“Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” (Jo 15,12). Jesus nos oferece mais do que uma ordem moral: Ele nos revela o caminho da vida plena. Amar como Ele amou é dar a vida, não por obrigação, mas por escolha livre, por convicção evangélica. É o que Ele espera de seus amigos. E é isso que transforma o mundo.
Jesus não nos quer como servos obedientes e distantes, mas como amigos íntimos, cúmplices da sua missão, partícipes de seu amor que se doa até o fim. E esse amor fraterno nos obriga a olhar os outros não como ameaça, concorrência ou peso, mas como irmãos.
A Bíblia inteira é atravessada por esse apelo ao amor que se traduz em justiça. No Antigo Testamento, o livro do Levítico já nos adverte: “Não te vingarás, nem guardarás rancor... amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.” (Lv 19,18). E o profeta Miquéias resume o caminho do justo: “Já te foi dito, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige de ti: praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com teu Deus.” (Mq 6,8)
Essa passagem faz parte dos discursos de despedida de Jesus, durante a Última Ceia (Jo 13–17). É um momento tenso e denso: Jesus sabe que está prestes a ser entregue, traído, julgado, morto. Mas não se fecha em si mesmo. Ao contrário, abre o coração e transmite aos discípulos aquilo que é mais importante. No centro está o amor, não como ideal abstrato, mas como mandamento encarnado: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” (Jo 15,12)
Na Palestina do século I, sob o domínio do Império Romano, a palavra “amigo” tinha conotações políticas e sociais fortes. Os “amigos do rei” ou “do imperador” eram conselheiros íntimos, com acesso privilegiado ao poder. Ao chamar os discípulos de amigos, Jesus subverte essa lógica: seus amigos são os que ouvem a Palavra e a praticam, os que servem, perdoam, lavam os pés uns dos outros. O poder que Jesus confia aos amigos não é o de dominar, mas o de amar até as últimas consequências.
Essa radicalidade do amor como critério não apenas espiritual, mas social e político, estava também na contramão da lógica religiosa da época, que muitas vezes se apegava à Lei, mas esquecia da misericórdia. Jesus retoma o coração da Torá, onde amor e justiça caminham juntos, e o entrega a seus amigos como missão.
Martin Luther King Jr., pastor batista da Igreja Batista Ebenezer em Atlanta (EUA), entendeu isso quando disse: “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar.” E também: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.” Sua fé o levou às ruas, à resistência pacífica, à denúncia do racismo, porque ele sabia que o amor cristão exige posicionamento.
Desmond Tutu, arcebispo anglicano da Igreja da Província da África Austral, afirmou certa vez: “O bem, quando não é organizado, é impotente diante do mal.” E também disse: “Se você é neutro em situações de injustiça, escolheu o lado do opressor.” Seu combate ao apartheid e sua defesa do perdão e da reconciliação mostram que amar o próximo, especialmente o oprimido, é um gesto profundamente espiritual e radicalmente político.
Dizer hoje que amamos como Jesus amou também nos coloca diante das realidades de exclusão e injustiça em nosso tempo. Não se trata de um amor desencarnado, mas de um amor que toma partido dos pobres, como recordam os bispos latino-americanos em Aparecida: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza” (DAp 393).
Vivemos uma era de radical polarização, onde o amor é substituído por discursos de ódio, e o Evangelho, muitas vezes, instrumentalizado por interesses ideológicos. Defender os pobres e marginalizados não é “tomar partido político”; é tomar partido de Deus. No Antigo Testamento, Ele mesmo declara: “Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça, ajudai o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.” (Is 1,17)
Mas é preciso também dizer, com dor e clareza: há muitos que se dizem amigos de Jesus, mas traem esse mandamento. Há bispos, padres, diáconos e líderes que esqueceram o Evangelho, que abandonaram a missão e se apegaram aos privilégios. Tornaram-se empresários da fé, negociantes do templo, pastores do próprio ventre. Vestem-se de honra, mas negam a cruz; falam de Cristo, mas seguem a lógica do mercado. Fazem do altar um palco e da Palavra uma mercadoria.
Esse é o pecado do clericalismo, denunciado tantas vezes por Francisco. Um mal que transforma o serviço em poder, a missão em carreira, a fé em produto. São os mesmos que falam em nome de Deus, mas se recusam a lavar os pés dos pequenos. Os mesmos que se calam diante da fome, do racismo, da homofobia, da violência contra as mulheres – mas gritam quando seus privilégios são questionados.
Jesus não morreu para fundar uma elite religiosa, mas para formar uma comunidade de irmãos e irmãs, reconciliados pelo amor. Seu Evangelho é revolução da ternura, não mercado da salvação. E sua cruz é denúncia de todos os sistemas – inclusive eclesiásticos – que fazem do amor um pretexto para o poder.
O Papa Francisco, ao nos lembrar da fraternidade universal na Fratelli Tutti, dizia: “O amor que rompe as cadeias que nos isolam e separa, constrói pontes.” (FT 62). Amar como Jesus nos amou é construir pontes onde o mundo insiste em erguer muros.
Peçamos, pois, a graça de um amor comprometido, lúcido, firme, compassivo. Um amor que não se acomoda na neutralidade, mas se entrega – como o de Jesus – por cada irmão e irmã.
Amar como Jesus amou é escandaloso para um mundo movido por interesses, lucro e competição. É por isso que esse amor incomoda, denuncia, liberta. Não há cristianismo verdadeiro sem a cruz do compromisso, sem a entrega cotidiana, sem a disposição de dar a vida — não em discursos bonitos, mas na coragem de caminhar com os últimos.
Ele não nos chama servos, mas amigos. Amigos que não se vendem, que não se calam, que não se afastam dos pobres e pequenos. Amigos que não têm medo de amar até o fim. Esse é o caminho. É duro, é estreito. Mas é o único que leva à vida.
E, como dizia o profeta: “Se te calares agora, socorro e livramento surgirão de outra parte... quem sabe se não foi para um tempo como este que chegaste à posição em que estás?” (Ester 4,14)
Hoje, o tempo é este. O chamado é claro. A resposta é nossa.
DNonato – Leigo católico, graduado em História; buscando amar dia após dia, mesmo sabendo que ainda não sei amar como Ele amou.
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