sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Explosão de uma bomba na Catedral; 20/12/1979


Percebendo que existe uma busca por matérias que falam do periodo da ditadura militar no Brasil,   e vendo que muitos desconhecem alguns fatos da História da nossa Baixada Fluminense, publicamos  em nosso blog uma matéria intitulada: "A Igreja de Nova Iguaçu no Regime Militar: Atentado a Fé"  e tentando melhorar tal publicação partilhamos  a matéria abaixo  que foi usada como anexo da nossa monografia de Graduação Material publicado no  periódico semanal “A Folha”  sobre o   atentados a Diocese de Nova Iguaçu  e  ao  Bispo Adriano1  que viveu sua vocação de Profeta, Pastor e Sacerdote do Povo nesta região ainda tão sofrida e abandonada.  Então vamos para  entrevista de março de 1980 concedida ao periódico semanal "A FOLHA2".
Daniel Nonato
A Folha: Embora estivessem programadas entrevistas sobre a Campanha da Fraternidade, preferimos dar lugar aos acontecimentos lamentáveis que chocaram a Baixada Fluminense e  o Brasil no mês de dezembro passado. O senhor poderia resumir os fatos?

Relíquias do Atendado a Catedral
Dom Adriano: Pessoalmente eu gostaria de silenciar. O silêncio da dignidade ofendida. O silêncio de um perdão total. O silêncio do sofrimento. Mas o que aconteceu não atinge somente a minha pessoa. Atinge a Diocese de Nova Iguaçu e, no seu ato final - a explosão de uma bomba na Catedral - atinge toda a Igreja Católica.
A Folha: O senhor quer resumir os fatos?
Dom Adriano: Os fatos de novembro/ dezembro foram mais um capítulo na escalada de ódio e de terror que começou ostensivamente em setembro de 1976, com o meu seqüestro. Na noite de 8 para 9 de novembro foram pichadas as paredes externas da Catedral e a mureta gradeada que cerca o terreno da Igreja de Santo Antônio da Prata. As pichações queriam atingir o Bispo diocesano e, no Bispo, a linha pastoral da Diocese. Acusações de comunista e obscenidades. Calúnia de as Igrejas serem sede do Partido Comunista. Na noite de 8 para 9 de dezembro repetiram-se as mesmas pichações, com mais intensidade e prolixidade, nas paredes da igreja de Santa Rita, de Cruzeiro do Sul (bairro de Nova Iguaçu). Sempre as mesmas acusações e calúnias. Já um pouco antes de novembro alguns jornais atacavam freqüentem entre o Bispo e a  linha de pastoral. Também na Câmara dos Vereadores (de Nova Iguaçu) sucediam de vez em quando as hostilidades por parte de alguns edis. Denunciava-se, sobretudo o que chamavam de intromissão política do Bispo e da Diocese. Na reunião mensal do presbitério de dezembro alguns padres contaram que tinham recebido cartas anônimas e telefonemas anônimos e telefonemas anônimos contra mim. Sempre as mesmas ofensas e calunias. Nessa ocasião adverti aos padres para a campanha que se esboçava clara, mente e pedi que me comunicassem qual, quer novidade. Vários indícios apareceram nos dias seguintes. Até que no dia 20 de dezembro a escalada conseguiu o auge do seu ódio destruidor: uma bomba explodiu o Sacrário da Catedral.
A Folha: Como foram os fatos?
Dom Adriano: A explosão se deu pelas onze horas da manhã de 20 de dezembro. Na igreja estavam poucas pessoas. Alguém rezando e três operários da Diocese fazendo presépio para o Natal. Ajudava os operários um empregado (Ronaldo da festa de Sto. Antônio) da Catedral. De repente um estrondo que se ouviu até quase dois quilômetros de distância, parecendo explosão de uma das pedreiras que ficam perto da cidade. Colocaram a bomba debaixo da mesa que sustenta o sacrário. Deve ter sido um petardo de alto poder de destruição. O sacrário era de metal e pesado, com uns cinqüenta quilos. Foi estilhaçado, voando pedaços em todas as direções. O mais grave: também as duas âmbulas que estavam no tabernáculo foram destruídas, voando dispersas as Sagradas Hóstias. Por serem leves não ficaram totalmente desfeitas. Também ficaram parcialmente danificados os bancos mais próximos, as paredes, as sancas, um ventilador, quase todas as vidraças, das muitas janelas. O alarme foi geral. Os operários ficaram surdos com o barulho. Muitas pessoas chegaram à igreja para ver o que tinha acontecido. Eu estava em casa e logo fui avisado pelos padres da Catedral, P. Antônio, que é o cura, e o P. Enrique, que é o vigário-geral da Diocese.
A Folha: A Polícia tomou algumas providências?
Dom Adriano: Os padres avisaram logo a Policia. Mais tarde vieram policiais do DPPS e do DGIE do Rio, para tomar as providências. Até o momento desta entrevista (23 -12- 79) ainda não se conhecem os resultados da perícia. O terrível sacrilégio indignou toda a cidade e levantou um protesto geral.
A Folha: Como o senhor considera o ato de terrorismo que atingiu a Catedral de Nova Iguaçu em 20 de dezembro do ano passado, destruindo o sacrário e profanando o Santíssimo Sacramento?
Dom Adriano: As acusações de comunista que certas pessoas e certos grupos me fazem assumiram intensidade maior nos meses anteriores. Na manhã da explosão foram distribuídos muitos panfletos nas ruas de Nova Iguaçu, acusando de comunistas a Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo e Dom Ivo. Nesse panfleto eu não era mencionado. Pelas onze horas sucedeu a explosão. Sobre o órgão da Catedral os terroristas deixaram Uma carta dirigi da a mim. Aí sou chamado de Bispo vermelho. Aí. me atacam e injuriam. Aí me advertem e ameaçam. O grupo, que mostra pertencer a uma linha de extrema direita radical, se denomina de “Vanguarda de Caça aos Comunistas” e se atribui à autoria do atentado. A primeira consideração que faço: trata-se, como no seqüestro e nos outros momentos da escalada de ódio, de um grupo radical de extrema direita. Estão marcados de obsessão anticomunista e vêem comunismo em toda a parte. Devem ter, portanto ligação íntima com outros grupos radicais de direita que atuam um pouco em toda parte do Brasil.
A Folha: Mas não queriam atingir somente o senhor?
Dom Adriano: De fato, as acusações, calúnias, manifestações de ódio, os atos terroristas têm um alvo muito mais amplo do que somente a minha pessoa. Por ocasião do seqüestro fazem explodir meu carro diante da sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, então localizada no Rio. Queriam, portanto atingir o episcopado brasileiro e a linha pastoral da CNBB. Isto, aliás, declarou o grupo terrorista de então que se auto denominava Aliança (ou Ação) Anticomunista Brasileira. Os ataques que me fazem também fazem a vários Bispos brasileiros com intensidade maior contra D. Paulo Evaristo (São Paulo), contra D. Hélder (Recife) contra D. Balduíno (Goiás Velho), D. Pedro Casaldáliga (Conceição do Araguaia), D. Waldir (Volta Redonda), D. José Pires (João Pessoa) etc. Querem atingir a linha pastoral de fé integrada, de decisão pelos pobres, de identificação com o Povo - a linha do Vaticano II mais, explicitada em Medellín e confirmada pm Puebla.
A Folha:que em Nova Iguaçu o ódio toma formas mais violenta.
Dom Adriano: Aqui o sofrimento do Povo é maior, parece que por isso também deve ser maior o sofrimento da Igreja, do Bispo e dos cristãos engajados. Todos nós que nos decidimos pela grande causa de Jesus Cristo temos de compreender que a decisão pelo Evangelho é um terrível passo na direção da cruz, da pobreza, do despojamento, da perseguição e da morte. Na Baixada Fluminense vive um povo abandonado, marcado de todo o tipo de sofrimento. Faltam comunidades para acolherem os milhares de irmãos que, tocados pelas secas, pelo descalabro da agricultura, mas também pela esperança de dias melhores, deixam suas terras, seus campos, seus trabalhos agrícolas e migram para a Baixada Fluminense. Aqui, diante de um crescimento caótico que, como já lembrei noutros momentos, é mais inchação do que crescimentos ainda não se formaram comunidades estáveis e organizadas. Toda a vida social está marcada de incerteza e de insegurança. Apesar de nossa boa vontade e de nosso esforço pastorais, ainda é pouco o que a nossa Diocese tem feito para apressar a formação de comunidades. Assim mesmo estou certo de que nenhuma outra instituição pode fazer esse trabalho com mais profundidade e com mais amplidão do que a Igreja Católica. Faltando comunidade de acolhimento, mais doloroso se toma à situação dos migrantes. São criaturas partidas e rachadas.
A Folha: Continuando a entrevista do domingo passado: a senhor atribuí os atos terroristas a uma vingança de grupos atingidos pela atividade pastoral da Diocese?
Dom Adriano: Não tenho condições de afirmar isso. Mas tenho certeza de que as iniciativas pastorais da Diocese e também o meu distanciamento em relação às fontes do poder - faço isto para poder servir melhor o Povo, para me identificar mais profundamente com o sofrimento das grandes camadas marginalizadas - tudo isto causa animosidade e hostilidade. Não sei quem está por detrás dos atos terroristas. Parece-me, no entanto que o espírito de hostilidade gera o ódio e o ódio gera os atos .terroristas. Lembrei o caso dos despejos. Há também o caso dos posseiros em algumas das poucas áreas agrícolas da Diocese. Tomamos a defesa dos posseiros que não sabem nem podem defender-se, pois a estrutura legal não funciona. E, com esta defesa, com nossa ajuda subsidiária, despertamos reação de certos grupos. Uma primeira represália de tais grupos ou de tais pessoas é a acusação de que sou comunista. Nunca em tempo nenhum tive qualquer simpatia pelo Marxismo e pelos regimes comunistas. Nunca em qualquer tempo disse ou escrevi qualquer coisa que fosse orientada a partir de Marx ou orientada na direção do Marxismo. Desafio qualquer pessoa a mostrar passagens de meus muitos escritos ou de minhas entrevistas ou de minhas práticas e conferências que tivessem uma conotação marxista. Respeito os comunistas, os marxistas e  qualquer  pessoas que se batem por suas convicções. Mas o meu ponto de partida e o meu ponto de chegada é Jesus Cristo. Os instrumentos e recursos que uso e emprego são marcados pelo Amor e pela Esperança. São frutos de minha Fé e de Amor à Igreja de Jesus Cristo. São tentativas modestas de prestar um serviço aos irmãos mais fracos, mais humildes, mais desamparados. Uma vingança baixa é, portanto acusar-me de comunista, como fazem com D. Hélder; Dom Paulo Evaristo, Dom Ivo e muitos outros Bispos, padres e leigos comprometidos com o Evangelho. Dão naturalmente mais acento às acusações contra os Bispos, porque nosso serviço é mais amplo e tem influência grande sobre as comunidades. Afirmam. Acusam. Caluniam. Nunca provam nada. São sempre interpretações deformadas. São sempre insinuações. Infelizmente há quem aceite tais acusações e calúnias sem discernimento. Assim está formado o grande coro: os que agem de má-fé e os que não refletem.
A Folha: Mas este grande coro se insere num contexto maior?
Dom Adriano: A situação política de nosso país facilita a hostilidade, a calúnia, os atos de ódio e de terror. Já se notou muitas vezes: os órgãos oficiais perseguem com rigor os extremistas de esquerda, levantam pistas de pessoas apenas suspeitas de marxismo. A história dos últimos dezesseis anos está confirmando essa observação. Mas quando se trata de radicalismo de direita - os exemplos são também numerosos -, por que nunca se chega a um resultado claro? por que o terrorismo de direita fica impune? por que não se aproveitam as pistas? A acusação de comunista é aceita com facilidade, por que, dentro do contexto, não precisa ser demonstrada nem provada. Basta ser feita. Ai temos seqüestros, explosões, pichações, torturas, assassinatos - tudo impune, tudo seguro de impunidade. E aí temos as deformações e as interpretações absurdas. Nunca em nenhuma, de nossas Igrejas de Nova Iguaçu o Bispo, os padres, os nossos animadores de comunidades, os nossos coordenadores de
movimentos fizeram qualquer pregação subversiva. Sempre que nos colocamos em defesa dos direitos humanos, em denúncia de aberrações jurídicas ou econômicas ou políticas, sempre que lutamos pela democracia - o que nos movia era, a Fé e uma consideração dos aspectos morais, religiosos, sociais dos problemas. Não a política. Não interesses pessoais ou grupais.
Não conquista de prestígio ou de posição. Apenas à vontade de servir os irmãos, a partir do Evangelho.
A Folha: Todos os atentados cometidos contra a Diocese de Nova Iguaçu, , contra a Eucaristia, contra o senhor, contra as nossas Igrejas, contra muitas pessoas de nossas comunidades. Isto é a nossa sexta- feira santa. Mas como será a nossa Páscoa, a nossa Ressurreição?
Dom Adriano: Num dia de Páscoa temos de alargar as nossas vistas, o nosso coração, a nossa vontade, a nossa sensibilidade para os valores definitivos e eternos. A cruz pertence ao mistério da nossa Fé e da nossa vida cristã. Pertenceu, como modelo e tipo para nós todos, à vida de Jesus Cristo. Mas a cruz não é a palavra final. A palavra final, definitiva, eterna é a palavra da ressurreição e da glória. Isto valeu para Jesus Cristo. Cristo ressuscitou. E vale para cada um de nós, vale para a Igreja universal e para cada Igreja particular. O Povo bom que é o Povo brasileiro, e o Povo bom que é o Povo da Baixada Fluminense ressuscitará depois do sofrimento que o marca há tantas gerações. Haverá, depois de uma longa noite de sexta-feira santa, uma manhã e um dia glorioso de Páscoa. Cristo ressuscitou. Com ele ressuscitaremos.
A Folha: O senhor pensa na ressurreição final?
Dom Adriano: Não somente na ressurreição final quando se realizará a plenitude do amor de Deus, quando será cumprido integralmente o seu plano de amor, quando nos veremos face a face, irmãos definitivamente unidos pelos laços do amor sem fim. Esta perspectiva da ressurreição final nos anima a descobrirmos e vivermos já agora alguns sinais antecipados da ressurreição final.
A Folha: Quais seriam estes sinais?
Dom Adriano: Primeiramente nossa luta pela construção da Paz. A Paz que nós queremos construir é a Paz de Jesus Cristo, alguma coisa da Paz de Jesus:. Cristo: uma Paz que se fundada na fraternidade, uma Paz que se funda na Verdade, uma Paz que se funda na Justiça. Apesar de tudo temos certeza de que todo o nosso sofrimento, também aquilo que tem ferido a Diocese de Nova, Iguaçu, representa uma pedra essencial, na construção da Paz. A serviço da Paz que gostaremos de construir, com a graça de Deus, inventamos diversos movimentos e diversos instrumentos de trabalho, assumimos várias causas dos irmãos. Todo o trabalho da nossa Diocese visa à conscientização, dos nossos irmãos. Esta conscientização é necessária, pois só ela torna as pessoas capazes de se assumirem e de assumirem sua responsabilidade. Ê sinal de ressurreição mostrarmos a todos os irmãos. que somos filhos de Deus, que somos imagem e semelhança de Deus, que estamos, graças à encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo, numa situação de parceria com Deus. Sinal de ressurreição é a Diocese comprometer-se com a causa, da justiça, do amor fraterno, da verdade. E daí partir para cooperar com o Povo na luta por um mundo melhor, já aqui na Baixada Fluminense.
A Folha: O senhor espera mesmo que a Baixada possa viver dias melhores?
Dom Adriano: Tenho certeza absoluta. Quando? Não sei dizer. Mais brevemente ou mais tarde, isto vai depender de nossa maior inserção de cristãos, de nosso serviço em favor do Povo e dos irmãos. No dia da Páscoa nós nos preocupamos com a nossa missão, com a nossa fidelidade, com a nossa presença de cristãos, com a nossa participação na luta do Povo humilde. Sinal de nossa Páscoa é também a palavra de perdão que dirigimos a todos aqueles que não nos aceitam que nos odeiam e afligem. Passará essa atmosfera de ódio. O que ficará é o amor.


2 O periódico ‘ A FOLHA’ foi criado em 1973 e extinto em 1992 (todos os números estão no arquivo da diocese

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