domingo, 27 de julho de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 13,31-35

 
O Reino cresce em silêncio e esperança
Jesus não apresenta o Reino de Deus como espetáculo de poder nem como estrutura opressora. Ele o revela em imagens simples: a semente de mostarda, o fermento na massa. Em vez de exibir grandeza, aponta para o invisível que transforma. Esse Reino não se impõe — germina, silencia, espera, age por dentro. Está presente no cotidiano como o grão que rompe a terra ou o fermento que leveda a massa. É a pedagogia divina do pequeno.
Essa pedagogia não é acidental nem casual — é profundamente teológica. Desde o Antigo Testamento, Deus se revela como Aquele que age através do pequeno, do frágil, do que é desprezado. Escolheu Abraão, velho e sem filhos, para ser pai de uma multidão (Gn 17,5). Escolheu Moisés, gago e exilado, para libertar um povo inteiro (Ex 3,11). Levantou Davi, o menor dos filhos de Jessé, para se tornar rei (1Sm 16,11-13). E através de um resto, um “remanescente fiel” (Is 10,20-22), prometeu restaurar Israel. O Reino de Deus jamais se edifica a partir da lógica do mundo — ele subverte essa lógica.
Jesus se inscreve nessa linhagem profética e pedagógica: fala através do cotidiano, como Jeremias com o ramo de amendoeira (Jr 1,11-12) ou Amós com o cesto de frutas maduras (Am 8,1-2). A imagem da semente de mostarda, presente também em Marcos 4,30-32 e Lucas 13,18-19, não fala apenas de crescimento biológico ou numérico, mas de expansão que brota da vulnerabilidade. A menor de todas as sementes, quando lançada na terra, cresce e se torna árvore hospitaleira, “de modo que os pássaros do céu vêm fazer ninhos em seus ramos” (Mt 13,32). Essa imagem ecoa a linguagem profética de Ezequiel 17,23 e Daniel 4,9-12, símbolos da restauração e da inclusão dos povos. O Reino é universal, hospitaleiro, acolhedor (Is 2,2-4).
Já a parábola do fermento, também em Lucas 13,20-21, revela uma transformação interna, invisível e gradual. O fermento não se impõe sobre a massa, mas a transforma por dentro, com paciência, calor e tempo. Essa é a ação do Espírito, que Jesus comparará ao vento que sopra onde quer (Jo 3,8), e que Paulo identificará como agente da nova criação (2Cor 5,17). É a Palavra que penetra (Hb 4,12), é o amor que tudo transforma (Rm 5,5), é a esperança que move estruturas. Esse fermento é o oposto do fermento dos fariseus, criticado por Jesus (Mt 16,6; Lc 12,1), símbolo da hipocrisia institucionalizada, do legalismo opressor e da religião como controle.
O Reino é fermento da justiça (Is 58,6-8), da misericórdia (Mt 25,35-40), da esperança (Rm 8,24-25). Maria o acolhe em silêncio (Lc 1,38), José o protege em sonhos (Mt 1,24), e Jesus o vive no anonimato por trinta anos (Lc 2,51-52). Elias o escuta na brisa suave (1Rs 19,11-13). O Reino se manifesta nos gestos discretos de amor (Mt 6,3-4), na comunhão fraterna (At 2,42-47), no serviço escondido que transforma o mundo por dentro.
Essa lógica contrasta radicalmente com a teologia da prosperidade, que afirma que a bênção divina é visível, mensurável, associada ao sucesso, à riqueza, ao prestígio. Contra essa ilusão, o fermento evangélico recorda que o Reino começa onde ninguém vê — como o grão de trigo que precisa morrer para frutificar (Jo 12,24), como o servo que lava os pés (Jo 13,14), como o crucificado que revela a glória de Deus (Jo 19,30). A cruz não é fracasso: é fermento da ressurreição.
As parábolas do Reino também dialogam com a lógica das bem-aventuranças (Mt 5,3-12), onde os pobres, os mansos, os que choram e os que têm fome de justiça são declarados felizes. Não porque estejam em situações desejáveis, mas porque neles está plantado o Reino. A semente da justiça germina onde há compaixão. O fermento da misericórdia age onde há abertura e escuta. O Reino é uma árvore que acolhe, um fermento que transforma toda a massa. A fé não é um privilégio privatizado. É comunhão. É corpo. É compromisso com os outros (Fl 2,4; Tg 1,27; 1Jo 3,17).
Essa fé do pequeno e essa esperança paciente rompem com o individualismo que permeia muitas práticas religiosas. O Reino é relacional. Não existe fé autêntica sem solidariedade. Paulo exorta: “Cada um cuide também dos interesses dos outros” (Fl 2,4). Tiago completa: “A religião pura é cuidar dos órfãos e viúvas” (Tg 1,27). O Reino exige corpo, comunidade, vínculo.
A pedagogia do pequeno também revela que Deus tem uma pedagogia histórica. Ele age no tempo, não na pressa. O povo hebreu esperou séculos pela libertação. Os profetas anunciaram a justiça mesmo sem vê-la. Maria concebeu em silêncio. José sonhou e obedeceu. Jesus viveu três décadas no anonimato. O Espírito foi soprado em um cenáculo escondido (At 2). O Reino se constrói no chão da história, não nas promessas fáceis da religião performática nem no ufanismo da fé-espetáculo.
É por isso que Evangelii Gaudium afirma: “O tempo é superior ao espaço” (EG, 222). O Reino não precisa ocupar visivelmente os espaços do poder, mas ser cultivado no tempo da vida, da escuta, da presença junto ao povo. E Fratelli Tutti insiste: “A caridade política é a forma mais alta da caridade” (FT, 180). O fermento do Reino não é alienação, mas compromisso com justiça, paz e dignidade.
A patrística também reconheceu o valor dessa lógica divina. Santo Agostinho advertia: “Não desprezes os pequenos começos: a grande árvore começa do minúsculo grão” (Sermão 72). São Gregório Magno dizia que o verdadeiro pastor conhece o ritmo da semente: sem ansiedade, mas com zelo fiel. Santa Teresinha, em seu “pequeno caminho”, vivia a confiança cotidiana. Eles sabiam que o Reino se constrói na fidelidade aos processos, não na busca por resultados imediatos.
Na contramão do clericalismo e da religião do espetáculo, onde a fé vira produto, o Reino se revela como fidelidade no cotidiano. O altar não é palco. A liturgia não é performance. O Evangelho não é slogan publicitário (2Tm 4,3-4). A fé não é elitista. É partilha, comunhão (At 4,32), justiça encarnada na política (Jr 22,3), na economia (Am 8,4-6), na cultura (At 17,22-28), na educação (Dt 6,7). A fé que não gera pão e liberdade não é fermento — é fermentação de ilusões.
Por isso, hoje, somos chamados a cultivar a espiritualidade do pequeno. A confiar na semente lançada, mesmo sem ver os frutos. A ser fermento na massa da humanidade: na sala de aula, na fábrica, no hospital, na comunidade, no campo e na cidade. O Reino precisa de gente que semeia em silêncio e mistura a justiça nas estruturas da vida comum.
Como nos lembra Gálatas 6,9: “Não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo oportuno colheremos, se não desanimarmos.” Como afirma o Salmo 126, “os que semeiam em lágrimas colherão com alegria”. E como diz Apocalipse 3,8 à Igreja pequena e fiel: “Tens pouca força, mas guardaste a minha Palavra. Eis que pus diante de ti uma porta aberta que ninguém pode fechar.”
A força do Reino está na fraqueza (2Cor 12,9). Seu poder está no serviço (Mt 20,26-28). Sua glória, na cruz (Gl 6,14). Sua vitória, no amor (Jo 13,1).


DNonato — Teólogo do Cotidiano

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.