A liturgia deste domingo nos convida a refletir profundamente sobre a relação entre riqueza, justiça e fidelidade a Deus. Amós 8,4-7 denuncia com veemência a exploração dos pobres: “Ouvi isto, vós que esmagais o necessitado e destruís os pobres da terra, dizendo: ‘Quando acabará a lua nova para que vendamos o cereal?’”. Este texto, eminentemente profético, atravessa os séculos ao denunciar práticas de manipulação de preços, engano do pobre e ganância institucionalizada, lembrando-nos que Deus não se cala diante da injustiça. Por contraste, o Salmo 112(113) nos conduz ao louvor: “Louvai o Senhor, que levanta os fracos”, reforçando que Deus ergue os humildes e sustenta os oprimidos. Paulo, em 1 Timóteo 2,1-8, exorta à oração universal, incluindo os governantes, destacando a responsabilidade ética de todos na construção de uma sociedade justa e solidária. Por fim, Lucas 16,1-13 apresenta a parábola do administrador infiel, ensinando fidelidade, discernimento e prioridade do Reino sobre o lucro material. Este Evangelho, exclusivo do 25º Domingo do Tempo Comum, desafia a comunidade a refletir sobre a administração ética e espiritual dos bens confiados.
Viver e sobreviver em um mundo capitalista exige plena consciência de nossa inserção nesse contexto, mas sem nos submeter aos valores do lucro absoluto. Para orientar nossas escolhas, é essencial estabelecer prioridades claras, sempre nessa ordem:
- Deus, cuja presença e ação dispensam explicação; segundo, nós mesmos, reconhecendo a necessidade de reservar tempo à meditação, planejamento e organização interior, como ensina Lucas 14,7-14;
- A família, que constitui nossa base nos dias tristes e escuros e nos conecta à nossa origem;
- O emprego / vida profissional, que em tempos de crise é indispensável e deve ser exercido com responsabilidade;
- A participação na Igreja, lembrando que ocupar cargos ou funções em uma comunidade só é legítimo se estivermos quites com as outras três prioridades.
Essas prioridades não podem ser negligenciadas por qualquer motivo. Com frequência, encontramos pessoas que trabalham de sol a sol sem reservar tempo para oração, cuidado de si mesmas ou atenção à família, buscando apenas retorno financeiro.
A liturgia coloca diante de nós um aparente conflito: Amós denuncia práticas ilícitas e exploratórias, enquanto o Evangelho de Lucas narra o episódio do administrador infiel, que poderia parecer elogiar a esperteza em benefício próprio. No entanto, o coração do texto está nos versículos 10-13, onde Jesus esclarece: “Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito. Pois, se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras? Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Jesus nos ensina que fidelidade, integridade e prioridade do Reino devem orientar toda nossa conduta, incluindo a administração dos bens materiais. Todo desvio transforma a riqueza em armadilha, enquanto a fidelidade no pouco nos prepara para receber aquilo que é verdadeiro e eterno.
A Palestina do século I, contexto histórico do Evangelho, vivia sob uma economia de clientela, impostos pesados e profundas desigualdades. Administradores frequentemente cobravam mais do que deviam, e a astúcia era um meio de sobrevivência. Na parábola, o administrador reduz dívidas para garantir seu futuro, e o patrão elogia sua esperteza. Jesus não louva a corrupção, mas utiliza a narrativa para ensinar que os filhos da luz devem agir com inteligência ética e responsabilidade diante das crises. Mateus 6,24, Marcos 10,17-31 e Mateus 25,14-30 reforçam que fidelidade no pouco precede a fidelidade no muito, e que não se pode servir a dois senhores.
A hermenêutica cristã nos mostra que a fidelidade na gestão dos bens terrenos é preparação para a vida eterna. Aristóteles e Tomás de Aquino distinguem riqueza como meio para o bem comum da acumulação egoísta. A psicologia alerta que o apego ao dinheiro gera ansiedade e alienação; a sociologia e a antropologia evidenciam que sociedades equilibradas valorizam partilha e reciprocidade. Amós, o Salmo 112 e Lucas 16 formam um bloco profético que denuncia injustiça, anuncia esperança e ensina a fidelidade ética e espiritual.
A patrística é clara: Santo Agostinho afirma que “o dinheiro é bom servo, mas péssimo senhor”; São João Crisóstomo denuncia ricos que exploram os pobres; Basílio de Cesareia exorta à partilha justa e o Magistério contemporâneo complementa: Gaudium et Spes (63-66) lembra que a economia deve servir à pessoa humana; Francisco, em Evangelii Gaudium (53-60), denuncia a economia da exclusão; em Fratelli Tutti (122-127; 177), prioriza fraternidade e justiça sobre o lucro. Clericalismo e fé como mercadoria distorcem a mensagem de Cristo e transformam o Evangelho em instrumento de poder ou enriquecimento.
O Evangelho nos desafia a combater distorções modernas: teologia da prosperidade, fé-mercadoria, clericalismo e individualismo espiritual. A parábola evidencia que fidelidade, criatividade ética e serviço aos pobres são critérios de verdade. A antropologia cristã lembra que a vida se realiza em relação, e que decisões econômicas ou éticas impactam toda a comunidade. Clericalismo e idolatria do lucro corrompem, enquanto fidelidade e criatividade evangelizam. Lucas 16 exige coragem, discernimento e responsabilidade.
A realidade contemporânea, marcada pelo neoliberalismo, concentração de riqueza e políticas de exclusão, ecoa a denúncia de Amós: manipulação de preços, exploração do pobre, ganância institucionalizada. A economia que marginaliza os frágeis e idolatra o lucro contradiz o Reino. Lucas 16 nos chama à fidelidade no pouco e à ousadia ética. O administrador infiel age diante da crise; somos convidados a reconhecer limites, assumir responsabilidade e transformar desafios em oportunidades de serviço ao Reino. O Salmo 112 reforça a esperança: Deus levanta os fracos e exalta os humildes.
A exegese sinótica confirma: não se pode servir a dois senhores (Mt 6,24; Lc 16,13). Fidelidade nos bens terrenos anuncia fidelidade nos bens eternos. Mateus 25,14-30 evidencia que cada dom confiado exige responsabilidade, criatividade e coragem. Marcos 8,36 e Lucas 12,20-21 alertam contra o acúmulo injusto. Filosofia ética, psicologia do apego e sociologia das desigualdades confirmam a urgência do discernimento e da administração justa. Patrística reforça que riqueza exige virtude e caridade.
O Magistério atual dialoga com a profecia: economia a serviço da pessoa (GS), denúncia da exclusão (EG), fraternidade acima do lucro (FT). Clericalismo, riqueza idolatrada e fé-mercadoria contradizem o Evangelho. O caminho profético exige fidelidade criativa, ousadia ética, serviço ao Reino e atenção aos pobres. Santo Agostinho lembra que apego material é obstáculo à graça; São João Crisóstomo exige partilha; Francisco afirma que política e economia devem servir à vida, não à lógica do lucro. A Igreja deve permanecer íntegra.
A liturgia deste domingo nos desafia: riqueza não é mal em si, mas seu absolutismo destrói o ser humano. Amós denuncia injustiça, o Salmo proclama esperança, Paulo exorta à oração universal, Lucas chama à fidelidade criativa. Não se pode servir a dois senhores. Fidelidade no pouco prepara para o muito, e administração ética anuncia o Reino. Cada gesto justo, cada ação responsável diante do dinheiro, cada defesa dos pobres e cada oração comunitária revela que servimos a Deus, e não ao ídolo Mamom. O Evangelho é convite a viver integralmente, lúcidos e proféticos, no cuidado do próximo e na fidelidade a Deus.
O administrador infiel é espelho: criatividade diante da crise, responsabilidade diante do patrão, ousadia diante da urgência. Se até os filhos deste mundo agem com esperteza para garantir interesses terrenos, quanto mais os filhos da luz devem agir com inteligência ética. Fidelidade no pouco é preparação para o muito (Lc 16,10). Lucas ensina ética e escatologia integradas, prudência e justiça social.
A dimensão histórica mostra que economia injusta produz sofrimento estrutural. Amós denuncia comerciantes que manipulavam medidas, vendiam pobres e aguardavam o fim do sábado para explorar (Am 8,4-7). Sistemas econômicos desiguais e centralizadores marginalizam a população mais frágil e perpetuam desigualdades. Hoje, políticas neoliberais e corrupção institucional reproduzem essas injustiças, lembrando que a fidelidade na gestão dos bens materiais não é opcional, mas condição para viver segundo o Reino.
O Evangelho conclui com um chamado profético: ser fiel no pouco, renunciar ao lucro injusto, servir ao Reino antes de qualquer riqueza. O dinheiro, em si, não é mal; mas quando se torna senhor, escraviza, corrompe e afasta de Deus. Jesus nos convida à audácia ética, à fidelidade integral e à justiça. Cada ação nossa, cada decisão econômica ou social, é testemunho do Reino que se realiza onde a justiça, a solidariedade e a integridade são vividas, mesmo em um mundo marcado por desigualdade, ganância e exploração.
Que neste 25º domingo do tempo comum possamos reconhecer a urgência da ética, da fidelidade e da partilha, lembrando que o Reino de Deus se manifesta onde a justiça, a fraternidade e a integridade são vividas, e que cada gesto fiel e responsável é sinal do Reino presente entre nós.
DNonato – Teólogo do Cotidiano
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.