sexta-feira, 22 de julho de 2011

Amar de Amizade¹


"Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o encontrou, descobriu um tesouro. Nada se compara a um amigo leal; o ouro e a prata não merecem ser postos em paralelo com a sinceridade da sua fé. Um amigo verdadeiro é um remédio de vida e imortalidade; quem teme ao Senhor encontrará esse companheiro. Quem teme ao Senhor cultivará também amizades excelentes, pois seu amigo lhe será semelhante.”² A Palavra de Deus, especialmente no Antigo Testamento, está impregnada de sabedoria que toca o coração humano em suas necessidades mais íntimas: entre elas, a sede por comunhão, por presença, por reciprocidade. Em tempos marcados pelo isolamento digital e por vínculos frágeis e descartáveis, a Escritura proclama com força: “um amigo fiel é um tesouro”. E não um tesouro qualquer, mas um que nem o ouro nem a prata conseguem imitar. Um dom que vem de Deus e exige de nós vigilância interior, discernimento e capacidade de entrega.
Curiosamente, a palavra amigo aparece duzentas e doze vezes em toda a Bíblia³, enquanto o termo tesouro é citado cento e dezoito vezes. A própria repetição desses termos revela o quanto a Escritura valoriza tanto o afeto leal quanto aquilo que é verdadeiramente precioso. E não raro, os dois se encontram na mesma sentença, como nesta passagem do livro do Eclesiástico. Deus parece querer nos ensinar que a verdadeira riqueza não se encontra acumulada em cofres, mas partilhada em vínculos de fidelidade, verdade e cuidado mútuo.
Amar com amizade... Que forma bela e sensível de descrever o sentimento que nos une como seres humanos. Em determinadas etapas da vida, não compreendemos plenamente o que é o amor. Ele se apresenta em fragmentos, em expressões diversas: o amor entre pais e filhos (storgē), o amor fraterno entre irmãos e irmãs de sangue ou de caminhada (phília), o amor romântico, o desejo apaixonado (eros). E há ainda o amor pelas coisas — como o das crianças pelos brinquedos, que ensina o primeiro apego, mesmo que ingênuo. Cada uma dessas formas traz consigo lampejos do amor maior, mas a amizade é aquela que, desinteressadamente, nos permite enxergar o outro não como posse, mas como companheiro de jornada.
Todos precisamos de amigos. E sabemos, no mais íntimo de nossa consciência, que devemos ser amigos. Cultivar vínculos verdadeiros e duradouros é, em si, um exercício de humanidade. Transformar o coleguismo rotineiro em amizade sincera é uma arte que exige presença, escuta, doação e constância. Exige fazer do amor phília uma prática cotidiana e não apenas uma ideia abstrata.
O verdadeiro amigo — ou a verdadeira amiga — chega sem anúncio. A gente escolhe sem perceber. E, de repente, aquela pessoa se faz essencial, presença constante mesmo à distância. Um elo que não depende de mensagens diárias, mas de uma conexão mais profunda, que nasce da confiança, da partilha e do respeito mútuo. O amigo é aquele em quem confiamos, e que confia em nós. Um espelho que nos reflete com honestidade, mesmo quando não gostamos da imagem. E que, ainda assim, permanece.
Ele está disposto a arriscar tudo por nós — não por heroísmo vazio, mas por amor concreto. Ele quebra galhos, estende a mão, ajuda a reerguer. Não se esconde quando as crises chegam, nem finge que está tudo bem quando não está. Ele tem a coragem de dizer verdades inteiras — inclusive aquelas que doem. E, justamente por isso, é insubstituível.
Um amigo verdadeiro não se ausenta. Defende-nos das palavras maldosas, das injustiças, dos que tentam destruir aquilo que somos. Ele acredita em nossas decisões, mesmo quando elas falham, e permanece em silêncio respeitoso — não como quem concorda com tudo, mas como quem não nos abandona. Ele não carrega nossas culpas no colo nem nos vitimiza. Mas oferece o ombro e aponta caminhos. É presença — discreta, firme, fiel. Uma seta que indica a saída. Uma escada que nos ajuda a subir.
Amigo é aquele que está ao nosso lado tanto na solidão quanto na festa. Sem máscaras, sem encenações, sem conveniências. Apenas sendo quem é.
A Escritura nos oferece belos exemplos de amizade verdadeira: Davi e Jônatas, que choraram juntos e selaram uma aliança de alma e fidelidade (1Sm 18–20); Jesus, no Evangelho de João, que confia aos discípulos: “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15,15) — elevando a amizade ao nível da comunhão divina. E Santo Agostinho, em suas Confissões, dirá que “o amigo é metade da minha alma” (Confissões IV,6). A amizade, assim, se torna também caminho de salvação, lugar de revelação de Deus, santuário onde habita a graça.
Mas a verdade é que hoje vivemos uma cultura que banaliza os vínculos. Em tempos de relações líquidas e afetos descartáveis, a amizade tem sido reduzida a conexão, seguidor ou visualização. É preciso dizer: amizade não é conveniência, é compromisso. Não é presença digital, é presença encarnada. Não é acúmulo de contatos, é profundidade de vínculos. Amizade, hoje, é ato de resistência e profecia.
É nosso dever — e nossa necessidade vital — construir amizades assim. Não apenas uma ou duas, mas quantas pudermos, pois ninguém cresce sozinho. Uma amizade verdadeira é um espaço de cura, de reencontro com a própria dignidade, de restauração da esperança. Mas, antes de buscarmos amigos assim, é preciso examinar o próprio coração. Estamos, de fato, dispostos a ser esse tipo de amigo? Temos dentro de nós a disposição para oferecer uma amizade sincera, desinteressada, corajosa?
Se a resposta for “sim”, então devemos olhar ao nosso redor com novos olhos. Entre os colegas de trabalho, entre os vizinhos, os membros da comunidade, da escola ou da paróquia... ali podem estar os futuros amigos que caminharão conosco para além dos ciclos superficiais. É preciso dar o primeiro passo: iniciar a construção, tijolo por tijolo, de um santuário da amizade — que, com o tempo e a fidelidade mútua, se tornará uma grande catedral.
A música brasileira tem um lugar especial quando o assunto é amizade e afeto. Diversas canções unem os termos amigos e tesouro em suas letras. Em particular, gosto de recordar o refrão de uma música⁴ do final da década de 1980, cantada pelo grupo Legião Urbana, que dizia:
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque, se você parar pra pensar, na verdade não há.”
E a letra continua com mais uma imagem poética e profunda:
Sou uma gota d'água, sou um grão de areia.
Sim, sem a amizade como referência em nosso modo de viver, corremos o risco de ser apenas uma gota no imenso oceano da vida ou um grão de areia perdido nas praias de nossas realidades. Mas, quando escolhemos viver na amizade — com profundidade, entrega e presença — tornamo-nos rios que saciam a sede, tornamo-nos terra firme para quem busca pouso. Tornamo-nos, enfim, sinais do amor de Deus no mundo.

Oração  da amizade.
Senhor, dá-nos um coração capaz de amizade verdadeira.
Ensina-nos a amar sem exigir retorno,
a caminhar com fidelidade,
a dizer a verdade com ternura
e a permanecer, mesmo quando o outro não tem mais forças.
Faz de nós pontes, escadas, abrigo e mão estendida.
Amém.


1 - Texto de Edson Oliveira / Daniel Nonato baseado no livro Carta aos Jovens da Serpal / Vozes e na mensagem de autoria de Edson Oliveira que foi ao ar no programa Questões de Fé, no dia 16/07/2011, na Rádio Catedral FM 106,7, às 16h10. É uma reflexão sobre o nosso jeito de sermos e fazermos amigos. O programa foi animado pela PASCOM / D. NI, representada por: Daniel Nonato, Edson Oliveira, Eloy Bezerra e Moisés Arantes. Vídeos e fotos da internet.
2 - Eclesiástico 6,14–17. Tradução Ave Maria.
3 - Tradução da CNBB.
4 - Pais e Filhos. Composição: Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá. A música fala das diferentes fases da vida de uma pessoa, desde a infância — quando é filho — até a idade adulta — quando será pai. O refrão expressa o valor do amor vivido no presente: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.” Ou seja, não sabemos o que acontecerá amanhã, por isso devemos amar hoje.

3 comentários:

  1. Ainda posso acrescentar uma parte do texto do Apostolo Paulo em 1Coríntios 13, 1 - 13, destaco o versículo 13 "Agora, portanto, permanecem estas três coisas: A fé, a esperança e o amor. A maior de delas, é o amor".
    Um abraço Ronildo Burity.

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    1. Edinho foi morar com Deus no ultimo dia 22 de janeiro, deixando aqui essa reflexão para nossa vida e lida diária.

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