Mais um 7 de setembro atravessa a história recente do Brasil. No Santuário Nacional de Aparecida, os passos de trabalhadores e trabalhadoras se transformaram em oração e denúncia, na 38ª Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras. Ali, o clamor não era por desfiles ou armas, mas por soberania, justiça social e dignidade. Enquanto isso, em tantas cidades, os desfiles oficiais se misturavam a gritos de rua: de um lado, o 31º Grito dos Excluídos, que pedia o fim da jornada desumana 6x1, a defesa do trabalho, da terra e da vida; do outro, grupos que, sob a máscara de patriotismo, gritavam pela manutenção de privilégios e erguiam bandeiras estrangeiras como se fossem mais importantes do que o verde e amarelo.
É preciso dizer com clareza: ali, em Aparecida, estava o verdadeiro sentido da pátria. Porque pátria não se resume a um pano colorido tremulando ao vento, mas se encarna na vida concreta de quem acorda cedo, enfrenta ônibus lotado, sustenta a casa com salário mínimo e ainda assim encontra forças para lutar. É esse povo que constrói o Brasil, não aqueles que se travestem de patriotas enquanto servem a interesses externos, carregando com orgulho bandeiras de outros países como se fossem extensão de nossa identidade.
Hoje vemos os frutos desse ensino torto. Uma parte da população acredita que defender soberania, direitos trabalhistas e justiça social é sinal de “ameaça comunista”. Como se pedir pão fosse subversão. Como se a luta pelo SUS, pela escola pública e pela dignidade do trabalho fosse conspirar contra o Brasil. O mais irônico é que os mesmos que gritam contra o “vermelho” da bandeira não enxergam que, ao se ajoelharem diante do vermelho, branco e azul dos Estados Unidos, rasgam a soberania que dizem defender.
A filosofia política já nos ensinou que o verdadeiro patriotismo não é obediência cega ao poder, mas compromisso com a liberdade e a justiça. Rousseau diria que não há pátria onde há miséria. Marx lembraria que a pátria dos trabalhadores é o mundo inteiro, mas que, antes de tudo, é preciso conquistar dignidade em sua própria terra. Paulo Freire mostraria que o amor à pátria nasce na consciência crítica, não na repetição de hinos em salas de aula militarizadas. O patriotismo sem justiça social é apenas máscara para esconder privilégios.
Neste 7 de setembro, vimos duas pátrias se confrontando: uma pátria viva, feita de povo em marcha, trabalhadores e trabalhadoras em romaria, gente que grita porque sabe que silêncio é cumplicidade; e uma pátria falsa, de quem veste verde e amarelo como fantasia, mas se curva diante de bandeiras estrangeiras. A pergunta que ecoa é:
- Quem ama mais o Brasil?
- Quem denuncia a exploração e exige soberania, ou quem se contenta em ser colônia de interesses alheios?
O profetismo da Romaria e do Grito dos Excluídos revela que a bandeira verdadeira não é de tecido, mas de carne e sangue, de suor e esperança. Ela é tecida nas fábricas, nas roças, nas periferias, nas mãos calejadas que constroem a nação dia após dia. E essa bandeira, sim, pode ser vermelha: não do comunismo temido, mas do sangue derramado por aqueles que nunca deixaram de lutar por justiça.
No fim, o falso patriotismo se desmancha como pó, porque amar o Brasil não é temer o vermelho, mas cuidar do verde das florestas que ainda resistem, do amarelo das riquezas que não podem ser entregues a poucos, do azul do céu que não se negocia, e do branco da paz que só se constrói com justiça. A bandeira não é um pedaço de pano, mas um compromisso vivo. Ela pulsa nas mãos dos que lutam, nas vozes que gritam, nos pés que caminham, nos olhos que ainda sonham.
Sim, a bandeira verdadeira pode ser vermelha — não do fantasma do comunismo inventado para amedrontar corações ingênuos, mas do sangue que escorreu de homens e mulheres que tombaram em greves, marchas, lutas pela terra e pela dignidade. Vermelho como o coração que insiste em bater, mesmo quando a pátria o sufoca.
E o grito dos excluídos ecoa como profecia: não haverá independência enquanto houver fome, não haverá soberania enquanto houver miséria, não haverá pátria enquanto houver trabalhadores tratados como descartáveis. O desfile oficial pode encher as avenidas de fardas e canhões, mas o verdadeiro 7 de setembro está nas ruas, nas romarias, nos clamores que se levantam contra a injustiça. O tempo das cartilhas de OSPB e de Educação Moral e Cívica passou; não precisamos mais repetir hinos de olhos fechados, precisamos abrir os olhos para enxergar o Brasil real, aquele que os livros oficiais tentaram esconder. Não há civismo sem crítica, não há moral sem justiça, não há pátria sem povo.
Por isso, que neste tempo de sombras ressoe a palavra dos profetas: ai dos que confundem idolatria com fé, que trocam soberania por submissão, que preferem bandeiras estrangeiras ao compromisso com o seu próprio povo. Ai dos que dizem amar o Brasil, mas se alimentam da sua miséria.
Mas benditos são os que caminham em romaria, os que gritam nas ruas, os que insistem em sonhar com um país onde a vida seja maior do que a morte, a justiça maior do que o lucro, a esperança maior do que o medo.
Essa é a bandeira que merece ser hasteada. E ela não se rasga, não se vende, não se cala. Porque ela é feita do tecido indestrutível da esperança.
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