domingo, 22 de junho de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 7, 1-5


Não Julgueis: O Chamado à Misericórdia e à Transformação do Olhar

Na segunda-feira da 12ª semana do Tempo Comum, a Palavra de Deus nos convida a um exame profundo sobre a prática do julgamento, tema central de Mateus 7,1-5. No contexto do Sermão da Montanha, Jesus adverte com clareza sobre o perigo do juízo injusto e hipócrita: “Não julgueis, para que não sejais julgados”. O Mestre ensina que a medida com que julgamos será a mesma que nos será aplicada. Esse ensinamento transcende uma ética meramente social; revela-se como um chamado à conversão radical do olhar — sobre o outro e, sobretudo, sobre nós mesmos.

A metáfora da trave no próprio olho e do cisco no olho do irmão expõe as contradições que ocultamos, enquanto nos ocupamos em apontar os defeitos alheios. Essa imagem vai além de uma simples exortação à humildade; assume um caráter profético ao desmascarar a seletividade e a conveniência do olhar que a sociedade — e, não raro, certos discursos religiosos — cultivam para justificar exclusões e preconceitos. Na perspectiva bíblica, o juízo não é abolido, pois o discernimento é necessário à convivência justa, mas deve ser exercido com misericórdia, autocrítica e consciência da complexidade humana que todos carregamos.

A antropologia e a psicologia iluminam essa realidade: o ser humano se constitui na relação com o outro, e o julgamento precipitado frequentemente nasce do medo, da insegurança e da tentativa de afirmar uma identidade por meio da negação do próximo. Como nos lembra Martin Buber, é no encontro com o “Tu” que o “Eu” se revela em sua verdade. Julgar sem empatia é romper a possibilidade de uma relação autêntica. Psicologicamente, projetamos no outro aquilo que nos recusamos a enfrentar em nós mesmos, tornando-nos, assim, ao mesmo tempo vítimas e agentes de uma cultura de julgamento que alimenta divisões e estigmas.

Do ponto de vista sociológico, o julgamento opera como instrumento de poder e exclusão. Em tempos marcados por polarizações extremas e pela ascensão de ideologias de extrema-direita, o discurso religioso tem sido frequentemente manipulado para legitimar uma fé desfigurada: vazia de misericórdia e saturada de condenações.

Essa cegueira é intensificada por uma ideologia que, paradoxalmente, se apresenta como "não ideológica". Trata-se da direita religiosa e política que se diz guardiã dos valores cristãos, mas instrumentaliza o Evangelho para sustentar privilégios e perpetuar exclusões. Seu discurso pretende ser neutro, mas está impregnado de um moralismo seletivo, racista e patriarcal, incapaz de reconhecer a complexidade do humano e a radicalidade libertadora do Reino de Deus. No mesmo compasso, segmentos do pentecostalismo triunfalista proclamam uma salvação garantida e individualista, descolada da justiça e da ética do seguimento de Jesus. Julgam-se salvos enquanto condenam os outros, como se a graça pudesse ser apropriada como mérito e o Espírito fosse propriedade privada de suas doutrinas. Ambos os discursos, embora distintos, convergem em sua incapacidade de enxergar a própria trave: vivem de sentenciar, mas não se deixam converter. Essa postura reforça estruturas sociais injustas, exclui os pobres, marginaliza minorias e silencia vozes proféticas. O Papa Francisco, em diversos momentos de seu pontificado, denunciou o clericalismo aliado ao poder, alertando sobre o risco de transformar a fé em instrumento de dominação e intolerância. Uma Igreja que julga segundo os critérios do mundo perde a força do Evangelho, que é caminho de amor, inclusão e justiça. É urgente recuperar a centralidade da misericórdia como critério do agir cristão.

Essa hipocrisia se estende à cena geopolítica global. Condena-se o uso de armas nucleares em países tidos como "inimigos", enquanto potências aliadas, como Estados Unidos e Israel, mantêm vastos arsenais e agem impunemente. A trave que cega essas nações revela um sistema internacional baseado em dois pesos e duas medidas — radicalmente oposto à justiça do Evangelho. Julga-se e condena-se o outro sem reconhecer a própria contradição, perpetuando uma lógica imperial que alimenta guerras, desigualdades e silencia povos inteiros.

A exortação de Jesus encontra ressonância em toda a Escritura. Em Lucas, o apelo a não julgar vem acompanhado do convite ao perdão e à misericórdia (Lc 6,37). Tiago adverte contra o julgamento entre irmãos, pois ele fere a comunhão desejada por Deus (Tg 4,11-12). Paulo aconselha a não antecipar o juízo, lembrando que só Deus conhece os corações (1Cor 4,5). Em João, diante da mulher adúltera, Jesus recusa a condenação legalista e oferece um caminho de restauração (Jo 8,1-11): “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Ele não ignora o pecado, mas enxerga além, restaurando a dignidade da pessoa.

O Concílio Vaticano II, em Gaudium et Spes, afirma que a Igreja deve ser sinal de comunhão, não de divisão — chamada a rejeitar todo juízo fundado na exclusão, e não na misericórdia. O desafio contemporâneo é não permitir que a religião se transforme em máscara da intolerância e do autoritarismo, mas que continue sendo expressão autêntica de um amor que se doa, acolhe e humaniza, conforme o exemplo de Jesus.

Que essa Palavra proclamada nos tire da zona de conforto moralista e nos leve a olhar para nós mesmos com sinceridade e para o próximo com misericórdia. Que abandonemos os tribunais interiores onde julgamos sem amor e passemos a ser sinais vivos de reconciliação. Que sejamos espelhos do olhar de Cristo, que não se detém na superfície do erro, mas enxerga a profundidade da alma e chama à vida nova.

DNonato – Teólogo do Cotidiano, a serviço da Palavra que liberta e da fé que humaniza


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