sábado, 25 de outubro de 2025

Os três "T" no Jubileu das Pastorais Sociais.

 
Em outubro de 2025, Roma se tornou o epicentro de um evento histórico: o Jubileu das Pastorais Sociais, reunindo movimentos populares de todo o mundo, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTT) do Brasil. Este encontro, realizado entre 21 e 27 de outubro, foi um marco na continuidade do diálogo iniciado pelo Papa Francisco com os povos em luta por justiça social e dignidade humana. O ponto culminante foi a audiência com o Papa Leão XIV no dia 23 de outubro, seguida pelo Jubileu dos Movimentos Populares nos dias 25 e 26, que incluiu uma missa na Praça de São Pedro.

Durante este evento, o Papa Leão XIV reafirmou o compromisso da Igreja com os princípios da Doutrina Social, destacando a importância dos direitos à terra, teto e trabalho como fundamentais para a construção de uma sociedade justa e fraterna. O MST, representado por Ayala Ferreira, ressaltou a necessidade de aprofundar as reflexões sobre a lógica de consumo e desenvolvimento capitalista, propondo uma nova economia baseada na solidariedade e no cuidado com a "Casa Comum". Este encontro em Roma não foi apenas uma celebração religiosa, mas também um espaço de resistência e afirmação dos direitos dos povos. A presença do MST e do MSTT simbolizou a força da luta pela reforma agrária, pelo direito à moradia e por um trabalho digno, alinhando-se com os princípios evangélicos de justiça e compaixão pelos mais pobres. A participação desses movimentos no Jubileu das Pastorais Sociais reforçou a importância de uma Igreja que se coloca ao lado dos marginalizados e excluídos, buscando transformar estruturas sociais injustas e promover a dignidade humana.

O evento também evidenciou a continuidade do legado do Papa Francisco, que, desde 2014, tem incentivado o diálogo com os movimentos populares, reconhecendo-os como protagonistas na construção de um mundo mais justo. A audiência com o Papa Leão XIV e o Jubileu dos Movimentos Populares em 2025 reforçam esse compromisso, destacando a Igreja como um espaço de acolhimento, escuta e ação em favor dos pobres e excluídos. Em síntese, o Jubileu das Pastorais Sociais de 2025 em Roma foi um momento de profunda reflexão e renovação do compromisso da Igreja com os princípios da justiça social, da fraternidade e da solidariedade. A presença do MST e do MSTT, juntamente com outros movimentos populares, reafirmou a importância de uma Igreja que caminha junto aos pobres e marginalizados, buscando transformar o mundo à luz do Evangelho.  As palavras do Papa Leão XIV ressoam como eco do coração do Evangelho e das grandes encíclicas sociais que moldaram a consciência cristã ao longo dos séculos. Em meio a um mundo dilacerado por guerras econômicas, desigualdades crescentes e espiritualidades de consumo, sua voz recorda que não há fé verdadeira sem justiça concreta, nem oração autêntica que ignore a fome de quem vive ao lado. O Evangelho, quando fiel à sua origem, sempre toma partido da vida — e da vida inteira.

Leão XIV, retomando o espírito profético de Leão XIII, de João XXIII, de Paulo VI e de Francisco, reergue a bandeira da Doutrina Social da Igreja com vigor pastoral e lucidez histórica. Sua palavra denuncia a economia que transforma o ser humano em descartável e o planeta em armazém de lucros. Mas, sobretudo, anuncia a possibilidade de um novo pacto social inspirado na fraternidade evangélica: “a dignidade do trabalhador é a dignidade do próprio Deus que age na criação”, afirmou ele, evocando o Gênesis e a parábola dos talentos, em que o trabalho não é castigo, mas participação no ato criador.

Francisco, em seu tempo, havia condensado esse sonho nas três letras mais revolucionárias do Evangelho social: terra, teto e trabalho. Agora, Leão XIV retoma essas palavras como programa de uma Igreja que volta ao chão dos pobres, reconhecendo que nelas pulsa a essência do Reino anunciado por Jesus: o Reino onde os famintos são saciados, os exilados encontram abrigo e os trabalhadores têm pão e descanso.

Os “três T” — terra, teto e trabalho — tão proclamados por Francisco e agora retomados por Leão XIV, não são slogans de ideologia, mas ecos da própria Revelação. A Bíblia inteira se constrói sobre o clamor pela dignidade do corpo e do pão. Isaías anuncia um tempo em que “construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão de seus frutos” (Is 65,21), e os Atos dos Apóstolos narram uma comunidade em que “ninguém passava necessidade, pois tudo era posto em comum” (At 2,44-47). Falar de terra, teto e trabalho é retomar o sonho divino da criação, em que o ser humano é guardião da terra, não seu explorador; é trabalhador digno, não servo de mercado; é habitante de um lar, não exilado nas ruas. Chamar isso de comunismo é, na verdade, confessar o quanto o Evangelho incomoda os donos do poder. Desde Rerum novarum (1891), Leão XIII já denunciava o acúmulo de riqueza que “transforma o trabalho humano em mercadoria” e exigia justiça para o operário; e Francisco, na Evangelii gaudium (n. 192), recorda que “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum estão acima do conforto dos mais ricos”. Laudato si’ aprofunda esse apelo ao ligar a ecologia à justiça social, e Fratelli tutti (n. 118) recorda que “ninguém pode possuir legitimamente o que é necessário a todos”. Logo, os três T não são bandeira partidária, mas a síntese da utopia bíblica e cristã: um mundo onde Deus é amado na carne do trabalhador, na casa do pobre e no chão que dá fruto.

É sintomático que, ao longo da história, toda tentativa de pôr em prática o Evangelho social tenha sido chamada de subversão. Jesus também foi acusado de “agitar o povo” (Lc 23,5) por tocar as feridas da sociedade com compaixão e verdade. O mesmo espírito move os profetas e santos que, em nome da fé, desafiaram impérios e privilégios. Quando o Evangelho é reduzido a espiritualidade intimista ou devoção desvinculada da vida, torna-se refúgio confortável do sistema que Jesus veio desmascarar. Mas quando se encarna na história, o Evangelho volta a ser boa notícia para os pobres, anúncio de libertação e denúncia das injustiças. 

Leão XIV, ao insistir que “o trabalho é caminho de santidade” e que “a economia deve servir ao ser humano, não o contrário”, devolve à Igreja sua identidade missionária e profética. Sua fala é herdeira do Concílio Vaticano II, especialmente da Gaudium et spes, que afirma que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças dos discípulos de Cristo” (GS 1). Essa solidariedade encarnada é o coração da fé cristã.

O discurso de Leão XIV não é, portanto, um manifesto político, mas um chamado à conversão estrutural e espiritual. Um grito contra a idolatria do dinheiro, a desumanização do trabalho e o esquecimento do bem comum. Ao retomar o legado de Francisco e de seus predecessores, ele recorda à humanidade que não há paz sem justiça, nem fé sem partilha. E talvez aqui resida o núcleo mais incandescente de sua mensagem: o Evangelho não é neutro. Ele sempre se colocará ao lado da vida, contra toda forma de morte — e isso significa se comprometer com os pobres, com os migrantes, com os que não têm casa, terra nem dignidade reconhecida. Essa é a revolução mais antiga e mais nova do mundo: o Reino de Deus que começa quando o pão é dividido e a terra é cuidada como altar.

O Jubileu das Pastorais Sociais de 2025 em Roma representa um marco na história da Igreja, reafirmando seu compromisso com os princípios da justiça social, da fraternidade e da solidariedade. A presença do MST e do MSTT, juntamente com outros movimentos populares, destacou a importância de uma Igreja que caminha junto aos pobres e marginalizados, buscando transformar o mundo à luz do Evangelho. O Papa Leão XIV, ao retomar os princípios da Doutrina Social da Igreja, reforçou a necessidade de uma conversão estrutural e espiritual, colocando a dignidade humana no centro das preocupações e ações da Igreja.

Este evento não apenas celebrou a fé, mas também desafiou os participantes a viverem o Evangelho de forma concreta, comprometendo-se com a transformação das estruturas sociais injustas e promovendo a dignidade de todos os seres humanos. A mensagem central do Jubileu — Terra, Teto e Trabalho — continua a ecoar como um chamado à ação, à solidariedade e à9 construção de um mundo mais justo e fraterno.

DNonato – Teólogo do Cotidiano


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