quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 11,11-15

O Evangelho segundo Mateus, capítulo 11, versículos 11 a 15, nos convoca a refletir sobre grandeza, missão e a novidade do Reino que Jesus inaugura. Este texto é proclamado na liturgia da quinta-feira da 2ª semana do Advento, lembrando-nos da urgência da conversão, da vigilância espiritual e da preparação do coração para o encontro com Cristo. João Batista é apresentado como aquele que prepara o caminho para o Messias, mas também como sinal do paradoxo central da história da salvação: ele é o maior entre os nascidos de mulher, mas o menor no Reino dos Céus é, paradoxalmente, maior do que ele. Parece confuso? Pois é o Evangelho brincando com nossas ideias de grandeza: quem realmente importa não é o que se vê, mas o que Deus vê. Jesus declara: “Em verdade vos digo, entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista” (Mt 11,11a). “Nascidos de mulher” lembra que João, apesar de extraordinário, era humano, sujeitado às mesmas limitações que todos nós — exceto, talvez, pela habilidade de sobreviver com gafanhotos e mel silvestre. Ele é o último grande profeta da Antiga Aliança, elo final da cadeia de testemunhas de Moisés a Elias, e, como Lucas acrescenta, é “grande aos olhos de Deus” (Lc 1,15). Mas sua grandeza não se mede por força, prestígio ou seguidores — João é grande porque cumpre fielmente a missão que Deus lhe confiou. Ele diminui para que Cristo cresça (Jo 3,30), e essa é uma lição que nenhum algoritmo do Instagram poderia ensinar.

João no deserto (Is 40,3) é a voz que clama e nos lembra que preparar o Reino exige coragem, disciplina e autenticidade. Psicologicamente, ele é o mentor que aponta para algo maior que si mesmo, e socialmente, alguém que desafia estruturas de poder — imagine confrontar Herodes com a verdade e ainda manter a compostura. Ele é a personificação da humildade ativa, da integridade que não negocia com a conveniência ou com o aplauso público. Mas Jesus adiciona o toque de ironia divina: “No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele” (Mt 11,11b). Aqui o Evangelho nos vira do avesso. A grandeza no Reino não é sobre força, status ou mesmo rigor moral isolado. É sobre filiação divina, participação na graça, docilidade ao Espírito e amor concreto. Quem vive essa realidade, mesmo no anonimato, é maior que o maior profeta. E se ainda duvida, lembremos de Davi, escolhido entre os filhos mais humildes (1 Sm 16,7), Jeremias, perseguido e ainda assim fiel (Jr 1,6-10), ou os pobres exaltados por Deus (Lc 6,20-23).

“Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e são os violentos que o conquistam” (Mt 11,12). A “violência” aqui é esforço, coragem e dedicação. É a luta diária para romper com a acomodação, enfrentar o pecado, desafiar o conformismo e viver o Reino. É também um lembrete: o Reino não é herdado passivamente, não se compra nem se vende, nem aparece em postagens bonitinhas; é conquistado com fidelidade, coragem e amor.

Esse é também um momento perfeito para criticar a fé de mercado: a teologia da prosperidade transforma a graça em fórmula de lucro; a fé do domínio vende controle e medo; o individualismo religioso transforma a salvação em bem de consumo; e o clericalismo promove vocações como carreira e status. João Batista e o menor do Reino são os antídotos: um aponta, o outro vive, silenciosamente, a plenitude do Reino. Santo Agostinho e Orígenes lembram que a grandeza cristã é relacional, mediada pela graça e não pelo mérito humano.

Os símbolos do texto enriquecem a leitura: o deserto evoca purificação, despojamento e espera vigilante (Ex 3,1-12; Dt 8,2); o Reino dos Céus simboliza a realidade transformadora que reverte hierarquias humanas (1 Cor 1,27-29). O menor do Reino não é insignificante: ele vive plenamente a vontade divina, mesmo sem holofotes. Psicologicamente, é a realização do self autêntico, livre das ilusões de grandeza mundana.

Nos evangelhos sinóticos, encontramos reforços desse tema: Lucas diz: “Entre os nascidos de mulher não apareceu ninguém maior do que João; mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7,28); Marcos apresenta João como aquele que prepara o caminho, enfatizando seu papel de testemunha (Mc 1,2-8). Nos escritos patrísticos, João é modelo de vigilância, coragem e humildade, sempre apontando para Cristo. 

Hoje, João Batista ressoa de maneiras diversas: para judeus, é profeta fiel, anunciante de mudanças e justiça; para muçulmanos (Iáia), exemplo de piedade e pureza; para anglicanos e protestantes, precursor de Cristo e modelo de conversão; para ortodoxos, modelo de vida ascética, santidade e vocação litúrgica. Independentemente da tradição, sua voz continua a ecoar, apontando para a Luz que transcende fronteiras e culturas.

O Evangelho nos desafia pessoalmente: discernir a Voz, buscar com fervor, viver a Nova Aliança e manifestar a graça de Deus. O Reino é comunitário, vivido em relações de justiça e solidariedade. Historicamente, os primeiros cristãos encarnaram isso: compartilhavam tudo, cuidavam dos pobres e confrontavam sistemas de poder. Filosoficamente, a inversão de valores nos liberta do peso do status; psicologicamente, promove autenticidade e generosidade; sociologicamente, desafia estruturas injustas. No Advento, somos lembrados que preparar o Natal não é decorar ou consumir, mas viver vigilância, conversão e humildade, abrindo espaço para Cristo nascer em nós.

Na Evangelii Gaudium, Francisco nos lembra que a missão cristã não é dominar nem lucrar, mas testemunhar misericórdia; na Gaudium et Spes (n. 63–66), somos chamados à dignidade e solidariedade; em Fratelli Tutti (n. 215), aprendemos que fraternidade exige sair do conforto e encontrar o outro.  João hoje provavelmente olharia para quem busca likes e seguidores online, vendendo a fé em cursos, e pensaria: “No deserto eu só precisava apontar para Ele!” E ainda assim, a mensagem permanece: verdadeira grandeza não se mede por números, mas por fidelidade, coragem e amor transformador.

Mateus 11,11-15 nos desafia a reconhecer a grandeza de João e a radicalidade do Reino: humildade, fidelidade, coragem e amor que transforma. O Advento nos convida à escuta, espera e preparação ativa: apontar para Cristo e viver a plenitude do Reino.

Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça. Que aprendamos a diminuir para que Cristo cresça, e que, como o menor do Reino, descubramos que a verdadeira grandeza não é humana, não se compra, não se vende, não se ostenta, mas se vive, se doa e transforma.



DNonato - Teólogo do Cotidiano 

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