O Papa
Francisco nos convida a reflexão nesta mensagem sobre a nossa
forma de comunicação e somos chamados a uma comunicação não
violenta, e para atingir a meta da comunicação não violenta se
faz necessário falar com o coração, falar com coração é acolher,
escutar e respeitar o tempo do outro. Somos tolos às vezes e querer que outro
tenha a mesma rapidez no entendimento e resposta, por isso o
Papa nos apresenta uma comunicação que do ouvir, acolher e viver todo
processo sinodal. ·.
Boa
leitura.
DNonato
«Falar com o coração. “Testemunhando a
verdade no amor” (Ef 4, 15)»
Estimados
Irmãos e Irmãs!
Jesus
chama-nos a atenção de que cada árvore se conhece pelo seu fruto (cf. Lc 6,
44). De igual modo «o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é
bom; e o mau, do mau tesouro, tira o que é mau; pois a boca fala da abundância
do coração» (6, 45). Por conseguinte, para se poder comunicar testemunhando
a verdade no amor, é preciso purificar o próprio coração. Só ouvindo e
falando com o coração puro é que podemos ver para além das aparências,
superando o rumor confuso que, mesmo no campo da informação, não nos ajuda a
fazer o discernimento na complexidade do mundo em que vivemos. O apelo para se
falar com o coração interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à
indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica
e instrumentaliza a verdade.
· Comunicar
cordialmente
Comunicar
cordialmente quer dizer que a pessoa que nos lê ou escuta é levada a deduzir a
nossa participação nas alegrias e receios, nas esperanças e sofrimentos das
mulheres e homens do nosso tempo. Quem assim fala, ama o outro, pois
preocupa-se com ele e salvaguarda a sua liberdade, sem a violar. Podemos ver
este estilo no misterioso Viandante que dialoga com os discípulos a caminho de
Emaús depois da tragédia que se consumou no Gólgota. A eles, Jesus ressuscitado
fala com o coração, acompanhando com respeito o caminho da sua amargura,
propondo-Se e não Se impondo, abrindo-lhes amorosamente a mente à compreensão
do sentido mais profundo do sucedido. De facto, eles podem exclamar com alegria
que o coração lhes ardia no peito enquanto Ele conversava pelo caminho e lhes
explicava as Escrituras (cf. Lc 24, 32).
Num
período da história marcado por polarizações e oposições – de que,
infelizmente, nem a comunidade eclesial está imune – o empenho em prol duma
comunicação «de coração e braços abertos» não diz respeito exclusivamente aos
agentes da informação, mas é responsabilidade de cada um. Todos somos chamados
a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor. De modo particular nós,
cristãos, somos exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl 34,
14), pois com ela – como ensina a Escritura – podemos bendizer o Senhor e
amaldiçoar os homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3,
9). Da nossa boca, não deveriam sair palavras más, «mas apenas a que for boa,
que edifique, sempre que necessário, para que seja uma graça para aqueles que a
escutam» (Ef 4, 29).
Por
vezes, o falar amável abre uma brecha até nos corações mais endurecidos.
Encontramos vestígios disto na própria literatura; penso naquela página
memorável do cap. XXI do livro Promessi Sposi, onde Luzia fala com
o coração ao Inominável até que este, desarmado e atormentado por uma benéfica
crise interior, cede à força gentil do amor. Experimentamo-lo na convivência
social, onde a gentileza não é questão apenas de «etiqueta», mas um verdadeiro
antídoto contra a crueldade, que pode, infelizmente, envenenar os corações e
intoxicar as relações. Precisamos daquele falar amável no âmbito dos mass
media, para que a comunicação não fomente uma aversão que exaspere, gere
ódio e conduza ao confronto, mas ajude as pessoas a refletir calmamente, a
decifrar com espírito crítico e sempre respeitoso a realidade onde vivem.
· A
comunicação de coração a coração: «Basta amar bem para dizer bem»
Um
dos exemplos mais luminosos e, ainda hoje, fascinantes deste «falar com o
coração» temo-lo em São Francisco de Sales, Doutor da Igreja, a quem dediquei
recentemente a Carta Apostólica Totum
amoris est, nos 400 anos da sua morte. A par deste aniversário
importante e relacionado com a mesma circunstância, apraz-me recordar outro que
se celebra neste ano de 2023: o centenário da sua proclamação como padroeiro
dos jornalistas católicos, feita por Pio
XI com a Encíclica Rerum
omnium perturbationem. Mente brilhante, escritor fecundo, teólogo de
grande profundidade, Francisco de Sales foi bispo de Genebra no início do
século XVII, em anos difíceis marcados por animadas disputas com os
calvinistas. A sua mansidão, humanidade e predisposição a dialogar
pacientemente com todos, e de modo especial com quem se lhe opunha, fizeram
dele uma extraordinária testemunha do amor misericordioso de Deus. Dele se pode
dizer que as suas «palavras amáveis multiplicam os amigos, a linguagem afável
atrai muitas respostas agradáveis» ( Sir 6, 5). Aliás uma das
suas afirmações mais célebres – «o coração fala ao coração» – inspirou gerações
de fiéis, entre os quais se conta São John Henry Newman que a escolheu para seu
lema: Cor ad cor loquitur. «Basta amar bem para dizer bem»:
constituía uma das suas convicções. Isto prova como, para ele, a comunicação
nunca deveria reduzir-se a um artifício, a uma estratégia de marketing –
diríamos nós hoje –, mas era o reflexo do íntimo, a superfície visível dum
núcleo de amor invisível aos olhos. Para São Francisco de Sales, precisamente
«no coração e através do coração é que se realiza aquele subtil e intenso
processo unitário em virtude do qual o homem reconhece a Deus» [2].
«Amando bem», São Francisco conseguiu comunicar com o surdo-mudo Martinho
tornando-se seu amigo, e daí ser recordado também como protetor das pessoas com
deficiências comunicativas.
É
a partir deste «critério do amor» que o santo bispo de Genebra nos recorda,
através dos seus escritos e do próprio testemunho de vida, que «somos aquilo
que comunicamos»: uma lição contracorrente hoje, num tempo em que, como
experimentamos particularmente nas redes sociais, a comunicação é muitas vezes
instrumentalizada para que o mundo nos veja, não por aquilo que somos, mas como
desejaríamos ser. São Francisco de Sales difundiu em grande número cópias dos
seus escritos na comunidade de Genebra. Esta intuição «jornalística» valeu-lhe
uma fama que superou rapidamente o perímetro da sua diocese e perdura ainda nos
nossos dias. Como observou São Paulo VI, os seus escritos suscitam «uma leitura
sumamente agradável, instrutiva e estimulante» [3].
Pensando no atual panorama da comunicação, não são estas precisamente as
caraterísticas de que se deveriam revestir um artigo, uma reportagem, um
serviço radiotelevisivo ou uma mensagem nas redes sociais? Possam os agentes da
comunicação sentir-se inspirados por este Santo da ternura, procurando e
narrando a verdade com coragem e liberdade, mas rejeitando a tentação de usar
expressões sensacionalistas e agressivas.
- Falar
com o coração no processo sinodal
Como
já tive oportunidade de salientar, «também na Igreja há grande necessidade de
escutar e de nos escutarmos. É o dom mais precioso e profícuo que podemos
oferecer uns aos outros» [4].
Duma escuta sem preconceitos, atenta e disponível, nasce um falar segundo o
estilo de Deus, que se sustenta de proximidade, compaixão e ternura. Na Igreja,
temos urgente necessidade duma comunicação que inflame os corações, seja
bálsamo nas feridas e ilumine o caminho dos irmãos e irmãs. Sonho uma
comunicação eclesial que saiba deixar-se guiar pelo Espírito Santo, gentil e ao
mesmo tempo profética, capaz de encontrar novas formas e modalidades para o
anúncio maravilhoso que é chamada a proclamar no terceiro milénio. Uma
comunicação que coloque no centro a relação com Deus e com o próximo,
especialmente o mais necessitado, e esteja mais preocupada em acender o fogo da
fé do que em preservar as cinzas duma identidade autorreferencial. Uma
comunicação, cujas bases sejam a humildade no escutar e o desassombro no falar
e que nunca separe a verdade do amor.
- Desarmar
os ânimos promovendo uma linguagem de paz
«A
língua branda pode até quebrarossos»: lê-se no livro dos Provérbios (25, 15).
Hoje é tão necessário falar com o coração para promover uma cultura de paz,
onde há guerra; para abrir sendas que permitam o diálogo e a reconciliação,
onde campeiam o ódio e a inimizade. No dramático contexto de conflito global
que estamos a viver, urge assegurar uma comunicação não hostil. É necessário
vencer «o hábito de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos
humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso» [5].
Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum
desarmamento integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se
aninha nos nossos corações, como exortava profeticamente São
João XXIII na Encíclica Pacem
in terris: «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal
equilíbrio [de armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua» (n.º
113). Uma confiança que precisa de comunicadores não postos à defesa, mas
ousados e criativos, prontos a arriscar na procura dum terreno comum onde
encontrar-se. Também agora, como há 60 anos, a humanidade vive uma hora escura
temendo uma escalada bélica, que deve ser travada o mais depressa possível,
inclusivamente em termos de comunicação. Fica-se apavorado ao ouvir com quanta
facilidade se pronunciam palavras que invocam a destruição de povos e
territórios; palavras que, infelizmente, se convertem muitas vezes em ações
bélicas de celerada violência. Por isso mesmo há que rejeitar toda a retórica
belicista, assim como toda a forma de propaganda que manipula a verdade,
deturpando-a com finalidades ideológicas. Em vez disso seja promovida, a todos
os níveis, uma comunicação que ajude a criar as condições para se resolverem as
controvérsias entre os povos.
Como
cristãos, sabemos que é precisamente na conversão do coração que se decide o
destino da paz, pois o vírus da guerra provém do íntimo do coração humano [6].
Do coração brotam as palavras certas para dissipar as sombras dum mundo fechado
e dividido e construir uma civilização melhor do que aquela que recebemos. É um
esforço que é exigido a todos e cada um de nós, mas faz apelo de modo
particular ao sentido de responsabilidade dos agentes da comunicação a fim de
realizarem a própria profissão como uma missão.
Que
o Senhor Jesus, Palavra pura que brota do coração do Pai, nos ajude a tornar a
nossa comunicação livre, limpa e cordial.
Que
o Senhor Jesus, Palavra que Se fez carne, nos ajude a colocar-nos à escuta do
palpitar dos corações, para nos reconhecermos como irmãos e irmãs e
desativarmos a hostilidade que divide.
Que
o Senhor Jesus, Palavra de verdade e caridade, nos ajude a dizer a verdade no
amor, para nos sentirmos guardiões uns dos outros.
Roma – São João de Latrão,
na Memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2023.
FRANCISCO
[1] Carta
enc. Deus caritas est (25/XII/2005), 31.
[2] Carta
ap. Totum amoris est (28/XII/2022).
[3] Epístola
apostólica Sabaudiae gemma, no IV centenário do nascimento
de São Francisco de Sales, Doutor da Igreja (29/I/1967).
[4] Mensagem
para o LVI Dia Mundial das Comunicações Sociais (24/I/2022).
[5] Francisco,
Carta enc. Fratelli tutti (03/X/2020), 201.
[6] Cf.
Francisco, Mensagem para o LVI Dia Mundial da Paz a 1
de janeiro de 2023 (08/XII/2022), 4.
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