No sono, temos de estar preparados para acordar facilmente. Com efeito, diz a Escritura: «Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor, ao voltar do seu noivado, a fim de lhe abrirem a porta assim que ele chegar e bater» (Lc 12,35-36). Porque um homem adormecido serve para o mesmo que um homem morto. É por isso que devemos levantar-nos frequentemente durante a noite para bendizer a Deus. Felizes aqueles que velam por Ele, pois se tornam semelhantes aos anjos a que chamamos da guarda. Um homem adormecido vale o mesmo que um homem sem vida. Mas o que tem a luz está acordado, e as trevas não têm poder sobre ele, nem as trevas nem o sono. Está, pois, acordado para Deus, aquele que foi iluminado, e esse vive, porque nele está a vida.
«Feliz o homem que me ouve e que vela todos os dias à entrada da minha porta», diz a Sabedoria, «e que é assíduo no umbral da minha casa» (Prov 8,34). «Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios», como diz a Escritura, «porque os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite», ou seja, na obscuridade da ignorância; «mas nós, que somos filhos do dia, sejamos sóbrios» (1Ts 5,6-8). «Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Nós não somos filhos da noite nem das trevas» (1Ts 5,5).
A exortação à vigilância ressoa de modo profundo em outros evangelhos. Marcos nos lembra: “Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o senhor da casa” (Mc 13,33-35), e Lucas acrescenta a promessa: “Felizes os servos que o Senhor, ao chegar, encontrar acordados” (Lc 12,37). Mateus, mais adiante, reforça a mesma mensagem nas virgens prudentes (Mt 25,1-13) e no exemplo do servo fiel que administra a casa do senhor com fidelidade (Mt 24,45-51). Esses paralelos sinóticos mostram que a tradição da Igreja primitiva compreendeu o apelo de Jesus como insistência fundamental: vigiar é existir diante de Deus no presente, sem adormecer no passado nem se perder em cálculos sobre o futuro. Já Antigo Testamento ecoava essa lógica de alerta e preparação. Habacuc diz: “Se demorar, espera, porque virá certamente, e não tardará” (Hab 2,3). Isaías convida: “Anda, povo meu, entra nos teus quartos, fecha as tuas portas por um momento, até que passe a indignação” (Is 26,20), mostrando que a vigilância também é refúgio e discernimento. Daniel anuncia: “Os que têm entendimento brilharão como o fulgor do firmamento, e os que ensinam a muitos a justiça, como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12,3). No Novo Testamento, Paulo insiste: “Já é hora de despertar do sono” (Rm 13,11) e o Apocalipse reafirma: “Eis que venho como ladrão. Feliz aquele que vigia e guarda as suas vestes” (Ap 16,15).
A vigilância é o contrário da anestesia espiritual. Psicologicamente, é consciência e discernimento frente às ilusões. Sociologicamente, é resistência a sistemas que anestesiam e adormecem. Filosoficamente, é viver com responsabilidade diante da finitude. Teologicamente, é fidelidade amorosa à Palavra e à comunidade, rejeitando clericalismos e toda fé transformada em mercadoria ou espetáculo.
Os Padres da Igreja compreendiam a vigilância como postura de vida. Orígenes ensinava que quem permanece desperto participa antecipadamente da vida eterna. Santo Agostinho dizia que vigiar é recusar o sono do pecado e manter acesa a chama do amor. São Basílio indicava que a oração noturna é exercício de sobriedade espiritual, mantendo cingidos os rins e acesa a lâmpada da alma. O Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, n. 63-66), adverte que o mundo apresenta falsas seguranças e ídolos modernos; o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium e na Fratelli Tutti, insiste que a vigilância se traduz em cuidado com os outros e rejeição da indiferença global. A vigilância é, portanto, ação ética e compromisso comunitário.
A reflexão de hoje retomamos a advertência de Jesus: vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Estar desperto é permanecer em amor, ser sensível aos sinais de Deus na história, servir aos irmãos e não aos próprios interesses. É como a noiva do Cântico dos Cânticos que vigia em busca do amado (Ct 3,1-4), é como a comunidade apostólica reunida na fração do pão que se mantém na esperança (1Cor 11,26). É o chamado a viver não na ansiedade, mas na fidelidade, na justiça, na esperança e na caridade, de modo que, quando o Senhor vier, nos encontre vigilantes, firmes e luminosos na fé.
DNonato – Teólogo do Cotidiano
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