domingo, 4 de maio de 2025

Um outro olhar sobre João 21,1-19


Por Daniel Nonato - Teólogo do cotidiano, Graduado em História

Não é  nisso primeiro  texto  olhando  para o Evangelho  de João  20,19-31, fizemos em 2022, exatamente  em 1⁰ de maio e alguém  desejar poderá  lê-lo  acessando: Um olhar sobre ... ou mesmo o vídeo  que fizemos  no mesmo  dia:  Reflexão: Boa Nova de Jesus Cristo segundo São João 21,1-19.... e abaixo  irei compartilhar  o vídeo de hoje com mesmo texto 

Neste 3º Domingo da Páscoa, a liturgia nos apresenta uma narrativa profunda e simbólica: João 21,1-19. É um texto que convida toda a assembleia dos batizados a se colocar em discernimento e escuta, respondendo com seriedade à pergunta que Jesus dirige a Pedro (e, por extensão, a todos nós): “Tu me amas?”. Não podemos esquecer, é claro, das outras leituras que nos acompanham: Atos 5,27b-32.40b-41; o Salmo 29(30), cujo refrão diz: “Eu vos louvarei, Senhor, porque me salvastes”; e Apocalipse 5,11-14.


O Evangelho de João, o último a ser redigido, oferece uma teologia refinada sobre a identidade de Jesus. O capítulo 21, considerado um acréscimo posterior, traz uma riqueza pastoral que evidencia o reencontro da comunidade com o Ressuscitado. Ele não apenas reafirma a missão e liderança de Pedro, mas também aponta para a natureza acolhedora e comprometida do corpo eclesial.

No início do capítulo (vv. 1-14), sete discípulos estão juntos: Pedro, Tomé, Natanael, os dois filhos de Zebedeu e dois discípulos sem nome. Este número simbólico remete às sete Igrejas do Apocalipse (Ap 1,4), aos sete diáconos escolhidos em Atos 6,1-8 e aos sete sacramentos da Igreja. A comunidade, antes trancada pelo medo, agora retoma o testemunho — mesmo que ainda tateando na escuridão. A pesca noturna revela uma Igreja que age por impulso, sem ainda discernir plenamente a luz e a presença do Ressuscitado.

Jesus, porém, está à margem — como quem acompanha, vigia e espera. Ele pergunta: “Tendes algo para comer?” (Jo 21,5). Esta pergunta, simples e profunda, ecoa ainda hoje em meio às crises sociais, econômicas e espirituais. Jesus continua pedindo alimento — não só o físico, mas o da dignidade, do trabalho e da justiça. Em tempos de desemprego estrutural e de um modelo eclesial, muitas vezes contaminado por lógicas neoliberais, que visam o lucro e o poder, é urgente voltar à centralidade do Evangelho: servir, cuidar e partilhar.

A pesca bem-sucedida só acontece após ouvirem a voz de Jesus. Isso remete aos evangelhos sinóticos (cf. Mc 1,17; Mt 4,19; Lc 5,10), onde a pesca é imagem da missão. O resultado — 153 grandes peixes — também carrega simbolismo. Alguns estudiosos veem neste número uma representação da universalidade da missão, que abarca todos os povos e nações. É a comunidade plena, reunida em torno do Cristo. 

Ao chegar à margem, Pedro encontra Jesus já com peixe e pão sobre a brasa. Este momento em que Pedro encontra Jesus já com peixe e pão sobre a brasa é profundamente revelador. O Ressuscitado antecipa-se, provê, acolhe. Este é o estilo do Mestre: não espera que a comunidade esteja perfeita para acolhê-la. Ele a alimenta no caminho, mesmo em sua vulnerabilidade. Reconhecer Jesus apenas pelos resultados ou pelo sucesso aparente é uma tentação. A verdadeira experiência pascal é a que reconhece o Cristo na partilha, no serviço, na escuta da sua Palavra. 

A imagem de Jesus com o peixe na brasa remete, de forma poética e profética, ao convite de Isaías: “Ó vós todos que tendes sede, vinde às águas; e vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei! Vinde, comprai sem dinheiro, sem pagar, vinho e leite” (Is 55,1). O banquete pascal que Jesus oferece à margem do mar é a concretização dessa promessa: alimento gratuito, acolhimento sem exigência, comunhão que nasce do dom. Em Jesus, o alimento é Graça. Ele é o Pão, o Peixe, a Água. A única moeda que Ele pede é o amor.

PNos versículos 15-19, temos o centro do mistério: o diálogo entre Jesus e Pedro. Três vezes Jesus pergunta: “Tu me amas?”. Três vezes Pedro responde, até com certa irritação. Três vezes Jesus confia-lhe a missão: “Apascenta minhas ovelhas”. A repetição remete à tríplice negação de Pedro, restaurando sua dignidade e liderança. Mas deixa claro: amar a Cristo implica servir sua Igreja — especialmente os pobres, os frágeis, os esquecidos.

Aqui se dá o primado de Pedro, não como privilégio, mas como serviço. Como afirmou o Papa Bento XVI em sua homilia de início de pontificado, em 24 de abril de 2005: “o verdadeiro pastor deve se identificar com o Cristo crucificado, despojado de poder”. Já o Concílio Vaticano II, em Lumen Gentium, nos lembra que todos os batizados são chamados à santidade e à missão, e que a autoridade na Igreja existe para edificar, não para dominar (cf. LG 27) E como nos ensinou o Papa Francisco em sua exortação Evangelii Gaudium, “não podemos mais ficar tranquilos, esperando passivamente nas nossas igrejas” (EG, 15); é preciso ir ao encontro dos feridos da história. Ele insistia que a Igreja devia ser “um hospital de campanha” (EG, 49), uma casa de portas abertas que acolhe, alimenta e cura. Em tempos de crise institucional e de expectativa quanto ao futuro da Igreja — especialmente agora, a apenas três dias do início do conclave que se dará no próximo dia 7 de maio — é urgente voltar ao essencial do Evangelho.

O Documento de Aparecida, do CELAM, recordava que o discípulo missionário deve “escutar o clamor do povo e discernir à luz da fé os sinais dos tempos” (DAp 33). Este discernimento é mais necessário do que nunca, quando a Igreja caminha para eleger aquele que deverá manter viva a memória do Cristo pobre e servidor.

É nesse horizonte do clamor e da justiça que ressoa a voz profética de Martin Luther King Jr. — pastor batista, homem de fé e mártir da não violência. Ao proclamar “Eu tenho um sonho”, King apontava para um Reino de fraternidade onde o amor vence o medo e a justiça supera a opressão. Sua espiritualidade pública, profundamente enraizada nos Evangelhos, desafiava cristãos de todas as confissões a não se conformarem com as estruturas injustas. Como ele dizia: “A escuridão não pode expulsar a escuridão; só a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio; só o amor pode”. Esta é também a lógica pascal: a luz de Cristo que vence a noite, o amor que reconstrói o mundo

O primeiro a reconhecer Jesus é o discípulo amado. Ele representa o olhar puro e sensível, que percebe a presença de Deus mesmo quando tudo ainda parece obscuro. Pedro corre até Jesus — como quem reconhece sua limitação, mas também sua vocação.

Seguir Jesus por qualquer outro motivo que não seja o amor é caminhar sem sentido. O amor é a única estrada que não se perde, mesmo entre ruínas. Mesmo que se trate de um pastor, diácono, padre ou bispo, a vocação não pode ser instrumento de vaidade ou fuga, nem trampolim para poder. Como dizia São Paulo, tudo isso é "esterco" (Fl 3,8), se comparado ao amor de Cristo. Amar Jesus é assumir a cruz, é viver com lucidez e compaixão as dores de nosso tempo, é enfrentar as fogueiras da vaidade com a coragem dos mártires — antigos e novos.

Que este Evangelho nos prepare — pessoal e comunitariamente — para viver este tempo pascal, e também este tempo de discernimento da Igreja, com olhos que veem, coração que escuta e pés que caminham. Que a resposta que dermos a essa pergunta — ‘Tu me amas?’ — seja a de um amor traduzido em serviço, fidelidade e esperança.







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