quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - V

Novembro volta todo ano

Novembro é mês de faxina na alma.
É quando o silêncio se torna mais profundo e algumas dores, mais nítidas.
É mês de finados, de lembranças, de partidas e de recomeços forçados.
Muitas histórias chegam ao fim, outras voltam a doer como se fossem recentes.
Talvez seja o clima, talvez sejamos nós — tentando respirar onde já não há mais ar.
Há em novembro um convite não dito: encarar o que ficou encoberto pelos meses anteriores.
Como se a alma, enfim, decidisse esvaziar gavetas, varrer os cantos onde escondemos sentimentos mal resolvidos.

Este texto não é carta, nem crônica.
É desabafo.
É o adeus que o coração reluta em aceitar.
É corte de laços que já não sustentavam nada, mas que, por apego ou ilusão, continuavam ali — como enfeites antigos que ninguém tem coragem de jogar fora.

Assombrar… pois a vida é um jogo: um dia se ganha, no outro, se perde.
Naquele momento, dor e decepção.
A queda foi dura — para quem confiou em tuas mãos e foi deixado cair.
Tu fraquejaste quando não podias.
Fizeste-te de vítima, mas foste vítima de ti mesma.
Escolhas erradas, ciúmes miúdos, prisões disfarçadas de cuidado.
Sonhos destruídos sem empatia.
Projetos teus, caprichos teus — e ninguém mais importava.

Queríamos um nós.
Tu querias um espelho.
Amor não é moldura para narcisismo, nem pretexto para controle.

Novembro volta todo ano.
E com ele, o convite a limpar a casa interna:
jogar fora o que já não serve,
reconhecer o que não pode muais voltar,
recomeçar com mais verdade.

Novembro: místico e sagrado.
Tempo em que o véu entre o visível e o invisível parece mais fino.
Mês de finados, sim, mas também de recomeços espirituais.
As almas dos que se foram nos sussurram memórias e caminhos.
É tempo de reverência à vida e respeito à morte.
Tempo de silêncio com sentido.

A natureza também nos fala — e fala de forma diferente em cada hemisfério.

No sul do mundo, novembro é o começo do fim da primavera.
Os dias se alongam, o calor se anuncia, os perfumes se intensificam.
É o tempo em que as flores já estão abertas, mas algumas começam a murchar.
A beleza amadurece, os ventos anunciam o verão que vem chegando.
É como se a natureza dissesse: “A flor cumpriu seu papel. Agora, prepara-te para frutificar.”
Na alma, esse tempo pede coragem para sair da espera e assumir o que floresceu.
O que nasceu em silêncio precisa, agora, tornar-se gesto, fruto, atitude.

Já no hemisfério norte, novembro é outono profundo.
As folhas caem com dignidade, os galhos se despem com sabedoria.
É o começo do frio mais duro — aquele que virá com o inverno.
Mas ainda não é inverno: é o tempo da consciência.
A consciência de que algo está acabando, e que não precisa acabar em desespero.
É o tempo de recolher-se, de guardar calor interior, de preparar-se para resistir.
A alma norte-americana ou europeia sente essa transição como um chamado ao essencial:
deixar ir o supérfluo para preservar o que é raiz.
No sul ou no norte, novembro é tempo de passagem.
Tempo limiar.
Nem mais flor, nem ainda fruto.
Nem mais calor, nem ainda frio.
É o entre-tempo que ensina que a vida não acontece só nos começos ou nos finais,
mas também nos processos.

Novembro também é o mês que se aproxima do Natal.
A cidade começa a piscar luzes, o comércio se enche de canções conhecidas,
mas o coração — esse — nem sempre acompanha o ritmo da vitrine.
Para muitos, o Natal é tempo de encontros; para outros, tempo de saudades.
E novembro, com sua alma de despedida, parece sussurrar:
“Prepara-te para o que vem. Mas não finjas alegria. Sê verdadeiro.”

É o mês da encruzilhada entre o que foi e o que ainda não é.
Faltam dias para o final do ano, mas o coração já começa a fazer balanços.
O que salvamos? O que perdemos? O que deixamos de ser?
Novembro aperta o peito não só pelo que levou,
mas pelo que ainda não conseguimos construir — apesar do tempo que passou.

É o mês que antecede o nascimento do Menino na manjedoura,
mas também escancara quantos de nós ainda não conseguimos nascer de novo.

Novembro no Brasil: história viva.
Dia da Proclamação da República, no dia 15 — lembrando que a liberdade política também é processo, não produto final.
Dia da Bandeira, no dia 19 — símbolo nacional, tantas vezes em disputa, tantas vezes esquecida em suas dores.
E, sobretudo, 20 de novembro — Dia da Consciência Negra.

No dia 20, celebramos Zumbi dos Palmares — símbolo da luta contra a escravidão.
Zumbi representa resistência, liberdade e coragem.
Foi líder do maior quilombo das Américas,
construiu uma comunidade de refúgio e dignidade num tempo de açoites e grilhões.
Foi traído, caçado e morto. Mas sua luta sobrevive.
Cada novembro nos lembra que liberdade é conquista,
e a memória dos que resistiram é semente que ainda floresce.
E se a dor da escravidão é uma cicatriz na carne da história,
a luta de Zumbi é esperança tatuada na alma do povo.
É memória viva que exige justiça, não apenas celebração.

Novembro é passagem.
E tu passaste por nós como vendaval:
levaste o que não devias,
deixaste o que ninguém pediu.

Quisemos te amar — e te demos liberdade.
Tu nos devolveste cativeiro.
Queríamos construir pontes, tu ergueste muros.
Plantamos cuidado, e colhemos ausência.

Mas o pior mal não foi contra nós.
Foi contra ti.
Pois quem não sabe amar com leveza,
acaba ferindo a si mesmo com os espinhos que carrega.

Desculpas?
Só farão sentido se vierem com mudança.
Cuida de ti.
Honra teus próprios limites.
Aprende a amar sem algemas, sem exigências disfarçadas de zelo.
Ama-te primeiro — mas não te faças centro de todos os mapas.

Novembro passará.
Como tudo passa.
Mas as marcas… essas ficarão.
Como assinatura de uma história que merecia mais atenção.
De nós dois.
De um tempo que foi flor, mas que murchou antes do verão.

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DNonato – Leigo católico, graduado em História; nascido numa segunda-feira chuvosa de novembro, entre flores que brotavam no sul e folhas que caíam no norte.

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