Jesus não quer os seus discípulos fechados em suas casas, em suas comodidades. Nossa vida cristã não pode reduzir-se a um grupo isolado do mundo. Isso espera-se de quem cultiva o ódio, o interesse mesquinho e a superficialidade. Jesus nos pede outra coisa: quer que sejamos sal e luz para o mundo. Não para alcançar poder ou demonstrar que somos mais, mas para darmos glória ao Pai com a nossa vida. Rezemos hoje pedindo a graça de sermos missionários e anunciarmos Jesus a todas as pessoas e em todos os lugares. Que a luz do Cristo brilhe e ilumine a vida de cada homem e mulher.
Essas palavras de Jesus em Mateus 5,13-16 nos remetem ao coração do Sermão da Montanha, onde o Mestre revela as exigências radicais do Reino. O contexto imediato dessa passagem vem após as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), nas quais Ele proclama felizes os pobres em espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça. O discípulo de Jesus, portanto, é aquele que já foi tocado por esse espírito das Bem-aventuranças e agora é enviado ao mundo como sinal visível do Reino.
A imagem do sal da terra é eco do Antigo Testamento, onde o sal era símbolo da aliança (cf. Lv 2,13; Nm 18,19; 2Cr 13,5). Ser sal é manter viva a aliança com Deus, conservando os valores do Evangelho mesmo em meio à corrupção e à decadência da sociedade. Já a luz do mundo remete à vocação de Israel de ser “luz para as nações” (Is 49,6), missão agora ampliada aos discípulos de Jesus. Essa luz, porém, não é para ostentação: “para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16). O testemunho é o que evangeliza, como também ensina Pedro: “sede sempre prontos a responder a todo aquele que vos pedir razão da vossa esperança, mas com mansidão e respeito” (1Pd 3,15-16).
A Palavra nos interpela com força neste tempo em que muitos querem privatizar a fé, confinando-a às paredes dos templos. O Documento 105 da CNBB denuncia esse processo e afirma com clareza: “os cristãos leigos e leigas são verdadeiros sujeitos eclesiais” (n. 75), chamados a viver sua fé no mundo, como sal que dá sabor e luz que ilumina. Uma Igreja que não se envolve com a realidade do povo, que se esconde sob estruturas de poder clerical, contradiz o Evangelho. Paulo já advertia os cristãos da Galácia: “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Essa liberdade deve ser usada a serviço dos outros, especialmente dos mais fracos.
Hoje, a extrema direita tenta capturar os símbolos cristãos para fins políticos, muitas vezes incitando o ódio, o preconceito e a exclusão. Mas Jesus foi claro: “Não pode a árvore boa dar frutos maus” (Mt 7,18). Fé que se alia à opressão é falsa. Uma espiritualidade que se cala diante do sofrimento dos pobres trai o Cristo crucificado. O profeta Isaías já denunciava a falsa religiosidade de um povo que jejuava e rezava, mas oprimia seus irmãos: “Acaso não é este o jejum que escolhi: soltar as correntes da injustiça?” (Is 58,6).
A fé cristã verdadeira é fermento na massa (Mt 13,33), pequena presença que transforma a realidade. A missão dos leigos, como afirma o Documento 105, é ser Igreja no mundo, não apenas na liturgia ou nos movimentos, mas na política, na economia, na educação, nas redes sociais, na luta pelos direitos humanos. Como nos ensina Paulo, “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12,2).
Essa luz que deve brilhar não é nossa, mas de Cristo: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas” (Jo 8,12). É essa luz que nos foi confiada. Por isso, Paulo nos exorta: “Sede irrepreensíveis e puros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração perversa, entre a qual brilhais como astros no mundo” (Fl 2,15). O discípulo não se esconde. Ele se compromete, denuncia, constrói, reconcilia, mesmo quando isso custa. Como disse Jesus: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).
Rezemos, pois, pedindo a graça de não nos conformarmos à cultura do medo, da indiferença e da mentira. Que sejamos sal que preserva a dignidade, luz que aponta o caminho. Que não nos cansemos de anunciar, como profetas, a esperança do Reino, mesmo quando isso nos colocar contra os poderes do mundo. “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16). Que a nossa vida dê glória ao Pai – não com palavras vazias, mas com gestos concretos de amor, justiça e misericórdia.
Prof. DNonato – Teólogo do cotidiano.
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