domingo, 1 de junho de 2025

Um breve olhar sobre João 16,29-33


No coração do Evangelho de João(16,29-33), somos conduzidos à última e decisiva conversa de Jesus com seus discípulos antes da paixão. Em um momento de aparente clareza e convicção, os discípulos afirmam: “Agora falas claramente... por isso cremos que vieste da parte de Deus.” À primeira vista, poderia parecer que finalmente compreenderam a verdade de Jesus, mas a pedagogia do Mestre revela outra profundidade: com ternura e firmeza, Ele desmascara a fé ilusória e entusiasta, ainda incapaz de acolher o escândalo da cruz. “Credes agora?”, pergunta Jesus, não como aprovação, mas como provocação profética. Ele sabe que, ao primeiro sinal de perigo, eles se dispersarão, como já havia anunciado: “Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão” (Mt 26,31). Contudo, não os rejeita por sua fraqueza; antes, os prepara para a noite escura que virá: 

“No mundo tereis tribulações. Mas tende coragem! Eu venci o mundo.”

Essa é a pedagogia do Reino: a fé não se comprova no conforto, na popularidade ou nas certezas visíveis, mas floresce no abandono, na solidão e na cruz. O verdadeiro discípulo não é aquele que proclama sua fé com segurança diante dos holofotes, mas quem permanece com Jesus quando tudo parece desmoronar, quando o mundo aponta para o fracasso, quando a fé custa sangue, silêncio e resistência. É essa fé pascal, lapidada na dor e na fidelidade, que o Senhor deseja dos seus. Uma fé que não foge do sofrimento, mas ali encontra o Cristo crucificado. Uma fé que não busca triunfos terrenos, mas testemunha a vitória do amor, mesmo em meio à derrota aparente.

Essa palavra de Jesus ressoa hoje como denúncia profética contra toda forma de religião que oferece triunfos sem cruz, certezas sem entrega e bênçãos sem conversão. Vivemos tempos em que muitos clamam o nome de Deus, mas negam sua essência, construindo uma fé domesticada, aliada ao mercado, à violência institucional, aos discursos de ódio, à idolatria da segurança, do armamento e do dinheiro. Há quem diga “Senhor, Senhor”, mas recusa fazer a vontade do Pai (Mt 7,21). Em muitos contextos, a fé cristã foi capturada por uma extrema-direita religiosa que utiliza o nome de Jesus para legitimar estruturas de pecado, oprimir os vulneráveis e excluir os que pensam diferente. Tal distorção não apenas trai o Evangelho, mas desfigura o rosto de Cristo. O Jesus dos Evangelhos se identifica com os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os perseguidos por causa da verdade (cf. Mt 5,3-11). Ele está com os que sofrem, não com os que triunfam às custas do sofrimento alheio.

Quando o Senhor afirma “Eu venci o mundo” (Jo 16,33), Ele não anuncia uma vitória baseada em poder ou dominação. Sua vitória é a do amor fiel até o fim, é o triunfo do perdão sobre a vingança, do serviço sobre o domínio. Ele venceu sendo traído, negado, crucificado — não pela força, mas pela entrega radical. E essa vitória pascal denuncia como falsas todas as vitórias que não passam pela cruz, que não geram vida para os últimos, que não libertam, mas escravizam. Uma fé sem cruz é um simulacro de cristianismo; uma igreja que se exime do compromisso com os pobres, é apenas um reflexo do mundo que Cristo já venceu. Por isso, é urgente redescobrir a dimensão pascal da fé: crer é resistir, amar até o limite, permanecer junto à cruz como Maria (cf. Jo 19,25), mesmo quando tudo parece perdido.

Numa sociedade marcada pela indiferença, pelo desespero e pelo individualismo, somos chamados a ser sinais vivos da vitória do Crucificado. Como diz Paulo: “É quando sou fraco que sou forte” (2Cor 12,10), pois é na fraqueza humana que o poder de Deus se manifesta plenamente. A Igreja, corpo vivo de Cristo, não pode se refugiar no clericalismo, nem em uma espiritualidade desencarnada e alienada da vida. Deve ser profética, como  o Papa Francisco sempre nos recordava, é  preciso  que sejamos  uma Igreja em saída, samaritana, pobre com os pobres, que não apenas denuncia, mas anuncia com a vida a esperança do Reino. Documentos como a Evangelii Gaudium e a Fratelli Tutti ecoam esse apelo por uma Igreja encarnada nas dores e esperanças do povo, comprometida com a justiça, a dignidade humana e a fraternidade.

Enquanto houver crianças sem pão, jovens assassinados, povos indígenas violentados, mulheres silenciadas e negros marginalizados, a vitória de Cristo ainda precisa ser anunciada com a vida. Ter fé não é escapar do sofrimento, mas reconhecer que, nele, o Ressuscitado caminha conosco. Sua presença é promessa, consolo e força. “Tende coragem!” — diz Ele — não como um slogan triunfalista, mas como um grito de ressurreição nas sombras da existência. Porque Ele venceu o mundo, somos chamados a não nos conformar com ele (cf. Rm 12,2), mas a transformá-lo pela força libertadora do Evangelho. Uma fé que não nos lança no mundo para amá-lo e redimi-lo com Cristo é apenas um eco morto de palavras piedosas. 

Que não sejamos como os que dizem crer, mas fogem da cruz. Antes, sejamos como os que, mesmo feridos, permanecem com Jesus até o fim. Pois quem partilha a paixão com o Senhor, também participará da sua ressurreição. Não há glória sem compromisso, nem vitória sem cruz. Ou vencemos com Cristo — e isso significa viver o Evangelho até as últimas consequências — ou seremos cúmplices do mundo que Ele já venceu.

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DNonato – Graduado em História, teólogo do cotidiano, indigente do sagrado.



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