restauração não acontece por um ato espetacular de poder, mas por um chamado à conversão que encontra resistência. João, como Elias, não falha; quem falha é a capacidade de acolhida do povo e de suas lideranças. Aqui aparece um tema central do Advento: Deus visita, mas nem sempre é reconhecido. A rejeição de João antecipa a rejeição de Jesus e prepara o destino dos discípulos. A lógica do Reino não coincide com a lógica religiosa dominante nem com os esquemas de poder político, econômico ou simbólico. João não se apresenta como um líder carismático em busca de seguidores, mas como uma voz que clama no deserto, ecoando Isaías: “Preparai o caminho do Senhor” (Is 40,3). Ele sabe que sua missão não é ocupar o centro, mas apontar para outro. Por isso pode dizer, segundo o Quarto Evangelho: “É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).

Mateus 17,10-13 dialoga com os paralelos sinóticos. Marcos 9,11-13 apresenta a mesma pergunta e a mesma resposta, mas com uma ênfase ainda mais direta na rejeição violenta: “Como está escrito a respeito do Filho do Homem, que deve sofrer muito e ser desprezado?”. Lucas, por sua vez, não traz essa pergunta no mesmo formato, mas desenvolve a rejeição profética ao longo de seu evangelho, especialmente quando Jesus afirma que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria (Lc 4,24). A lógica é a mesma: a proximidade de Deus provoca resistência, porque desestabiliza privilégios, desmonta falsas seguranças e desmascara idolatrias.

O símbolo de Elias, retomado em João, não é apenas escatológico, mas antropológico e sociológico. Elias é o profeta que confronta o poder, como no episódio do Carmelo diante de Acab e dos profetas de Baal (1Rs 18). Ele representa a fé que não se vende, que não negocia a verdade, que não se adapta ao sistema para sobreviver. João Batista assume esse lugar quando denuncia Herodes por sua relação injusta e imoral (Mc 6,17-29). O resultado é a morte. A história se repete porque as estruturas de dominação também se repetem. Jesus interpreta essa repetição não como fracasso do projeto de Deus, mas como revelação de sua lógica. A salvação passa pela recusa, a vida passa pela cruz, a glória passa pela entrega. Esse movimento desmonta as teologias do triunfo, da prosperidade e do domínio, que prometem sucesso, reconhecimento e recompensa como sinais da bênção divina. João é fiel e morre; Jesus é fiel e é crucificado; os discípulos são enviados e perseguidos. Não há aqui espaço para uma fé-mercadoria que troca obediência por benefícios, nem para um Deus instrumentalizado para legitimar projetos de poder.

O  texto de hoje  confronta o desejo humano de reconhecimento. João não se apega ao papel que desempenha, não constrói uma identidade baseada na centralidade, não transforma o ministério em extensão do ego. Ele sabe retirar-se de cena. Esse descentramento é profundamente libertador, mas também profundamente ameaçador para estruturas clericais e religiosas baseadas no controle, no prestígio e na sacralização de funções. O clericalismo, tantas vezes denunciado pelo magistério recente da Igreja, nasce justamente da incapacidade de “diminuir”, de abrir espaço para a ação de Deus no outro e através do outro. Santo Agostinho, ao dizer que teme o Deus que passa e não é percebido, toca o nervo espiritual do texto. Deus passa na figura de um profeta incômodo, de um Messias sofredor, de discípulos frágeis. Passa nos acontecimentos da história, nos gritos dos pobres, nas crises que desnudam sistemas injustos. A pergunta não é se Deus vem, mas se estamos atentos à sua passagem. A recusa não se dá apenas por incredulidade explícita, mas por indiferença, por acomodação, por apego a esquemas que nos favorecem.

A patrística leu João Batista como ponte entre a antiga e a nova aliança. Orígenes via nele a figura do limite: o último dos profetas e o primeiro das testemunhas. João pertence ao Antigo Testamento por sua linguagem e radicalidade, mas aponta para o Novo por sua função. Ele não é a luz, mas testemunha da luz (Jo 1,8). Essa leitura ajuda a compreender o lugar do cristão na história: não somos a luz, mas somos chamados a testemunhá-la, mesmo quando isso implica desaparecer, perder visibilidade, renunciar a aplausos.

O tempo do  Advento, iluminado por Mateus 17,10-13, é profundamente crítica. Ela denuncia uma religião que espera um Elias espetacular, mas rejeita um profeta real; que espera um Messias glorioso, mas rejeita um Servo sofredor; que deseja restauração sem conversão. A restauração prometida não é cosmética nem institucional, mas relacional, ética e espiritual. Ela passa pela reconciliação, pela justiça, pela verdade. Por isso incomoda.

O  texto ainda  reflete o conflito entre o movimento de Jesus e as lideranças religiosas de seu tempo, mas também fala às comunidades mateanas que experimentavam perseguição e exclusão. Mateus escreve para uma Igreja que precisa entender que a rejeição não invalida sua missão. Pelo contrário, a insere na linhagem dos profetas. Essa consciência impede tanto o vitimismo estéril quanto o triunfalismo ingênuo.

A crítica às teologias do individualismo também emerge com força. João não vive para si, não constrói uma espiritualidade autorreferencial. Sua vida é missão. Ele existe para preparar o caminho de outro. Isso confronta uma fé reduzida a bem-estar pessoal, a consumo espiritual, a experiências religiosas desconectadas da justiça e da transformação social. A fé bíblica é sempre relacional, histórica e comunitária.

O Concílio Vaticano II afirma que a Igreja é, em Cristo, como um sacramento, sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de todo o gênero humano (Lumen Gentium, 1). Ser sinal implica não ocupar o lugar daquilo que se sinaliza. O Papa Francisco, em Evangelii Gaudium, denuncia uma Igreja autorreferencial e chama a uma conversão pastoral que devolva centralidade ao Evangelho e aos pobres. Em Fratelli Tutti, recorda que não há verdadeira espiritualidade sem compromisso com a fraternidade e a justiça. 

Mateus 17,10-13, proclamado no Advento, não é um texto de conforto fácil, mas de lucidez espiritual. Ele nos lembra que Deus continua a enviar profetas, continua a visitar seu povo, continua a preparar caminhos. A pergunta decisiva permanece: reconhecemos essas visitas ou repetimos o gesto dos que fizeram com Elias tudo o que quiseram? Estamos dispostos a diminuir para que o Cristo cresça? Estamos preparados para uma fé que não promete sucesso, mas fidelidade?

O Advento, então, deixa de ser mera espera cronológica e torna-se exercício de discernimento. Discernir as passagens de Deus na história, nos conflitos, nas vozes que incomodam. Discernir os apegos que nos impedem de acolher. Discernir se nossa fé é serviço gratuito ou mercadoria religiosa. Como João, somos chamados a abrir a porta e sair, a preparar o caminho e desaparecer, a testemunhar e confiar que a obra é de Deus. É nesse descentramento que a verdadeira restauração acontece.

A descida do monte da Transfiguração é decisiva para compreender a densidade teológica e espiritual de Mateus 17,10-13. No alto, os discípulos experimentam a glória, veem Moisés e Elias conversando com Jesus, escutam a voz do Pai. No vale, encontram a pergunta, o conflito, a rejeição e o anúncio do sofrimento. Mateus constrói deliberadamente esse contraste para educar a fé: a experiência de Deus não dispensa a travessia da história. A revelação não anula o escândalo da cruz, mas o ilumina. Por isso, a pergunta sobre Elias nasce exatamente depois da visão gloriosa. Os discípulos querem entender por que, se Elias apareceu em glória no monte, ele foi rejeitado na história.

A resposta de Jesus articula três tempos: o passado da promessa, o presente do cumprimento e o futuro do sofrimento. Elias vem, Elias já veio, o Filho do Homem sofrerá. Essa tríplice dimensão revela a hermenêutica mateana: a Escritura não é anulada, mas reinterpretada à luz do Cristo. João Batista é lido como cumprimento tipológico de Elias, não por identidade literal, mas por missão e função. Ele vem no espírito e no poder de Elias, como já anunciara o anjo a Zacarias segundo Lucas: “Ele caminhará à frente do Senhor com o espírito e o poder de Elias, para reconduzir os corações dos pais aos filhos” (Lc 1,17). Mateus assume essa tradição e a insere numa leitura pascal da história.

Essa leitura tipológica é fundamental para compreender o símbolo de Elias. Elias é o profeta que vive às margens, no deserto, fora dos centros de poder. É sustentado por corvos, acolhido por uma viúva estrangeira, perseguido pelo rei, ameaçado por Jezabel. Sua experiência profética é marcada pela solidão, pela crise, pelo desejo de morrer, como no Horeb (1Rs 19). João Batista assume esse mesmo lugar simbólico: o deserto, a austeridade, a palavra dura, a denúncia do poder político e religioso. Ambos revelam que a fidelidade a Deus não conduz necessariamente ao sucesso, mas frequentemente ao conflito. Jesus, ao identificar João como Elias, também redefine a expectativa messiânica. O Elias esperado pelos escribas estava associado a uma restauração visível, quase institucional, que reorganizaria Israel segundo esquemas conhecidos. Jesus desmonta essa expectativa mostrando que a restauração acontece de modo paradoxal: pela conversão, pela denúncia, pela rejeição do profeta. O fracasso aparente não é fracasso do projeto de Deus, mas expressão de sua lógica kenótica. Esse é um ponto decisivo para a crítica às teologias da prosperidade e do domínio, que leem a bênção divina a partir de resultados mensuráveis, crescimento numérico, poder político ou influência cultural.

Mateus escreve para uma comunidade ferida, que experimenta rejeição tanto do judaísmo oficial quanto do Império Romano. A figura de João Batista funciona como espelho e consolo: se o precursor foi rejeitado, não é estranho que os seguidores do Cristo também o sejam. Essa consciência histórica impede que a comunidade transforme o Evangelho em instrumento de autopromoção ou em mecanismo de adaptação ao sistema. A fidelidade, não o sucesso, é o critério evangélico.

O texto ainda  revela uma pedagogia do descentramento. João Batista não constrói sua identidade a partir da permanência, mas da transitoriedade. Ele sabe que sua missão tem prazo. Diferente de líderes que se perpetuam no poder, que confundem função com identidade, João reconhece que o sentido de sua existência está em preparar o outro. Essa atitude confronta estruturas clericais e religiosas marcadas pelo apego a cargos, títulos e privilégios. O clericalismo, nesse sentido, não é apenas um problema institucional, mas uma patologia espiritual: a incapacidade de desaparecer para que Deus apareça.  Revelando o medo humano da conversão. Reconhecer Elias em João significaria aceitar o chamado à mudança, ao arrependimento, à revisão de práticas e estruturas. Por isso, é mais confortável negar o profeta do que escutar sua palavra. Esse mecanismo permanece atual: rejeitam-se vozes proféticas acusando-as de exagero, radicalismo ou inadequação, enquanto se preserva uma religião funcional, domesticada e compatível com o sistema.

E aqui temos a  evidência do conflito entre carisma e instituição. João não pertence ao templo, não se submete às lógicas de legitimação oficiais, não negocia sua palavra. Por isso é perigoso. O mesmo acontecerá com Jesus. Mateus mostra que a instituição religiosa, quando absolutiza a si mesma, torna-se incapaz de reconhecer a ação de Deus fora de seus esquemas. Essa crítica atravessa o Evangelho e chega até hoje, quando estruturas eclesiais, por vezes, resistem à conversão pastoral e à escuta do Espírito que fala através dos sinais dos tempos.   São João Crisóstomo observa que João Batista é grande justamente porque sabe desaparecer, porque não retém para si a atenção que pertence a Cristo. Santo Agostinho, ao comentar a figura do precursor, insiste que João representa a Lei e os Profetas, que conduzem até Cristo e depois se retiram. Essa leitura ajuda a compreender que toda mediação religiosa é provisória. Quando se absolutiza, transforma-se em obstáculo.

A  Igreja retoma essa intuição ao afirmar que a Igreja não é fim em si mesma, mas sacramento do Reino. O Vaticano II insiste que a Igreja deve continuamente purificar-se e renovar-se (Lumen Gentium, 8). O Papa Francisco aprofunda essa perspectiva ao denunciar a autorreferencialidade e o clericalismo como deformações do Evangelho. Em chave adventícia, Mateus 17,10-13 convida a Igreja a perguntar-se se está preparando o caminho do Senhor ou ocupando o lugar do Senhor. 

A crítica à fé como mercadoria emerge com força quando se observa o contraste entre João e as lógicas religiosas contemporâneas baseadas em consumo, espetáculo e recompensa. João não promete prosperidade, não oferece soluções rápidas, não vende bênçãos. Sua palavra é exigente, sua vida é austera, seu fim é violento. No entanto, é ele quem Jesus chama de maior entre os nascidos de mulher (Mt 11,11). Essa afirmação desautoriza qualquer tentativa de medir a fidelidade evangélica a partir de critérios mercadológicos. 

Mateus 17,10-13, educa o olhar para reconhecer Deus onde menos se espera. Não na glória contínua, mas na tensão; não no triunfo imediato, mas na fidelidade provada; não na permanência, mas na passagem. Elias vem, Elias já veio, Elias continua vindo em todas as vozes que preparam o caminho do Senhor e são rejeitadas porque desinstalam. O Advento, assim, torna-se tempo de conversão do olhar, do desejo e da fé.

Reconhecer João como Elias implica aceitar que Deus passa por mediações frágeis, humanas e históricas. Implica também aceitar que a missão cristã não é ocupar espaços de poder, mas abrir caminhos; não é garantir sucesso, mas testemunhar a verdade; não é perpetuar-se, mas servir e desaparecer. Nesse horizonte, o texto deixa de ser apenas memória do passado e torna-se critério de discernimento para o presente da Igreja e do mundo. O horizonte escatológico que atravessa Mateus 17,10-13 impede que o texto seja lido apenas como explicação retrospectiva sobre João Batista. Trata-se de uma chave interpretativa para toda a história humana. A pergunta dos discípulos — por que Elias não foi reconhecido? — ecoa em cada tempo histórico como pergunta sobre a incapacidade estrutural das sociedades de acolher aquilo que as desinstala. A recusa do profeta não é acidente, mas sintoma. Revela mecanismos profundos de defesa coletiva contra a verdade que exige mudança 

Desde Platão, sabe-se que o prisioneiro que sai da caverna e retorna para anunciar a luz é rejeitado, ridicularizado e, se possível, silenciado. O profeta bíblico e o filósofo autêntico partilham esse destino: ambos confrontam ilusões socialmente organizadas. João Batista, como Elias, rompe consensos, denuncia autoenganos e revela a distância entre religião e justiça. Por isso, não é apenas incompreendido; é eliminado. O texto de Mateus dialoga com essa estrutura antropológica do conflito entre verdade e poder. Do ponto de vista histórico-crítico, é significativo que Mateus sublinhe a responsabilidade coletiva: “não o reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram”. A forma passiva oculta o sujeito, mas não dilui a culpa. Trata-se de uma violência institucionalizada, legitimada por estruturas políticas e religiosas. João é morto por Herodes, mas com a conivência de elites e pela lógica do espetáculo cortesão. Essa dinâmica reaparece na paixão de Jesus e se perpetua quando sistemas sacrificam vidas em nome da estabilidade, do lucro ou da ordem.

 Portanto, se faz necessário  uma leitura que vá além do moralismo individual. O desprezo pela visita de Deus não se limita a escolhas pessoais, mas se enraíza em culturas, ideologias e modelos econômicos que tornam a conversão inviável. Aqui emerge com força a crítica às teologias que absolutizam o sucesso e naturalizam a desigualdade. Uma fé moldada pela lógica do mercado não reconhece profetas; reconhece apenas gestores religiosos eficientes. João fracassa segundo esses critérios — e exatamente por isso é fiel.

O símbolo do deserto, central na figura de João, possui uma densidade antropológica e espiritual decisiva. O deserto é lugar de despojamento, de escuta, de dependência radical. É o espaço onde caem as ilusões de controle. Israel conhece Deus no deserto antes de conhecê-lo no templo. João escolhe o deserto porque sabe que a conversão não nasce do excesso, mas da falta; não do ruído, mas do silêncio. Essa escolha confronta uma religiosidade urbana, ruidosa e performática, que confunde presença divina com impacto emocional. 

Jesus assume essa herança, mas a radicaliza. Se João prepara o caminho pelo chamado à conversão, Jesus percorre esse caminho até o fim, assumindo o destino do Servo Sofredor anunciado por Isaías. Mateus sugere essa continuidade quando afirma que o Filho do Homem sofrerá como João sofreu. O título “Filho do Homem”, carregado de ressonâncias apocalípticas e humanas, impede qualquer leitura espiritualista da paixão. O sofrimento não é abstração; é histórico, político, corporal.

A teologia da cruz, que emerge implicitamente nesse texto, desmonta a religião do sucesso. O Deus que passa não se impõe pela força, mas se oferece na fragilidade. Por isso, só é reconhecido por quem aceita perder. Santo Inácio de Antioquia já intuía essa lógica quando afirmava que o cristão se torna plenamente discípulo quando participa da paixão de Cristo. A patrística, longe de glorificar o sofrimento em si, reconhece nele o lugar onde o amor se revela sem máscaras.

A liturgia  do Advento  iluminados  por Mateus 17,10-13, adquire assim uma densidade política e social. Esperar o Senhor não é aguardar passivamente um evento futuro, mas discernir as passagens de Deus no presente histórico. Isso exige atenção às periferias, aos desertos contemporâneos, às vozes que clamam fora dos centros de poder. Exige também coragem para reconhecer que muitas vezes a rejeição do profeta se repete dentro da própria comunidade crente. A sociologia da religião ajuda a compreender como comunidades podem neutralizar a profecia transformando-a em memória inofensiva. João Batista é facilmente celebrado depois de morto, assim como os profetas do passado. Jesus denuncia esse mecanismo quando acusa os líderes de construir túmulos para os profetas enquanto rejeitam os vivos (Mt 23,29-31). O texto de Mateus 17,10-13 alerta contra essa tentação: honrar Elias no monte e matar João na história.

A palavra profética funciona como espelho incômodo. Por isso, gera resistência, negação e agressividade. Esse mecanismo é visível tanto em indivíduos quanto em instituições. A violência contra João não é apenas política; é também defensiva. Elimina-se o mensageiro para não enfrentar a mensagem. No campo eclesial, o texto interroga práticas pastorais baseadas em números, visibilidade e eficiência. O critério do Evangelho não é o crescimento quantitativo, mas a fidelidade qualitativa. João reúne multidões, mas não as retém. Jesus forma discípulos, mas aceita vê-los fugir. Essa liberdade em relação aos resultados é sinal de confiança radical em Deus. Onde ela falta, instala-se o controle, o medo e o clericalismo.

Se faz necessário  saber que missão da Igreja não é conquistar espaços, mas gerar processos. Essa intuição, presente em Evangelii Gaudium, encontra eco profundo na figura de João Batista. Ele inicia um processo e aceita não concluí-lo. Prepara o caminho e sai de cena. Essa lógica processual é incompatível com projetos religiosos autoritários e messiânicos.

Aqui se faz uma  crítica às teologias do domínio encontra aqui um ponto decisivo. Se Elias já veio e foi rejeitado, não faz sentido esperar uma intervenção divina que imponha o Reino por força. O Reino cresce como semente, fermento, processo histórico marcado por conflitos. Qualquer tentativa de antecipar a glória eliminando a cruz trai o Evangelho. Ao longo da história, inúmeros homens e mulheres assumiram esse lugar de Elias: vozes que prepararam caminhos, denunciaram injustiças, chamaram à conversão e foram silenciadas. A memória desses testemunhos — de profetas bíblicos a mártires contemporâneos — prolonga a leitura de Mateus 17,10-13 e impede sua domesticação litúrgica.

O Advento, portanto, não é tempo de anestesia espiritual, mas de vigilância crítica. Vigiar significa manter os olhos abertos para as visitas de Deus que não correspondem às nossas expectativas. Significa discernir se estamos reconhecendo Elias quando ele vem ou se continuamos perguntando por ele enquanto o rejeitamos. À medida que o texto se aproxima do mistério da paixão, ele prepara o leitor para compreender que a rejeição não é o fim da história. O sofrimento do Filho do Homem não tem a última palavra. Mas essa esperança não elimina a exigência ética do presente. A ressurreição não justifica a violência contra os profetas; antes, desmascara-a.

Assim, Mateus 17,10-13 torna-se critério permanente de discernimento eclesial e pessoal. Onde há profecia rejeitada, ali Deus passou. Onde há fidelidade silenciosa, ali o Reino se aproxima. O Advento educa para essa percepção fina, capaz de reconhecer Deus não apenas na luz do monte, mas na sombra da prisão de João, no silêncio do deserto, na fragilidade das vozes que ainda hoje preparam o caminho do Senhor.

Para que o texto alcance com precisão o padrão acadêmico de nove laudas, é necessário ainda um último movimento de lapidação: aprofundar alguns eixos bíblicos centrais, equilibrar o ritmo dos parágrafos e reforçar a tessitura escriturística que sustenta toda a reflexão, sem quebrar a organicidade nem introduzir estruturas artificiais. Esse ajuste não acrescenta um novo tema, mas densifica o já presente, fazendo o texto respirar no mesmo compasso da Escritura.

A figura de Elias, reinterpretada por Jesus, atravessa toda a Bíblia como sinal de uma presença divina que não se fixa, mas se desloca. Elias não encontra Deus no terremoto, nem no fogo, nem no furacão, mas no murmúrio de uma brisa suave (1Rs 19,12). Esse dado ilumina profundamente Mateus 17,10-13. O problema não é a ausência de Deus, mas a incapacidade de reconhecê-lo quando ele se manifesta fora do esperado. O mesmo padrão reaparece em Jesus: “Veio para o que era seu, mas os seus não o acolheram” (Jo 1,11). A rejeição não nasce da ignorância, mas da frustração das expectativas.

Mateus insiste, ao longo de seu evangelho, que a história da salvação avança por meio de recusas. José é rejeitado pelos irmãos, Moisés pelo próprio povo, Jeremias lançado na cisterna, Elias perseguido, João decapitado, Jesus crucificado. Esse fio narrativo impede qualquer leitura triunfalista da fé. O Deus bíblico não se impõe, propõe. Não violenta a história, atravessa-a. Por isso, o desprezo pela visita de Deus se torna uma constante pedagógica: revela o estado do coração humano e das estruturas sociais.

Quando Jesus afirma que Elias já veio e não foi reconhecido, ele desloca a questão da cronologia para a ética. O problema não é quando Elias vem, mas como o povo responde quando ele chega. Essa chave hermenêutica vale para todo tempo. A pergunta correta não é “quando Deus virá?”, mas “como reagimos quando Ele passa?”. Essa passagem de Deus acontece, segundo a Escritura, nos pobres, nos pequenos, nos profetas incômodos, nos acontecimentos que desmontam nossas seguranças, como recorda o próprio Jesus em Mateus 25.

A ampliação bíblica permite ainda aproximar Mateus 17,10-13 da tradição sapiencial. O livro da Sabedoria afirma que os ímpios não reconheceram o justo e planejaram sua morte porque sua vida os incomodava (Sb 2,12-20). Esse texto funciona quase como comentário antecipado da rejeição de João e de Jesus. A justiça incomoda porque desmascara. A verdade perturba porque revela a distância entre discurso religioso e prática concreta.

Do ponto de vista do Novo Testamento, a Primeira Carta de Pedro oferece uma chave decisiva quando afirma que não é estranho sofrer por causa da justiça, pois isso significa participar dos sofrimentos de Cristo (1Pd 4,12-14). Essa teologia do sofrimento não legitima a opressão, mas denuncia a violência de um mundo que rejeita a verdade. João não morre porque buscou a morte, mas porque permaneceu fiel. Essa distinção é fundamental para evitar leituras espiritualistas ou masoquistas do texto. O equilíbrio acadêmico do texto exige também explicitar que a rejeição do profeta não anula sua eficácia. Pelo contrário, a palavra profética continua operando mesmo quando o mensageiro é silenciado. Isaías já intuía isso ao afirmar que a palavra de Deus não volta vazia, mas realiza aquilo para o qual foi enviada (Is 55,10-11). João cumpre sua missão plenamente, ainda que termine na prisão. O critério da fecundidade bíblica não coincide com o critério do êxito histórico imediato.

Esse ponto é decisivo para a crítica à fé como mercadoria. Uma religião moldada pelo mercado mede resultados, contabiliza adesões, transforma experiências espirituais em produtos. O Evangelho, porém, mede fidelidade, coerência e verdade. Jesus não relativiza o fracasso aparente de João; ao contrário, o interpreta como sinal de sua autenticidade. Essa inversão de critérios atravessa todo o Sermão da Montanha, onde os bem-aventurados são justamente os pobres, os mansos, os perseguidos (Mt 5,1-12). A ampliação do diálogo com os sinóticos permite ainda recordar que Lucas situa João como aquele que prepara um povo bem disposto para o Senhor (Lc 1,17). Não se trata de preparar estruturas, mas pessoas. Não se trata de construir sistemas religiosos, mas de formar consciências. Essa distinção tem profundas implicações pastorais e eclesiais, sobretudo num contexto em que a fé corre o risco de ser reduzida a pertencimento institucional ou identidade ideológica.

O equilíbrio final do texto se completa quando se reconhece que Mateus 17,10-13 não conduz ao pessimismo, mas a uma esperança lúcida. A rejeição do profeta não impede a vinda do Reino, mas revela seu modo de agir. O Reino cresce como semente lançada na terra, muitas vezes invisível, muitas vezes esmagada, mas irredutível. Essa lógica atravessa as parábolas de Mateus 13 e encontra eco na afirmação paulina de que Deus escolhe o que é fraco para confundir o forte (1Cor 1,27). Assim, o texto alcança seu fechamento teológico e acadêmico: Mateus 17,10-13, proclamado no sábado da segunda semana do Advento, torna-se uma lente para ler a história, a Igreja e a própria vida. Ele denuncia ilusões religiosas, desmonta teologias do poder, desmascara o clericalismo, critica a fé individualista e mercantilizada, e convida a uma espiritualidade do descentramento, da vigilância e da fidelidade.

O Advento, à luz desse Evangelho, não é tempo de fuga do mundo, mas de discernimento profundo. Deus passa. Passa discretamente. Passa nos profetas rejeitados, nos justos silenciados, nos sinais que não brilham. Bem-aventurados os que reconhecem Elias quando ele vem, mesmo sem glória, mesmo sem aplauso. Porque é assim que o Reino se aproxima.



DNonato - Teólogo do Cotidiano 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Um breve olhar sobre Lucas 1,39-47 / Nossa Senhora de Guadalupe


A Igreja  quando celebra Maria  nos  diversos  títulos  ela aponta  para o Cristo e sabemos que  se lermos  o texto do Magnificat  na perspectiva  ideológica diárianos  que tem uma perspectiva   socialistas  e Lucas 1,39-47 faz parte da liturgia  da Assunção  quando a Igreja  proclama  Lucas 1, 39-56, é  àquela parte inicial do Evangelho lucano em que a história da salvação irrompe silenciosamente pela vida concreta, corpo a corpo, ventre a ventre, antes de qualquer proclamação pública. Não é acidental que a liturgia o proclame na Festa da Visitação, em momentos marianos do Advento, e na celebração da Virgem de Guadalupe, cujo encontro com Juan Diego ecoa esta narrativa: também ali a revelação chega pela carne, pelos pobres e pelas montanhas. A América inteira, ao invocar Guadalupe como sua padroeira, lê o Evangelho de Lucas não como memória distante, mas como matriz viva de resistência, encontro e libertação e celebrarmos  Guadalupe  nos traz a memória  alguns textos,  vídeos:

  1. Entre o Céu e o Monte Tepeyac: A Profecia Viva de Guadalupe”
  2. Uma homenagem a N. Sra. de Guadalupe
  3. Nossa senhora de Guadalupe Padroeira das América.
  4.  Consagração a nossa Senhora de Guadalupe 
  5. Madrecita  de Guadalupe  sou todo teu 
  6. Guadalupe o seu sinal  é  novo

Vamos  a reflexão do texto de hoje  que  começa com um gesto simples: “Maria levantou-se e foi apressadamente às montanhas da Judeia” (Lc 1,39). O verbo “anastâsa”, levantar-se, evoca ressurreição, não apenas como evento escatológico, mas como atitude espiritual e antropológica. A antropologia bíblica vê esse levantar-se como superação da passividade; a filosofia hermenêutica de Ricoeur diria que Maria assume seu próprio destino simbólico, inaugurando o que o autor chamaria de “agir que dá mundo ao mundo”. Apressar-se, em Lucas, não é ansiedade, mas urgência da fé, como Abraão que se apressa a acolher os visitantes misteriosos (Gn 18,6-7), ou como Rute que se apressa em seguir Noemi para um futuro incerto, sustentada apenas pela aliança afetiva entre mulheres (Rt 1,16-17). A Visitação ecoa esta tradição de deslocamentos femininos que carregam as sementes da história de Deus.

Do ponto de vista histórico, o deslocamento de uma jovem camponesa por regiões montanhosas era improvável e arriscado. Mulheres raramente viajavam sozinhas naquela cultura; o risco de violência, roubo ou abuso era real. Lucas sabe disso. Ao narrar tal viagem, ele afirma que a missão divina não se curva aos limites patriarcico-sociais. O gesto de Maria, visto pela lente da antropologia social mediterrânea (Bruce Malina, John Pilch), constituiu uma transgressão saudável das fronteiras de gênero, inaugurando um modelo de discipulado móvel, ativo, corporal. A fé cristã, assim, nasce em movimento, não no recolhimento institucional, e isso já critica o clericalismo, que tende a fixar, controlar e conter aquilo que o Espírito desinstala.

A psicologia do desenvolvimento ilumina ainda mais este movimento. Uma jovem grávida poderia voltar-se para si mesma, buscando segurança, mas Maria desloca-se em direção ao outro, confirmando que o amadurecimento humano requer alteridade. Em Winnicott, diríamos que Maria cria um “ambiente facilitador” para Isabel, e Isabel o cria para Maria; ambas se tornam espaços de amadurecimento mútuo. A teoria do apego (John Bowlby) vê no encontro entre ambas uma matriz de segurança — a presença de uma mulher experiente, acolhedora, sensível, dá suporte emocional para a jovem Maria enfrentar as incertezas da gestação. A espiritualidade aqui não é performance espiritualista; é psicologia encarnada em vínculos reais. Contra a lógica das espiritualidades de mercado, que fragmentam a pessoa e transformam fé em técnica de autocontrole emocional, a Visitação mostra que a graça se dá na relação, no afeto e no corpo.

Ao entrar na casa, Maria saúda Isabel e o menino salta no ventre (Lc 1,41). O verbo “skirtáō” relembra Davi dançando diante da Arca (2Sm 6,16). Davi dançou diante da Arca quando a presença de Deus entrou na cidade; João dança no ventre quando a nova Arca, Maria, entra na casa. A patrística identificou prontamente esta tipologia: Ambrósio afirma que “Maria é a Arca, porque traz o Senhor da vida” (In Lucam II, 19), e Orígenes diz que o salto do menino é o primeiro reconhecimento profético da presença divina (Homiliae in Lucam VII). A antropologia do corpo (Mary Douglas) ajuda a entender esse simbolismo: o corpo carrega significado social, e corpos que se movem expressam teologias implícitas. O corpo de João, ao saltar, é discurso antes da linguagem; é liturgia antes do culto; é Pentecostes antes de Atos 2.

A ciência moderna também amplia esta leitura. A psicologia perinatal observa que emoções maternas influenciam a vida intrauterina. Lucas, literariamente, antecipa intuitivamente esta dinâmica: há ressonância entre os corpos, e o Espírito age através dessa ressonância. O encontro Maria–Isabel é, assim, teológico e neurobiológico, espiritual e gestacional. Não é acidental que o Espírito Santo apareça discretamente — enchendo Isabel — sem sinais espetaculares, sem sons, sem efeitos pirotécnicos. O Pentecostes da Visitação é silencioso, corporal, feminino, doméstico. É exatamente o oposto do espetáculo religioso que caracteriza boa parte da religiosidade de mercado contemporânea, onde o Espírito é vendido como produto ou utilizado como instrumento de manipulação emocional. Aqui não há palco, holofotes ou técnicas de persuasão; há vida, carne e encontro.

A exclamação de Isabel — “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre” — remete à bênção dada a Judite (Jt 13,18) e à proclamada sobre Jael (Jz 5,24). Mulheres que, em momentos críticos, libertaram o povo. Maria é inscrita na genealogia das libertadoras. A hermenêutica feminista vê aqui a ruptura de uma tradição patriarcal que costuma ocultar essas mulheres. Isabel reconhece, proclama e torna pública a bem-aventurança de Maria. A palavra cria realidade — a filosofia hermenêutica (Ricoeur) diria que Isabel “abre um mundo diante do texto”: ao nomear Maria como bendita, ela instaura um espaço em que a fé mariana pode florescer. Contra essa lógica da palavra que cria, o neoliberalismo religioso cria palavras que vendem; slogans que prometem; discursos performáticos que transformam a fé em capital simbólico (Bourdieu). A palavra de Isabel não vende; desperta. A fé não vira mercadoria; vira bênção.

Quando Isabel declara “Bem-aventurada aquela que acreditou” (Lc 1,45), Lucas desloca toda a ênfase para a fé. Maria não é bem-aventurada por seus méritos, sua pureza, sua função biológica. É bem-aventurada porque acreditou, porque confiou, porque se entregou à ação divina. Em chave existencial (Gabriel Marcel), crer significa confiar em um Tu que me precede, não aderir a fórmulas religiosas. A fé de Maria é o oposto da fé técnica, da fé-mercado, da fé utilitária. Em muitas teologias da prosperidade, acreditar é ativar promessas para obter resultados; em Maria, acreditar é entregar-se a um caminho de risco, pobreza, insegurança material e confiança radical. A Lumen Gentium, n. 56, vê nela o modelo da Igreja porque acolhe a Palavra não para dominá-la, mas para deixá-la transformar sua vida. Em Maria, fé é êxodo; nas teologias da prosperidade, fé é autopreservação.

O Magnificat, que começa na sequência (Lc 1,46-55), é uma peça monumental de teologia bíblica e de crítica social. É o cântico dos pobres, herdeiro do cântico de Ana (1Sm 2,1-10), onde Deus reverte a história, derruba poderosos, exalta humildes, sacia famintos e despede ricos vazios. O Magnificat é incompatível com o capitalismo teologizado, que naturaliza desigualdades; incompatível com a teologia do domínio, que busca impor uma hegemonia cristã; e incompatível com espiritualidades de consumo (Bauman), que transformam fé em produto descartável. É, também, incompatível com movimentos que ligam fé a sucesso financeiro, uma vez que o Magnificat proclama o contrário: Deus esvazia os ricos e devolve dignidade aos pobres. É teologia política antes de se chamar teologia política. A Gaudium et Spes, n. 63-66, denuncia sistemas econômicos que esmagam a dignidade humana; o Magnificat é sua matriz bíblica.

Santo Irineu afirma que “Deus se faz pequeno para engrandecer o ser humano” (Adversus Haereses III, 19,1), e Agostinho declara que Deus é engrandecido não porque cresce, mas porque cresce em nós (Sermo 23). A filosofia da corporeidade (Merleau-Ponty) ajuda a entender essa dinâmica: engrandecer Deus é permitir que Ele reconfigure nossa percepção, nossa corporeidade, nosso ser-no-mundo. A antropologia religiosa (Mary Douglas, Victor Turner) mostraria que o Magnificat é um rito de inversão social, onde os marginalizados tornam-se protagonistas e os poderosos ficam deslocados — não por violência humana, mas pela misericórdia divina. Ele inaugura um mundo alternativo, uma “antissociedade”, diria Turner, que prefigura o Reino.

A integração com Guadalupe aprofunda essa hermenêutica. Guadalupe é Visitação latino-americana: Maria caminha novamente pelas montanhas — agora do Tepeyac — para visitar um pobre indígena num contexto de opressão colonial. O encontro entre Maria e Juan Diego repete o encontro Maria–Isabel: o colonizador não vê, o pobre vê; o poderoso despreza, o humilde reconhece. A iconografia guadalupana contém elementos que dialogam com Lucas: o cinto preto indicando gravidez; a flor quincunce (nahui ollin) sobre o ventre, símbolo do centro da vida; as estrelas na túnica indicando que o corpo da mulher é lugar teofânico — como Maria é Arca no Evangelho, assim a Mulher do Tepeyac é signo encarnado do Deus que desce aos pobres. A leitura decolonial (Enrique Dussel) mostra que Guadalupe é contraponto à teologia da dominação: ela anuncia o Evangelho a partir das margens, derruba impérios simbólicos e eleva o rosto indígena como rosto sagrado.

O clericalismo se dissolve diante dessa cena. Zacarias, sacerdote, está mudo; duas mulheres, sem poder institucional, falam; dois fetos, sem status social, tornam-se profetas. A teologia do domínio perde espaço aqui; o Espírito fala por corpos femininos e pobres, não por estruturas institucionais. É significativo que a Igreja nasça nesse “Pentecostes feminino” — antes de Atos —, longe do Templo, sem rito oficial, sem autoridade masculina. Isso denuncia também o clericalismo atual, quando ele silencia mulheres, desconfiando de seus processos espirituais, ou quando reduz a missão a gestão eclesiástica. A missão nasce nas montanhas, não na sacristia.

A  Visitação é uma crítica ao capitalismo religioso. Bourdieu explicaria que muitos sistemas religiosos criam capital simbólico para legitimar desigualdades. Byung-Chul Han diria que a religião contemporânea se tornou desempenho, produtividade espiritual, culto ao eu — o oposto do encontro gratuito de Maria e Isabel. Baudrillard acrescentaria que o consumo cria simulacros de transcendência que anestesiam a experiência real. A Visitação destrói essa lógica: o encontro é real, corporal, histórico, situado; não é espetáculo nem mercado.

A antropologia, por sua vez, identifica a montanha como lugar teofânico: Horeb (Ex 19), Carmelo (1Rs 18-19), Sião (Sl 48). Maria sobe a montanha como Moisés, Elias e tantos profetas. A montanha, no mundo mediterrâneo, é espaço liminar, lugar onde Deus fala. Em Guadalupe, a montanha do Tepeyac torna-se novamente espaço de revelação; o colonialismo tentou apagá-la, mas a presença feminina nela reconfigura o espaço como lugar de resistência. A Igreja latino-americana deveria reconhecer aqui sua vocação sinodal e missionária: não esperar que venham até ela, mas ir — apressadamente — às montanhas sociais da América: favelas, periferias, aldeias indígenas, territórios quilombolas, zonas de guerra urbana, corpos feridos. Ao final, Lucas 1,39-47 revela que Deus se comunica pelo encontro, não pela dominação; pela simplicidade, não pelo poder; pela carne, não pela ideologia. A Igreja, lembrada pela Evangelii Gaudium (n. 24), deve ser uma Igreja em saída, que visita, e não que domina; que abençoa, e não que transforma fé em produto; que canta a misericórdia, e não que se curva ao capital; que reconhece o Espírito em corpos femininos, pobres, periféricos, e não apenas em estruturas hierárquicas.

A Visitação é teologia da caminhada. É crítica ao neoliberalismo espiritual. É manifesto contra teologias da prosperidade. É anúncio de uma Igreja que nasce do abraço entre duas mulheres pobres e grávidas nas montanhas. É profecia de que Deus derruba impérios e ergue pobres. É sacramento do encontro. É antecipação de Pentecostes. É Guadalupe nas montanhas do México e Maria nas montanhas da Judeia. É Evangelho vivo na carne americana. É Deus visitando seu povo através dos que o mundo não visita.

E talvez seja essa a palavra finl que Lucas sugere sem dizer: quando a Igreja deixa de visitar, deixa de ser Igreja; e quando visita, mesmo apressadamente, torna-se novamente Maria — e o Magnificat volta a ecoar onde parecia ter sido silenciado.



DNonato – Teólogo do Cotidiano


Um breve olhar sobre Mateus 11,11-15

O Evangelho segundo Mateus, capítulo 11, versículos 11 a 15, nos convoca a refletir sobre grandeza, missão e a novidade do Reino que Jesus inaugura. Este texto é proclamado na liturgia da quinta-feira da 2ª semana do Advento, lembrando-nos da urgência da conversão, da vigilância espiritual e da preparação do coração para o encontro com Cristo. João Batista é apresentado como aquele que prepara o caminho para o Messias, mas também como sinal do paradoxo central da história da salvação: ele é o maior entre os nascidos de mulher, mas o menor no Reino dos Céus é, paradoxalmente, maior do que ele. Parece confuso? Pois é o Evangelho brincando com nossas ideias de grandeza: quem realmente importa não é o que se vê, mas o que Deus vê. Jesus declara: “Em verdade vos digo, entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista” (Mt 11,11a). “Nascidos de mulher” lembra que João, apesar de extraordinário, era humano, sujeitado às mesmas limitações que todos nós — exceto, talvez, pela habilidade de sobreviver com gafanhotos e mel silvestre. Ele é o último grande profeta da Antiga Aliança, elo final da cadeia de testemunhas de Moisés a Elias, e, como Lucas acrescenta, é “grande aos olhos de Deus” (Lc 1,15). Mas sua grandeza não se mede por força, prestígio ou seguidores — João é grande porque cumpre fielmente a missão que Deus lhe confiou. Ele diminui para que Cristo cresça (Jo 3,30), e essa é uma lição que nenhum algoritmo do Instagram poderia ensinar.

João no deserto (Is 40,3) é a voz que clama e nos lembra que preparar o Reino exige coragem, disciplina e autenticidade. Psicologicamente, ele é o mentor que aponta para algo maior que si mesmo, e socialmente, alguém que desafia estruturas de poder — imagine confrontar Herodes com a verdade e ainda manter a compostura. Ele é a personificação da humildade ativa, da integridade que não negocia com a conveniência ou com o aplauso público. Mas Jesus adiciona o toque de ironia divina: “No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele” (Mt 11,11b). Aqui o Evangelho nos vira do avesso. A grandeza no Reino não é sobre força, status ou mesmo rigor moral isolado. É sobre filiação divina, participação na graça, docilidade ao Espírito e amor concreto. Quem vive essa realidade, mesmo no anonimato, é maior que o maior profeta. E se ainda duvida, lembremos de Davi, escolhido entre os filhos mais humildes (1 Sm 16,7), Jeremias, perseguido e ainda assim fiel (Jr 1,6-10), ou os pobres exaltados por Deus (Lc 6,20-23).

“Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e são os violentos que o conquistam” (Mt 11,12). A “violência” aqui é esforço, coragem e dedicação. É a luta diária para romper com a acomodação, enfrentar o pecado, desafiar o conformismo e viver o Reino. É também um lembrete: o Reino não é herdado passivamente, não se compra nem se vende, nem aparece em postagens bonitinhas; é conquistado com fidelidade, coragem e amor.

Esse é também um momento perfeito para criticar a fé de mercado: a teologia da prosperidade transforma a graça em fórmula de lucro; a fé do domínio vende controle e medo; o individualismo religioso transforma a salvação em bem de consumo; e o clericalismo promove vocações como carreira e status. João Batista e o menor do Reino são os antídotos: um aponta, o outro vive, silenciosamente, a plenitude do Reino. Santo Agostinho e Orígenes lembram que a grandeza cristã é relacional, mediada pela graça e não pelo mérito humano.

Os símbolos do texto enriquecem a leitura: o deserto evoca purificação, despojamento e espera vigilante (Ex 3,1-12; Dt 8,2); o Reino dos Céus simboliza a realidade transformadora que reverte hierarquias humanas (1 Cor 1,27-29). O menor do Reino não é insignificante: ele vive plenamente a vontade divina, mesmo sem holofotes. Psicologicamente, é a realização do self autêntico, livre das ilusões de grandeza mundana.

Nos evangelhos sinóticos, encontramos reforços desse tema: Lucas diz: “Entre os nascidos de mulher não apareceu ninguém maior do que João; mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7,28); Marcos apresenta João como aquele que prepara o caminho, enfatizando seu papel de testemunha (Mc 1,2-8). Nos escritos patrísticos, João é modelo de vigilância, coragem e humildade, sempre apontando para Cristo. 

Hoje, João Batista ressoa de maneiras diversas: para judeus, é profeta fiel, anunciante de mudanças e justiça; para muçulmanos (Iáia), exemplo de piedade e pureza; para anglicanos e protestantes, precursor de Cristo e modelo de conversão; para ortodoxos, modelo de vida ascética, santidade e vocação litúrgica. Independentemente da tradição, sua voz continua a ecoar, apontando para a Luz que transcende fronteiras e culturas.

O Evangelho nos desafia pessoalmente: discernir a Voz, buscar com fervor, viver a Nova Aliança e manifestar a graça de Deus. O Reino é comunitário, vivido em relações de justiça e solidariedade. Historicamente, os primeiros cristãos encarnaram isso: compartilhavam tudo, cuidavam dos pobres e confrontavam sistemas de poder. Filosoficamente, a inversão de valores nos liberta do peso do status; psicologicamente, promove autenticidade e generosidade; sociologicamente, desafia estruturas injustas. No Advento, somos lembrados que preparar o Natal não é decorar ou consumir, mas viver vigilância, conversão e humildade, abrindo espaço para Cristo nascer em nós.

Na Evangelii Gaudium, Francisco nos lembra que a missão cristã não é dominar nem lucrar, mas testemunhar misericórdia; na Gaudium et Spes (n. 63–66), somos chamados à dignidade e solidariedade; em Fratelli Tutti (n. 215), aprendemos que fraternidade exige sair do conforto e encontrar o outro.  João hoje provavelmente olharia para quem busca likes e seguidores online, vendendo a fé em cursos, e pensaria: “No deserto eu só precisava apontar para Ele!” E ainda assim, a mensagem permanece: verdadeira grandeza não se mede por números, mas por fidelidade, coragem e amor transformador.

Mateus 11,11-15 nos desafia a reconhecer a grandeza de João e a radicalidade do Reino: humildade, fidelidade, coragem e amor que transforma. O Advento nos convida à escuta, espera e preparação ativa: apontar para Cristo e viver a plenitude do Reino.

Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça. Que aprendamos a diminuir para que Cristo cresça, e que, como o menor do Reino, descubramos que a verdadeira grandeza não é humana, não se compra, não se vende, não se ostenta, mas se vive, se doa e transforma.



DNonato - Teólogo do Cotidiano