Os profetas são trombetas que denunciam ganância e opressão. Amós grita contra quem “pisam os pobres e compram os humildes por um par de sandálias” (Am 2,7; 8,6). Isaías clama contra os que “ajuntam casa a casa, campo a campo, até não deixar mais lugar” (Is 5,8). Miqueias denuncia a cobiça que rouba famílias (Mq 2,2) e Ezequiel mostra líderes que devoram o rebanho em vez de cuidá-lo (Ez 34), metáfora viva da exploração pelas elites. Os salmos ecoam: “Ele ergue do pó o indigente e do lixo o pobre, para fazê-lo sentar-se entre os príncipes” (Sl 113,7-8). A profecia inteira vibra em defesa da vida e da igualdade, invertendo o mundo dos poderosos. Cada clamor, cada denúncia, é uma flecha lançada contra a idolatria do dinheiro, contra a acumulação que escraviza, contra a riqueza que oprime.
Jesus chega com voz de trovão e ternura de mãe. Ele proclama bem-aventurados os pobres e famintos, mas lança um “ai” aos ricos (Lc 6,20-26). Afirma com clareza: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Nas parábolas do rico insensato (Lc 12,16-21) e do rico e Lázaro (Lc 16,19-31), denuncia-se a idolatria da riqueza e a crueldade do acúmulo egoísta. Entre os primeiros cristãos, a prática se transforma em atos concretos: “Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum” (At 2,44), e “não havia necessitado algum entre eles” (At 4,34). Partilha, solidariedade, justiça: o socialismo da fé já pulsa no coração da comunidade cristã, mostrando que a vida não é propriedade, mas dom, e que os bens devem circular para sustentar todos.
Paulo eleva este mesmo cântico à prática cotidiana: “Não olhe cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (Fl 2,4). Em 2 Coríntios 8,13-15, ensina que a igualdade deve guiar a partilha: o que sobra para uns suprirá a falta dos outros. Paulo delineia uma ética econômica de fraternidade, distribuindo bens segundo a necessidade, ecoando a justiça que Maria canta no Magnificat. Ele reforça que a fé sem solidariedade é vazia e que a riqueza não deve escravizar ninguém, mas servir à comunidade, à vida, à dignidade humana. E se o Magnificat é o coração pulsante dessa profecia, o Apocalipse é seu clímax visionário. Ali, Deus promete que não haverá mais fome, sede ou dor, e que o Cordeiro guiará seus eleitos às águas da vida (Ap 7,16-17). A nova Jerusalém (Ap 21,4) é sociedade de abundância, partilha e igualdade, em que nenhuma vida é descartada, nenhuma lágrima ignorada, nenhum humano transformado em mercadoria. É a visão do Reino como utopia possível, em que o socialismo da fé se realiza plenamente: justiça, fraternidade e cuidado para todos.
Maria, a jovem de Nazaré, ergue sua voz: Deus derruba os poderosos, exalta os humildes, enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias. O Magnificat é canto de subversão, manifesto de justiça, hino que escandaliza os tronos e conforta os excluídos. É o grito de que a fé verdadeira não pode se curvar à idolatria do mercado, nem à pregação que transforma Deus em abono de lucro. Cada verso do Magnificat é metáfora de inversão: tronos de pó, cofres de vento, poder desfeito, dignidade erguida. O Magistério da Igreja assume e aprofunda essa denúncia. Leão XIII denunciou o capitalismo que transforma trabalhadores em mercadorias (Rerum Novarum, 1891); Pio XI alertou sobre a concentração de poder econômico em poucas mãos (Quadragesimo Anno, 1931); o Concílio Vaticano II proclamou que desigualdades escandalosas são contrárias à justiça (Gaudium et Spes 66); São João Paulo II qualificou de “estrutura de pecado” a exclusão perpetuada pelo lucro (Sollicitudo Rei Socialis, 1987); Bento XVI denunciou a economia sem ética (Caritas in Veritate, 2009); e o Papa Francisco grita: “Esta economia mata” (Evangelii Gaudium, 53), lembrando que o dogma neoliberal do mercado absoluto é falho e desumano (Fratelli Tutti, 168). Estas vozes demonstram que a crítica ao capitalismo não é adendo ideológico, mas fidelidade viva ao Evangelho.
O capitalismo contemporâneo, idolatrando o lucro, transforma a vida em mercadoria e exige sacrifícios humanos. Em muitos contextos, a extrema-direita traveste-se de discurso religioso para legitimar essa lógica, vendendo um “Cristo empresário” enquanto rejeita o Cristo pobre, marginalizado e sofredor. O Magnificat denuncia essa perversão: nasceu de uma jovem mulher periférica, e nela se revela que a verdadeira autoridade não está nos cofres, mas no ventre dos pobres, nas mãos dos humildes, na voz daqueles que não têm voz.
O Magnificat não é apenas um cântico do passado. É grito. Ecoa nos becos, nas periferias, nas mãos calejadas de quem trabalha e não tem vez. Ele nos lembra que Deus não se curva a tronos, cofres ou sistemas que sacrificam vidas em nome do lucro. Ele está com os humildes, os famintos, os marginalizados; por eles derruba os poderosos e enche de dignidade os desprezados. A Bíblia inteira — do Êxodo aos profetas, de Jesus às cartas de Paulo, do Magnificat ao Apocalipse — revela um Deus que constrói comunidades de partilha, transforma solidariedade em lei e justiça em caminho.
O socialismo da fé não é mera ideologia humana; é expressão viva do Reino de Deus: economia de amor, política de misericórdia, profecia que subverte toda lógica de exclusão. Quem escuta Maria hoje não ouve apenas palavras; ouve chamado à ação, urgência de justiça, convite à revolução da ternura. O Magnificat é hino de resistência e esperança, lembrando que a Palavra de Deus continua viva, transformando vidas, invertendo tronos, derrubando impérios de ganância e proclamando, com força inabalável, que todos têm direito à vida em abundância (Jo 10,10). Que este canto de Maria seja nosso grito hoje: levantar-nos pelos pobres, denunciar as injustiças, compartilhar bens, estender mãos, erguer vozes e construir uma sociedade em que a dignidade de cada ser humano seja respeitada. Que a revolução da ternura se torne realidade, e que cada vida humana seja tratada como sagrada, porque Deus está conosco, e com os humildes, até que a injustiça seja vencida e o Reino plenamente revelado.
Deus está com os humildes. E com eles, transformaremos o mundo. O Magnificat é eternamente nosso manifesto: tronos derrubados, famintos saciados, ricos despojados, e a justiça de Deus cumprida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.