O “tarifaço” de 50% anunciado por Donald Trump contra produtos brasileiros — aço, alumínio e setores estratégicos — não é mera medida econômica, mas declaração simbólica de guerra contra a soberania de um país que, historicamente, parte de suas elites vê como quintal de interesses estrangeiros. Curiosamente — ou cinicamente — a mesma extrema direita brasileira que grita “Deus, pátria e família” corre para o abraço do trumpismo, aplaudindo quem pisa na nossa bandeira. Aqueles que juram amar o Brasil fazem promessas de lealdade a quem cobra pela liberdade que dizem defender.
Esse episódio escancara a falência moral de um projeto político que, travestido de “conservadorismo cristão”, é um entreguismo adornado com crucifixos. Esse “conservadorismo cristão” que ora com santidade, mas ajoelha-se aos caprichos do império, é a religião vazia denunciada por Jesus. Uma hipocrisia que pinta de santo o que serve de escada para o entreguismo. A serpente que morde o Brasil é a mesma que alimentaram com ódio, fake news e saudade de ditaduras. A mesma venerada quando Bolsonaro dizia que “amava os EUA”. Agora, diante do beijo da serpente imperial, fazem piruetas retóricas, torcem palavras e tropeçam em vídeos antigos, mas jamais admitem que se ajoelharam em vão. Do ponto de vista filosófico, repetimos a tragédia da alienação hegeliana: um povo que transfere seu espírito para fora de si, negando-se como sujeito da própria história. Somos chamados a reaprender nossa identidade concreta, não como abstração nacionalista vazia, mas como corpo coletivo que planta, canta, luta, pensa, resiste e sonha. Não somos mascote de Trump. Somos uma nação com chão, língua, cultura e dignidade.
Economicamente, o impacto é imediato: as sobretaxas fragilizam indústrias, agricultura e empregos. Enquanto isso, a inflação segue controlada (IPCA de junho fechou em 0,24%), puxada pela queda dos alimentos, apesar da pressão da energia na cesta básica. Esses dados denunciam a urgência de uma política soberana — que não seja refém de Washington nem de memes de direita. O povo pobre não come ideologia, não abastece o carro com discursos vazios, não paga aluguel com “liberdade de mercado”.
E o Congresso Nacional?
Esse circo de discursos vazios ruge contra impostos a grandes fortunas, heranças bilionárias ou lucros bancários — em nome do “defensor do contribuinte” — mas cala diante da chantagem imperial de Trump. Onde estão os tigrões da “liberdade econômica” quando o estrangeiro impõe tributos ao Brasil? Na frente da TV, esses patriotas inflamados se transformam em tigrões. Mas quando o império bate na porta com seu imposto, viram tchu-tchucas, calados, encolhidos, cúmplices da própria humilhação. Nenhuma CPI, nenhum protesto. Essa hipocrisia não é só vergonha: é um escândalo que revela a quem realmente servem.
E a grande mídia?
Que se diz vigilante, mas serve a interesses de mercado? Onde estão as manchetes indignadas e os editoriais inflamados contra o “protecionismo imperial”? Quando a taxação vem de Brasília, é histeria. Quando vem de Washington, é silêncio. Essa seletividade escancara o vício colonial de uma imprensa que se julga internacional, mas esquece que seu povo paga a conta do servilismo.
A sociologia ensina que soberania não é palavra para hashtag ou discurso de Twitter. É garantir que o trabalhador tenha seu sustento, que o agricultor familiar tenha sua terra, que o Brasil viva sem curvar-se diante do chicote imperial. Mas a extrema direita que desconhece Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes prefere o joelho no chão e o silêncio diante do opressor. Teologicamente, o momento exige discernimento profético. A Bíblia está cheia de alertas contra alianças com impérios opressores: Egito, Babilônia, Roma seduziam Israel com promessas de segurança, mas cobravam tributo, cultura e alma. Isaías advertia: “Ai dos que descem ao Egito em busca de ajuda... mas não consultam o Santo de Israel” (Is 31,1). Hoje, quem “desce ao Egito” são os que entregam o Brasil ao altar do mercado externo, sem ouvir o clamor do povo. Deus não se alinha com a especulação. Ele derruba os poderosos e exalta os humildes (Lc 1,52). Está com o lavrador, o camelô, o cortador de cana esmagado pela lógica das tarifas e pela idolatria do dólar.
Antropologicamente, nossa identidade está em disputa. Tentam redefinir o ser brasileiro com moralismos violentos e racistas importados dos EUA. Mas o Brasil verdadeiro é o do povo simples, que carrega fé, resistência, sincretismo, mística popular e justiça — como sabia Paulo Freire, como cantava Milton Nascimento, como rezava Dom Pedro Casaldáliga, como escreve Conceição Evaristo: o povo brasileiro “escreve com o corpo”. Não somos o pastiche de uma América neoconservadora. Somos o Brasil da festa e da luta, da reza e do enfrentamento, da ciranda e da reinvenção.
O tom profético é denúncia e anúncio. Denúncia da hipocrisia da extrema direita, que cala diante do ataque econômico mais violento dos últimos anos — porque vem do seu ídolo. Anúncio de uma nova consciência nacional: não um retorno à retórica ufanista, mas um projeto ético, democrático, justo e soberano. Nem a esquerda que se rendeu ao capital, nem a direita que se vendeu ao império. Queremos um Brasil para brasileiros — com pão, terra, dignidade e voz.
Que os que choram por Trump engulam o amargor da traição.
Que os que resistem ao império lembrem: a serpente sempre morde quem a cria no colo. O povo acordado já afia a enxada, a palavra e o sonho. Com a enxada, lavra a terra para a justiça florescer. Com a palavra, denuncia a serpente e a hipocrisia. Com o sonho, ergue a esperança da libertação.
Quando o povo se levanta, nem império, nem direita, nem medo seguram o passo firme. Porque há um tempo — que vem como trovão — em que a justiça brota no sertão e nas quebradas. E nesse tempo, o Brasil se reencontra e pisa, sim, pisa na cabeça da serpente
Só pra lembrar: O Brasil é dos brasileiros.
DNonato - Apenas um brasileiro
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