Amor é
verbo, não pronome: entre a ilusão da fala e a verdade do gesto
"Amor não é alguém dizendo ‘eu te amo’. Amor é
tudo o que a pessoa faz por você. Amor é ação." Essa frase, simples e
direta, desmonta muita da encenação sentimental que chamamos amor. Há quem diga
"eu te amo" com a boca, mas se ausenta na hora do cuidado, da escuta,
do cansaço, da partilha da dor. O amor não mora na garganta — ele se abriga nos
gestos. Na canção popular, ouvimos promessas eternas: “te amarei até o fim dos
meus dias”, “você é tudo pra mim”. Palavras que encantam, mas que, por vezes,
traem a realidade. Porque amar é mais que sentir — é decidir permanecer. É
saber partir quando o outro precisa ir. É sofrer a ausência e, ainda assim,
desejar o bem.
São Paulo, em sua carta aos Coríntios, já
denunciava o amor vazio de conteúdo: “Ainda que eu falasse as línguas dos
homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como bronze que soa ou címbalo que
retine.” E o apóstolo vai além: o amor é paciente, é benigno, não busca os
próprios interesses. O verdadeiro amor não aprisiona, não sufoca, não exige a posse
do outro para se sentir seguro. O amor, quando amadurece, não grita, não acusa,
não se impõe. Como o pai da parábola do filho pródigo, ele permite que o outro
parta. E sofre — não de raiva, mas de silêncio. Ele permanece de pé, à porta,
esperando não o retorno do controle, mas o reencontro da liberdade amada. Esse
é o amor que deixa ir... e ainda assim permanece inteiro.
Na psicologia, aprendemos que a paixão — esse
arrebatamento inicial — é marcada por projeções, idealizações, desejos de
fusão. Mas o amor maduro é diferente: ele reconhece o outro como outro. E, por
isso mesmo, aprende a deixar ir. Amar, às vezes, é ver o outro partir... e
ainda assim amar. É respeitar a decisão, mesmo que ela nos despedace. É orar
pelo bem do outro, mesmo quando nosso nome já não mora em sua vida. Erich Fromm
dizia: “O amor é uma decisão, um julgamento, uma promessa.” Mas também é uma
ferida aberta — não por desamor, mas por excesso de presença silenciosa. A
psicologia do luto nos mostra que há mortes simbólicas que doem tanto quanto as
biológicas: o adeus não dito, a ausência que não se explica, o carinho que
virou silêncio. Há lutos sem túmulo, dores sem nome. Amar, nesses casos, é
resistir à amargura. É não deixar que a dor nos transforme em quem nunca fomos.
Quem ama de verdade, sofre quando perde — mas não
fere para manter. A ausência dói, mas não destrói o que foi vivido com verdade.
Como dizia Rubem Alves, “o amor é quando o tempo se transforma em memória e
ninguém consegue apagar.” O amor real sobrevive até à distância, porque não é
só presença física — é raiz que sustenta, mesmo invisível. Há amores que
permanecem mesmo quando tudo mudou. Há presenças que continuam mesmo na
ausência. E há distâncias que, em vez de romper, revelam a profundidade do
vínculo. Amar é isso também: sangrar sem amargura. Permitir que o outro cresça,
mesmo que o crescimento o leve para longe de nós. Não aprisionar nem condenar.
Como Maria, mãe de Jesus, guardar tudo no coração — inclusive a dor.
Nas tradições indígenas e africanas, amar é cuidar.
É partilhar o alimento, vigiar o sono do outro, respeitar o tempo do silêncio.
O amor não se diz — se vive. E esse amor, feito de gesto e presença, talvez
seja mais cristão que muitos sermões eloquentes e vazios.
Vivemos tempos em que tudo é efêmero. Amar com
verdade é quase um escândalo. É insistir na permanência num mundo de liquidez.
É ser raiz em tempos de vento. É lutar contra a espiritualidade performática
que reduz o amor a música alta e promessas baratas. O amor, como Cristo mostrou,
não se grita no templo — se encarna no gesto escondido, no perdão sem plateia,
na dor sem revanche.
Na cruz, Jesus amou sem exigir resposta. Perdoou
sem se defender. Ali, o amor mostrou sua face mais pura: a de quem permanece,
mesmo sendo rejeitado. Quem ama de verdade sabe que às vezes o maior milagre é
não deixar o coração endurecer. Talvez, no fim, o amor seja isso: a capacidade
de seguir amando mesmo quando o outro já não está. Como Deus faz conosco desde
o Éden. Amar é isso: não apagar o outro da alma, mesmo que ele já tenha ido
embora da vida.
Porque o amor, quando é real, não morre — ele se crucifica em silêncio, ressuscita em gestos e ascende toda vez que escolhe permanecer... mesmo quando tudo em volta parece ter partido.
Que eu ame mesmo quando perco.
Que eu cuide mesmo à distância.
Que eu deixe ir, sem deixar de amar.
Que minha ausência seja presença que abençoa.
E que o amor, mesmo ferido, continue sendo
carne, sangue e gesto em mim.
DNonato – Teólogo do Cotidiano, Amar é também saber
partir, e ainda assim permanecer no mistério da entrega.
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