terça-feira, 10 de junho de 2025

Um breve olhar em Mateus 10, 7-13

 


“Ide e proclamai: ‘O Reino dos Céus está próximo’. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça deveis dar.” (Mt 10,7-8)

Em Mateus 10,7-13, observamos um envio missionário que espelha o total desprendimento dos discípulos em relação a tudo o que as estruturas mundanas consideram essencial. Este envio não é uma mera instrução sobre pregação, mas uma orientação profética e política para a transformação radical das condições de vida. O Reino dos Céus que se aproxima não é um refúgio de escapismo ou um futuro distante, mas uma realidade presente que se manifesta na ação de libertação e cura. Assim, a missão transcende o mero anúncio verbal, sendo um gesto concreto de transformação e restauração de corpos e almas. Em paralelo com Marcos 6,12-13, a missão é igualmente marcada pela ação: “E saindo, pregavam que as pessoas se arrependessem. E expulsavam muitos demônios e curavam muitos enfermos, ungindo-os com óleo.” Curar os doentes e expulsar os demônios são atos políticos contra o império da morte e da opressão, combatendo a miséria e o sofrimento gerados pelo sistema.

O envio dos apóstolos também sublinha a dependência absoluta da providência divina. Jesus instrui seus discípulos a não levarem ouro, prata ou cobre, uma mensagem que também é profundamente antissistêmica. No contexto atual, onde a teologia da prosperidade frequentemente reduz o Evangelho a um mecanismo de enriquecimento pessoal, Jesus oferece uma proposta radicalmente contrária: o Reino de Deus não pode ser adquirido ou controlado como uma mercadoria. Não se compra e não se vende. A missão dos discípulos é movida pela confiança plena no amor e na providência de Deus, conforme lembrado em Mateus 6,25-34, onde Jesus nos ensina a não nos preocuparmos com o que vamos comer ou vestir, porque o Pai Celestial sabe de nossas necessidades. A crítica à teologia da prosperidade é clara: a fé cristã não se resume a uma fórmula para obter riquezas pessoais, mas é um compromisso com a justiça e a solidariedade. O Evangelho de Lucas nos reforça essa instrução em Lucas 10,4, quando diz: “Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias...”, mostrando que a missão não depende dos bens materiais, mas da confiança no Deus da história.

“E, ao entrar numa casa, saudai-a com a paz. Se a casa for digna, a vossa paz virá sobre ela; mas, se não for digna, a vossa paz voltará para vós.” (Mt 10,12-13)

A saudação de paz que Jesus instrui os discípulos a oferecerem é um gesto de acolhimento e respeito, mas também de exigência. O oferecimento de paz não é um simples cumprimento, mas um desafio à receptividade da mensagem do Reino. Se a paz não for acolhida, ela retorna aos discípulos, como um símbolo da resistência da comunidade à Boa Nova. Este é um ensinamento que remete ao próprio ensino de Jesus em João 14,27: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá.” A paz cristã não é ausência de conflito, mas justiça que brota da reconciliação. Ela só se estabelece onde há disposição de ouvir a palavra e viver o Reino que é dom de Deus e não imposição humana.

A hospitalidade, portanto, transcende um simples valor cultural; é um elemento vital da missão. O que os discípulos oferecem é a paz do Reino, que busca transformar as estruturas de exclusão e marginalização. A recusa dessa paz, por outro lado, aponta para uma resistência ao evangelho, como é dito em Mateus 23,37: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados!” A rejeição do mensageiro do Reino é sempre uma rejeição do próprio Deus, como vemos em vários momentos da história bíblica, em que os profetas de Israel são perseguidos por denunciar a injustiça social. A missão, portanto, não é um ato passivo ou neutro, mas um gesto de confronto com as estruturas injustas. Como afirma o teólogo Gustavo Gutiérrez, a missão cristã é sempre uma missão de libertação. E a verdadeira paz, a paz que Cristo oferece, não pode ser separada do compromisso com a justiça social. Ao enviar seus discípulos, Jesus não os manda se esconderem em templos ou se acomodarem em status confortáveis; ele os envia ao encontro das realidades de sofrimento, para curar, libertar e transformar a sociedade.

E aqui entra a crítica profunda ao clericalismo e à religião vazia, que, ao longo dos séculos, tem se distorcido para manter o status quo de dominação. O poder clerical que se utiliza do nome de Deus para controlar, excluir e acumular riquezas é uma afronta direta à mensagem do Evangelho. Jesus, ao enviar os apóstolos sem recursos materiais, nos ensina que a missão do cristão é entregue a Deus e ao próximo, e que a Igreja não pode se associar ao poder terreno, mas deve ser uma testemunha radical de humildade, pobreza e solidariedade. O Papa Francisco, em suas últimas palavras, sempre defendeu essa Igreja em saída, ao contrário de uma Igreja voltada para a conservação de privilégios. No mesmo sentido, é importante notar que Jesus também rejeita o culto vazio e as falsas formas de espiritualidade, como observamos em Mateus 15,8-9: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.” A verdadeira espiritualidade, portanto, não se resume a rituais vazios, mas se traduz em gestos concretos de acolhimento, partilha e transformação das estruturas sociais injustas. É uma espiritualidade do corpo e da história, que se encarna na luta pela dignidade e pela liberdade dos oprimidos.

A figura de Barnabé, celebrado no dia 11 de junho, nos lembra que a verdadeira missão é solidária e inclusiva. Barnabé foi aquele que acolheu Paulo, o apóstolo dos gentios, e o ajudou a vencer a desconfiança dos cristãos mais antigos. Ele foi um exemplo de generosidade e coragem, capaz de ver o valor naqueles que, à primeira vista, eram vistos como marginais ou inimigos. Sua vida nos inspira a viver a solidariedade cristã e a promover uma Igreja de inclusão, que não se prenda ao poder ou ao prestígio, mas que saiba reconhecer a força de Deus nos lugares mais humildes e ignorados pela sociedade.

A passagem de Mateus 10,7-13 nos chama a uma fé encarnada e comprometida. Não se trata de acreditar para ir ao céu, mas de colocar os pés na terra para transformar as estruturas que negam o Reino. Isso exige coragem, fé viva, espírito de partilha, abertura ao outro e denúncia profética.

A missão é libertadora quando se alinha com os pobres, quando não se vende ao poder, quando cura e devolve dignidade. Que a nossa fé não seja cúmplice da opressão, mas sim um motor de transformação histórica, como tão bem ensinava Dom Pedro Casaldáliga: “A fé que não se traduz em libertação não é fé cristã.”



DNonato — Teólogo do cotidiano, discípulo do Reino em construção

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