A regra geral, prevalecente no âmbito do direito autoral, é a de que qualquer utilização da obra protegida depende de autorização prévia e expressa do titular dos direitos de autor. Essa determinação encontra previsão legal no artigo 29, da Lei n.º 9.610, de 19.2.1998, a qual dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual no país. Entretanto, a própria lei tratou de estabelecer limitações aos direitos assegurados ao autor, permitindo, em certas hipóteses, a utilização de obra sem a anuência do titular dos seus direitos. O caso das paródias é, sem dúvida, um dos que desperta maior curiosidade e atenção, seja por sua popularidade, seja pelas características que fazem uma obra possuir essa natureza.
Paródias são criações que imitam outras obras, com objetivo
cômico. Um parodista é um crítico, que ridiculariza uma criação, fazendo o
observador analisar uma determinada obra de forma lúdica (Mashal, Understading
Copyright Law, LexisNexis). É o que José de Oliveira Ascensão chama de
“tratamento antiético do tema” (Ascensão, Direito Autoral, Renovar). Pela
natureza da paródia, o parodista utiliza-se de elementos de expressão fixada em
obra pré-existente, criando uma obra derivada. Tanto obras musicais, como
audiovisuais ou literárias podem ser parodiadas. Exemplos típicos são os
quadros do programa televisivo “Casseta & Planeta”, que imitam, de forma
cômica, as novelas exibidas pela Rede Globo.
Todavia, tendo em vista o tom cômico e jocoso que é atribuído
à criação original, podem ocorrer conflitos entre o parodista e o titular dos
direitos de autor da obra original. Haveria a possibilidade de o titular dos
direitos de autor não autorizar a realização da paródia, apenas para não ter a
sua obra circulando de maneira divergente da que idealizou, ainda que nenhum
prejuízo lhe fosse causado. Conforme afirmou o Ministro da Suprema Corte dos
Estados Unidos David Souter, em voto proferido em julgamento daquele Tribunal,
“as pessoas pedem por críticas, mas apenas querem elogios.” Campbell v.
Acuff-Rose Music, Inc., 510 U.S. 569, 592 (1994). Por essa razão, optou o legislador por conferir liberdade à criação
de paródias, conforme previsão do art. 47, da Lei 9.610/98. Note-se que a
ausência de autorização prévia do autor se justifica pelo grande interesse da
coletividade na proliferação dessas criações, que conferem um tom humorístico e
crítico a obras conhecidas do público em geral.
Para ser paródia, uma criação não pode simplesmente
reproduzir uma obra originária. Terá, basicamente, que transmitir duas
mensagens ao mesmo tempo simultâneas e contraditórias ao público: a de que está
se falando da obra parodiada, mas a de que não é a obra parodiada. Black
Dog Tavern Co. v. Hall, 823 F. Supp. 48, 53 (Mass. Dist. Ct. 1993). Para tanto, o parodista deve ser
autorizado a fazer uso de elementos distintivos e significativos da obra
original e até mesmo do âmago do original, tudo para assegurar que o público
associe a paródia à criação primígena. Contudo, não poderá empregar mais que o
necessário para realizar essa associação. Campbell, 510 U.S., at 589. Caso as
criações sejam bastante similares, tornando difícil a diferenciação entre
ambas, causando confusão no mercado, será caso de violação dos direitos do
autor. O uso de elementos da obra original terá sido excessivo, não tendo sido
transmitida a mensagem de que se trata de obra distinta.
Além disso, as paródias não podem implicar descrédito à obra
originária. Esse requisito, também estabelecido no artigo 47, da Lei n.º
9.610/98, entretanto, não deve ser tratado com rigidez, até pela subjetividade
envolvida na apreciação do tema. As paródias, por sua natureza, ridicularizam a
criação original, de maneira cômica. Há, como já dito, um “tratamento antiético
do tema”. Apenas em situações em que, devido à desonra imposta, a paródia possa
influir no mérito do trabalho do autor, prejudicando a sua exploração
comercial, é que se deve descaracterizá-la. Não se pode somente levar em
consideração a opinião do autor, mas a efetiva existência de prejuízos. Nesse
ponto, a lei brasileira se preocupa com a preservação da reputação da obra e, consequentemente,
do próprio direito moral do autor (art. 24, IV, da Lei 9.610/98).
Tendo os direitos de autor características peculiares, é
necessário manter um equilíbrio entre o interesse privado do autor e o
interesse da sociedade na obra protegida (Cabral, A Nova Lei de Direitos
Autorais, Habra). A análise de uma paródia deve ser feita à luz desse
princípio. O legislador optou por conferir liberdade, tornando desnecessária
qualquer autorização do titular dos direitos da criação primígena, para a
confecção de paródias. Assim, salvo situações que acarretem verdadeira confusão
com a obra originária ou causem embaraços à sua exploração comercial por
descrédito, a regra preponderante é que as paródias são livres e independem de
autorização do titular dos direitos do original.
Flávio
J. de Moraes Jardim Mestre em Direito Americano pela Boston
University, professor de Direito Autoral do Centro Universitário de Brasília –
Uniceub, advogado inscrito na OAB-DF e no Third Judicial Department do Estado
de Nova York, EUA
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