segunda-feira, 21 de julho de 2025

Um breve olhar sobre João 20,1-2.11-18 - Festa de Santa Maria Madalena, Apóstola dos Apóstolos

No dia em que celebramos a festa de Santa Maria Madalena, Apóstola dos Apóstolos, somos convocados a proclamar em nossas liturgias a Boa Nova do Evangelho, segundo São João 20,1-2.11-18. Nesta celebração, somos convidados a contemplar o mistério da ressurreição a partir do olhar daquela que foi a primeira testemunha do Cristo vivo, cuja missão de anunciar a vitória sobre a morte inaugura a missão de toda a Igreja.

Maria Madalena foi uma mulher de seu tempo, inserida numa sociedade patriarcal que frequentemente silenciava as vozes femininas e subestimava seu papel público e religioso. No entanto, ao contrário do que por séculos foi difundido, o Evangelho não indica que ela fosse prostituta ou adúltera. Essa imagem, construída na Idade Média, visava diminuir sua importância e ocultar seu protagonismo como apóstola dos apóstolos. Tal tentativa de desqualificação histórica reflete uma visão clericalista e misógina que, ao longo dos séculos, preferiu esconder a força e a liderança feminina na comunidade eclesial nascente. Ela aparece pela primeira vez em Lucas 8,2 como mulher da Galileia — de Magdala — da qual Jesus expulsou sete demônios, expressão que pode simbolizar plena libertação de toda opressão, e não necessariamente uma possessão literal. Segundo a tradição, após a ressurreição, Madalena teria vivido e morrido em oração e contemplação, seja em Éfeso ou na Provença.

Ainda era escuro, mas o primeiro dia da semana já havia começado. A cena é intencionalmente marcada pelo tempo e pelo ambiente. João 20 inicia-se como Gênesis 1, evocando o princípio da criação, quando “a terra estava sem forma e vazia, e as trevas cobriam o abismo” (Gn 1,2). Agora, na nova criação, a escuridão novamente paira — não apenas sobre o mundo, mas sobre a alma de Maria Madalena. Assim como em Gênesis, onde Deus disse: “Faça-se a luz” (Gn 1,3), o Cristo ressuscitado será a luz a romper as trevas do luto, da desesperança e da incompreensão. O Evangelho de João estrutura-se como uma nova Gênesis, e Maria, a primeira testemunha da ressurreição, é figura da nova humanidade reconciliada.

Ao se dirigir ao túmulo, Maria carrega consigo não apenas especiarias, como nas versões sinóticas, mas sim a esperança desfigurada. Seu corpo se move, mas sua alma permanece aprisionada no tempo da cruz. Ela procura um corpo morto, sem imaginar que encontraria o Vivente. A simbologia do túmulo é densa: é o lugar da morte selada, da memória encerrada, da história aparentemente vencida. Representa também todos os espaços onde a vida parece ter fracassado — projetos destruídos, amores perdidos, promessas traídas. Maria, como tantas mulheres ao longo da história — Ana que chorava sua esterilidade (1Sm 1), Ester que intercede por seu povo (Est 4), Rute que permanece leal na dor (Rt 1), Débora que lidera na guerra (Jz 4) — aproxima-se desse túmulo com lágrimas. Como as mulheres que foram ao túmulo “ao nascer do sol” (Mc 16,2), ela representa a fidelidade silenciosa que permanece mesmo diante do fim.

João, ao mencionar que “ela viu a pedra retirada do túmulo” (Jo 20,1), nos convida a perceber que algo já está em curso. A pedra removida não é apenas um detalhe físico; representa a ruptura da lógica do fechamento. A morte já não pode conter a Vida. Como o anjo disse a Daniel: “A pedra foi cortada, não por mãos humanas” (Dn 2,34), agora é o próprio Deus quem remove os selos da morte. A pedra que os construtores rejeitaram se tornou a pedra angular (Sl 118,22).

Maria corre. Vai até Pedro e ao discípulo amado. Corre como os profetas corriam para anunciar oráculos, como Elias que “correu à frente” (1Rs 18,46). Contudo, sua mensagem ainda é fragmentada: “Levaram o Senhor... e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2). A ausência do corpo ainda é interpretada como ausência de sentido. Aqui somos confrontados com nossa própria cegueira espiritual: tantas vezes olhamos para o vazio e não vemos a promessa.

Mas Maria permanece (Jo 20,11). Essa permanência é símbolo de resistência e abertura. No Evangelho de João, o verbo menō está no cerne da espiritualidade cristã: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15,4). Maria é aquela que permanece à beira do mistério, que insiste na busca mesmo diante do aparente silêncio de Deus. Como Miriam, irmã de Moisés, que permanece cantando mesmo depois do Mar Vermelho (Êx 15), e como a profetisa Ana, que esperava a redenção no templo (Lc 2,36-38), Maria Madalena representa a esperança vigilante. Suas lágrimas são oração do corpo, liturgia da dor.

Ela se inclina para ver dentro do túmulo e vê dois anjos. Um sentado à cabeceira e outro aos pés, onde o corpo de Jesus estivera (Jo 20,12). A imagem remete à arca da aliança (Êx 25,18-22). O túmulo vazio se torna o novo Santo dos Santos. A presença divina agora se revela na ausência do corpo, porque o corpo glorificado já não está sujeito à lógica da posse. A ressurreição é transfiguração da carne.

Maria ainda não compreende. Quando Jesus se aproxima, ela o confunde com o jardineiro. Mas está certa. O Ressuscitado é o novo jardineiro da criação. Como o primeiro Adão cultivava o Éden (Gn 2,15), o novo Adão restaura tudo. O jardim é símbolo de comunhão. Em Cântico dos Cânticos, a amada diz: “Meu amado desceu ao seu jardim” (Ct 6,2). É nesse jardim que Maria é colhida.

Basta que Ele diga seu nome — “Maria!” — e tudo se transforma. O nome é vínculo, história. Ao ouvi-lo, Maria responde: “Rabbuni!” — meu mestre. Mas tenta segurá-lo. “Não me detenhas” (Jo 20,17). O Ressuscitado não pode ser retido. Fé como posse é idolatria. Fé como relação é ressurreição.

O Ressuscitado envia Maria: “Vai aos meus irmãos”. A ressurreição gera missão. Maria torna-se figura da Igreja nascente, como Maria, mãe de Jesus, como Priscila, que ensinava ao lado de Paulo (At 18,26), como Febe, diaconisa da Igreja de Cencréia (Rm 16,1), como tantas outras que foram colunas da comunidade. O essencial da missão é: “Vi o Senhor!” (Jo 20,18).

Essa passagem denuncia estruturas religiosas que sufocam o novo. A pedra removida do túmulo precisa também ser removida dos corações empedrados (Ez 36,26), das instituições que perderam o sopro da vida. O Cristo não pode ser trancado em tabernáculos de ouro enquanto seus pobres continuam crucificados. Como advertiu São João Crisóstomo: “Não faças o cálice brilhar de ouro e ignores aquele que tem fome”.

Por isso, o Evangelho interpela a Igreja. Ainda é escuro: os túmulos estão cheios de jovens mortos pela violência, de povos espoliados, de mulheres silenciadas. Mas o Ressuscitado caminha nos jardins do mundo e continua a chamar pelo nome os que choram. Ele não se deixa vender. A fé que o segura já o perdeu. Somente o anúncio solidário pode reconhecer sua voz. Maria Madalena não foi ao túmulo por interesse, mas por amor. Por isso viu o que outros não viram. Por isso foi enviada. Por isso é, segundo Tomás de Aquino, apostola apostolorum. O amor gera escuta. A escuta gera missão. O Cristo ressuscitado não se impõe: Ele sussurra o nome. E isso basta para ressuscitar uma alma.

Ainda é escuro, mas o jardim já floresce. O túmulo está aberto. O nome é chamado. E a missão começa. Vá. Anuncie. O Senhor vive. E vive em todos os que amam até o fim.



DNonato - Teólogo do Cotidiano 


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