Quando Jesus fala da árvore boa que produz frutos bons e da árvore má que produz frutos ruins, ele nos convida a um exame profundo do coração. Lucas 6,45 afirma: “Do coração procedem as más intenções e as boas intenções; é disso que a boca fala.” Mateus 7,16-20 reforça: “Pelos frutos os conhecereis.” Isaías 5,1-7 denuncia o fracasso de uma vinha que deveria produzir frutos de justiça, mas que apenas produz clamor e sangue; Jeremias 17,7-8 contrapõe a confiança em Deus à esterilidade daqueles que se afastam da rocha divina. Provérbios 11,30 lembra que “o fruto do justo é árvore de vida, e quem ganha almas é sábio”, enquanto Salmo 92,13 descreve: “O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano.” Lucas enfatiza que os frutos se manifestam concretamente: justiça, misericórdia e solidariedade são sinais de uma fé viva, não meras palavras.
Jesus elogia os pobres, denuncia os ricos e satisfeitos, e instrui seus discípulos a amar inimigos, abençoar os que os maldizem, fazer o bem sem esperar retribuição (Lc 6,20-36). A árvore boa transforma relações e denuncia injustiças; a fé encarnada desafia o individualismo, a fé como mercadoria e a teologia da prosperidade que promete sucesso em troca de dízimos. Líderes que vendem bênçãos financeiras podem parecer frutíferos, mas suas raízes apodrecem. A árvore ruim, por sua vez, produz frutos de aparências e envenena a vida alheia, seja pelo clericalismo opressor, seja por fé espetáculo que entretém sem formar, como alerta Amós 5,21-24: “Não quero a vossa festa, nem me agrada o vosso culto; traga-me justiça como água, e retidão como riacho perene.”
A parábola da casa construída sobre a rocha e sobre a areia convida à profundidade. Lucas 6,48 enfatiza que o homem que constrói sobre a rocha cavou fundo e pôs o alicerce sobre a pedra firme. O cavar simboliza esforço, discernimento e compromisso. No Oriente Médio, casas sobre areia eram vulneráveis às cheias; apenas o alicerce profundo resistia. A rocha é Cristo, a Palavra encarnada que sustenta a vida diante das tempestades (Mt 7,24-25; Mc 4,1-20; Is 28,16). A areia representa falsas seguranças: riqueza, prestígio, autoridade clerical, fé como investimento pessoal. Ouvir sem praticar gera fragmentação, angústia e hipocrisia (Tg 1,22-25). Kohlberg observa que a maturidade ética se mede na ação; ouvir sem agir mantém a moral em estado infantil.
A árvore que produz frutos bons e a casa firme sobre a rocha revelam a integração de fé, razão, emoção e ação. Comunidades que constroem sobre areia – luxo ritualístico, poder clerical, fé espetáculo – desmoronam diante de crises. A crítica de Jesus é direta à teologia do domínio e da prosperidade: fé que se transforma em mercadoria promete sucesso, mas não sustenta vidas. Kierkegaard lembra que a fé exige salto existencial; Hannah Arendt alerta que superficialidade conduz à banalidade do mal. Como Mateus 23,23-24 adverte, não se deve negligenciar justiça, misericórdia e fé.
A patrística reforça essa perspectiva: Santo Agostinho ensina que ouvir sem praticar é olhar o reflexo sem entrar na água; São João Crisóstomo destaca a importância da firmeza do fundamento; Orígenes afirma que o que não está enraizado na rocha divina será levado pela maré da vaidade; Gregório de Nissa reforça que a sabedoria divina constrói alicerces invisíveis, mas firmes. A tradição da Igreja confirma que fé autêntica se manifesta na coerência entre palavra, ação e comunidade. O Concílio Vaticano II denuncia a busca de riqueza e poder em detrimento da dignidade humana; Evangelii Gaudium enfatiza que a fé transforma o mundo e convoca à ação concreta; Fratelli Tutti alerta para sociedades construídas sobre egoísmo e exclusão.
A humanidade sempre buscou fundamentos sólidos. A pedra simboliza estabilidade e divindade em diversas culturas. Construir sobre a rocha é gesto existencial: buscar segurança última naquilo que transcende. Pseudorrochas – dinheiro, prestígio, autoridade clerical – conduzem à ruína; Cristo sustenta vidas e gera comunidade. Provérbios 24,3-4 nos lembra: “Com sabedoria se edifica a casa, e com discernimento ela se firma; com conhecimento, os cômodos se enchem de todas as riquezas preciosas e deleitosas.”
O clericalismo é diretamente desafiado: a rocha não é a autoridade humana, mas a Palavra encarnada que exige conversão, serviço e humildade. Verdadeira autoridade é do discípulo que escuta, pratica e constrói com os outros, não do líder que se impõe. A Igreja é casa construída sobre a rocha, não fortaleza sobre areia. A Palavra de Jesus é alicerce que sustenta a vida comunitária; coerência entre fé e prática garante a solidez. O Papa Francisco, já falecido, lembrava que a Igreja deve ser uma comunidade de discípulos missionários, não uma instituição que busca poder ou prestígio. Pergunta-se ao final:
- Qual é a raiz da minha vida?
- Sobre qual rocha tenho construído meu ser?
A resposta define não apenas o presente, mas também a resistência às tempestades futuras, reafirmando que a fidelidade à Palavra é a única base que não se abala.
DNonato - Teólogo do Cotidiano