terça-feira, 29 de julho de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 13,44-46


"O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bense compra aquele campo. (Mt 13,44)

O Evangelho desta quarta-feira  da 17ª semana do Tempo Comum apresenta duas parábolas curtas e luminosas: o tesouro escondido no campo e a pérola preciosa (Mt 13,44-46). Ambas giram em torno da lógica da descoberta e da decisão radical. Não se trata de uma troca por valor equivalente, mas da disposição em abandonar tudo por aquilo que se revelou infinitamente superior. Aqui, Jesus nos propõe não uma religião de práticas rituais ou garantias institucionais, mas uma vivência radical de sentido: o Reino de Deus como a realidade última que relativiza todas as outras. 

A lógica do Reino é oposta à do mercado. No mundo, valoriza-se o que pode ser contado, acumulado, exposto. No Reino, o valor é invisível, escondido como o fermento na massa (Mt 13,33), o grão na terra (Mc 4,26-29), o tesouro sob o campo. Por isso, só vê quem se dispõe a procurar com humildade. Como diz o livro dos Provérbios, «se buscares a sabedoria como prata e a procurares como tesouros escondidos, então compreenderás o temor do Senhor» (Pr 2,4-5). O Reino não se impõe, se revela; não se compra, se acolhe. Jesus, o Cristo, é esse tesouro e essa pérola. Em sua humanidade concreta, nascido da mulher e entre os pobres (Gl 4,4; Mt 1,18-25), Deus se fez próximo. Cristo é a Sabedoria eterna encarnada (cf. Sb 7,26), «em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento» (Cl 2,3). Encontrá-lo é deixar-se desinstalar: vender o campo da segurança, das posses, da religião como sistema de controle, e aderir com liberdade ao Reino como processo de conversão. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6), e quem a Ele se entrega encontra tudo. Como diz o salmista: «Senhor, Vós sois a parte da minha herança» (Sl 15,5).

Mas esse encontro não é individualista, místico ou emocionalista. O campo onde o tesouro está escondido é o campo da Escritura, da comunidade, da história. Como diz Orígenes, «o campo é a Escritura, e o tesouro é Cristo». Quem o encontra, vende tudo – mas não como perda, e sim como liberdade. Não se trata de um moralismo que exige renúncias para merecer bênçãos, mas de uma liberdade interior que relativiza tudo à luz do Reino. Por isso, a proposta de Jesus é clara e livre: «Se queres ser perfeito…» (Mt 19,21). A perfeição não é mandamento, é caminho para quem quer mais. Não é imposição, é convite. E isso revela a pedagogia do Reino: tudo se oferece, nada se impõe..  Em contraste, as teologias da prosperidade e do domínio pervertem essa lógica. Fazem do Evangelho um balcão de negócios, um palco de promessas terrenas, um teatro de autopromoção. Anunciam um Cristo sem cruz, um Reino sem conversão, uma fé sem seguimento. Vendem “pérolas falsas” a alto preço: cultos-show, espiritualidade de likes, bênçãos tarifadas. Mas o verdadeiro Cristo – pobre, servo, crucificado e ressuscitado – é tesouro que não se compra, só se acolhe. Como disse Pedro a Simão, o mágico: «Pereça contigo o teu dinheiro, pois pensaste adquirir com dinheiro o dom de Deus» (At 8,20).

O Reino não é apenas um evento íntimo, é também realidade histórica e social. Encontrar o tesouro é descobrir-se parte de um povo que caminha. A parábola do campo, no contexto do Evangelho de Mateus, não é alheia ao chão das bem-aventuranças (Mt 5,1-12), onde os pobres, os mansos, os que têm fome e sede de justiça são os herdeiros do Reino. O campo é também o mundo (Mt 13,38), onde o Reino cresce entre joio e trigo, onde a presença do tesouro não elimina a luta, mas ilumina o caminho. Por isso, quem encontra o Reino, encontra também uma vocação comunitária: ser fermento, sal e luz (Mt 5,13-16). O discípulo torna-se então anunciador e partícipe da nova lógica de Deus.

Essa lógica desconcerta o clericalismo, pois descentraliza o poder e convida todos à participação. Desafia o individualismo, pois mostra que a salvação é sempre em comunhão. Rompe com a fé como mercadoria, pois revela que Deus não se vende nem se compra: é dom. E provoca os que, iludidos por um “cristianismo triunfalista”, buscam missões longe sem perceber que o campo a ser comprado é o da própria realidade local, com suas feridas, injustiças e clamores.

O Reino é como a Sabedoria que o autor do livro da Sabedoria preferiu aos cetros e tronos: «Tudo o julguei nada em comparação com ela» (Sb 7,8). Assim também Paulo, o apóstolo, afirmou: «Considero tudo como perda diante da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor» (Fl 3,8). A parábola da pérola nos recorda que o verdadeiro valor da vida está naquilo que não pode ser perdido nem comprado. Quem encontra Cristo reencontra tudo, até o que parecia perdido.

O Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes, insiste que o ser humano só se realiza verdadeiramente quando se dá por inteiro (GS 24). É o que se vê na parábola: o homem dá tudo e, ao dar tudo, encontra a plenitude. Aquele que encontra o Reino se torna também sinal escatológico do mundo novo, como anunciado no Apocalipse: «Vi um novo céu e uma nova terra…» (Ap 21,1). Mas o novo só nasce da renúncia amorosa, não da acumulação piedosa. É preciso dar-se, como o Filho do Homem que «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10,45).

Oremos

Senhor Jesus, Tesouro escondido no campo do mundo e Pérola preciosa entre os pobres, dá-nos olhos para reconhecer-Te, coragem para vender tudo e coração para seguir-Te. Que sejamos teus comerciantes loucos, que trocam o mundo pelo Reino e que vivem da esperança daquele dia em que tudo será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28).

DNonato – Teólogo do Cotidiano

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