segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O Credo Niceno-Constantinopolitano; 1700 ano de Fé

Em 2025, celebramos os 1700 anos do Concílio de Niceia, marco profético de uma Igreja que, em meio a perseguições, divisões e tentações, manteve firme a verdade do Evangelho. Já construímos uma reflexão  sobre os Dogmas e  um das orações transmite os dogmas  é  o Credo Niceno-Constantinopolitano.  Temos  certeza  que aqueles bispos, convocado pelo imperador Constantino, não estavam apenas debatendo palavras, mas defendendo a salvação da humanidade: se Cristo não fosse verdadeiro Deus, a reconciliação entre o Criador e a criação seria impossível. O século IV conheceu profundas transformações políticas, econômicas e religiosas, e a ascensão de Constantino trouxe liberdade formal à fé, mas também expôs a Igreja a desafios internos que testaram sua fidelidade. O arianismo não era mera abstração teológica: era ameaça real à salvação. As Escrituras proclamam com clareza a plenitude divina de Cristo: “Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2,9) e, no Evangelho de João, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). O mistério da união hipostática revela que somente Aquele que é Deus e homem pode restaurar a dignidade ferida da humanidade.

Segundo a tradição da Igreja, a convocação de um Concílio é prerrogativa do Papa, sucessor de Pedro, chefe visível da Igreja e guardião da unidade e da verdade. Embora Constantino tenha formalmente convocado Niceia, a autoridade papal homologou tal  Concílio e  se fez presente por meio de Papa Silvestre I, que guiou espiritualmente o concílio, enviando instruções, cartas e diretrizes. Dessa forma, a legitimidade doutrinal das decisões conciliares foi assegurada, mostrando que a convocação, embora impulsionada por fatores políticos, permanecia sob o olhar e a autoridade do sucessor de Pedro, garantindo que a verdade do Evangelho não fosse comprometida.

No Concílio de Niceia, reuniram-se 318 bispos vindos de diferentes regiões do Império Romano, sobre a orientação do Papa Silvestre I refletindo a universalidade da Igreja nascente. Esse número, além de histórico, possui um significado simbólico, evocando tradições bíblicas como o episódio de Abraão em Gênesis 14,14, e indicando a plenitude da assembleia em defesa da verdade. Entre os presentes estavam santos e futuros santos, homens cuja vida e decisões permaneceriam como testemunho de fidelidade ao Evangelho. O bispo Alexandre de Alexandria, participante direto, defendeu com coragem a plena divindade de Cristo, enquanto Atanásio, ainda jovem e secretário de Alexandre, atuou de forma decisiva nos debates, tornando-se posteriormente bispo e santo, referência de resistência profética.

Sabemos que nem todos os bispos


convidados puderam comparecer, devido a distâncias, perseguições ou conflitos políticos, mas aqueles que estiveram presentes mostraram que a fidelidade ao Evangelho não se submete a conveniências humanas ou consensos superficiais. Unidos em fé, coragem e discernimento, enfrentaram pressões políticas e heresias, garantindo que a Igreja se mantivesse firme na verdade revelada. O legado desses homens permanece vivo para a Igreja de todos os tempos, lembrando que a defesa da fé exige compromisso moral e resistência profética.

O Credo Niceno: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai” — proclamou, com rigor filosófico, a identidade da essência entre Pai e Filho. A distinção entre ousia (essência) e hypostasis (pessoa) permitiu compreender a Trindade sem confusão, revelando que a razão, purificada pela fé, ilumina o mistério sem destruí-lo. A patrística mostrou que fé e razão caminham juntas, que a revelação não teme o pensamento humano, mas se revela através dele.

A natureza de Jesus é única e indivisível: Ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, possuindo plenamente as duas naturezas sem confusão, alteração ou divisão. A união hipostática garante que divindade e humanidade coexistam em perfeita harmonia, permitindo que o Filho de Deus compartilhe nossa condição humana e, ao mesmo tempo, revele a glória do Pai. Essa verdade não é teoria distante; é a essência da salvação: somente Aquele que é Deus e homem pode reconciliar a humanidade com Deus, redimir o pecado e restaurar a dignidade humana. Contemplar Jesus é tocar o amor divino encarnado, que cura, transforma e ensina.

A encarnação, operada pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria (Lc 1,26-38; Mt 1,18-23), confirma que Jesus não é mero mestre ou líder político, mas o Verbo feito carne, pleno de graça e verdade (Jo 1,14). Sua vida — gestos de compaixão, paixão, morte, ressurreição e ascensão (1Cor 15,3-4; Lc 24,50-53; Mc 16,19) — revela o amor transformador de Deus, capaz de restaurar a dignidade humana ferida pelo pecado. Cada dogma formulado nos concílios não é proposição intelectual isolada, mas testemunho vivo de uma experiência de salvação, memória que denuncia o erro e proclama a verdade.

O Concílio de Constantinopla, em 381, reafirmou e ampliou o Credo, proclamando a divindade do Espírito Santo diante das heresias que o reduziam a mera força ou energia. O Espírito, Senhor que dá a vida, que procede do Pai e, com o Pai e o Filho, é adorado e glorificado, manifesta-se na criação (Gn 1,2), na história de Israel (Ez 37,1-14) e na Igreja nascente (At 2,1-13). Sua presença mostra que a vida divina circula na história humana, promovendo união, ação e santificação. O Credo tornou-se elemento identitário: em um império fragmentado, professá-lo era ato de fidelidade, resistência à uniformização artificial e construção de coesão comunitária. A razão, purificada pela fé, não destrói o mistério, mas o ilumina, permitindo que a mente alcance a profundidade do Cristo encarnado.

A história da transmissão da fé é marcada por coragem e coerência. Atanásio de Alexandria, exilado cinco vezes, Eusébio de Cesareia, Basílio de Cesareia e Gregório de Nissa enfrentaram pressões políticas e heresias internas, exemplificando que a fidelidade ao Evangelho exige resistência e compromisso moral. Cada proclamação do Credo na liturgia recorda esses testemunhos, funcionando como ato profético, memória viva de uma Igreja chamada à santidade, unidade e catolicidade.

Hoje, as ameaças à fé assumem formas diferentes, mas não menos graves: reduzir Jesus a mero mestre moral, transformá-lo em produto de mercado ou ideologia, aderir a teologias da prosperidade, do domínio ou do individualismo, ou usar a fé como mercadoria — distorções modernas de antigas tentações. O clericalismo, que distancia o clero do povo e instrumentaliza a fé, continua corroendo a autenticidade do testemunho cristão. O Credo permanece como antídoto: “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem.”

Cada artigo do Credo contém fundamentos sólidos: Deus Pai, Criador do céu e da terra (Gn 1,1; Sl 33,6-9; Is 45,18); Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus (Jo 1,1-3; Cl 2,9; Hb 1,1-4); encarnado pelo Espírito Santo na Virgem Maria (Lc 1,26-38; Mt 1,18-23); paixão, morte, ressurreição e ascensão (1Cor 15,3-4; Lc 24,50-53; Mc 16,19); Espírito Santo, Senhor que dá a vida (Gn 1,2; Ez 37,1-14; At 2,1-13; Jo 14,26); Igreja una, santa, católica e apostólica (Ef 4,4-6; Mt 16,18-19; Lumen Gentium 8); batismo, remissão dos pecados e vida eterna (1Cor 15,20-22; Ap 21,1-4). Esses elementos não são abstrações: constituem eixo de resistência, memória viva e compromisso existencial.

Professar o Credo é mais do que repetir palavras antigas: é ato de fé encarnada, expressão de compromisso comunitário, resistência profética e testemunho contra as distorções do mundo e da história. É reconhecer que a Igreja, fundada sobre Pedro e os Apóstolos, é chamada a viver a unidade, a santidade, a catolicidade e a apostolicidade, mesmo em meio a adversidades sociopolíticas, econômicas ou culturais.

Em 2025, a visita do Papa Leão XIV à Turquia, em comemoração aos 1700 anos do Credo, lembrou que a fé cristã não é memória estática, mas experiência viva, contínua e profética, capaz de transformar indivíduos e comunidades. Cada “Eu creio” ecoa a coragem dos Apóstolos, mártires e santos que mantiveram viva a fé ao longo dos séculos, mostrando que crer é confiança, entrega, fidelidade e esperança. O Credo Niceno-Constantinopolitano permanece chama viva, memória histórica, resistência profética e guia espiritual para todas as gerações. Ele nos lembra que a fé não é mercadoria, ideologia de poder ou instrumento de dominação, mas encontro vivo com Cristo e abertura ao Espírito que dá a vida, convocando cada cristão a proclamar: Eu creio sim! Eu creio no Deus Trino e Uno, meu único Senhor!

DNonato - Teólogo do Cotidiano 


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