quarta-feira, 30 de julho de 2025

Três Cristos: o do palco, o do sacrário e o da calçada


Milhares buscam Cristo no palco. O ambiente é de show, luzes coloridas, fumaça cênica e uma cruz iluminada no centro. As pessoas cantam, choram, erguem as mãos e se comovem com a atmosfera emotiva. Mas, em meio a tanta comoção, não se ouve o grito do pobre. Os gestos são intensos, mas não se traduzem em braços estendidos ao necessitado. Há fervor, mas falta compromisso. Nesse cenário, Cristo é apresentado como astro pop, domesticado, moldado ao gosto do público, transformado em produto de consumo espiritual. No entanto, Ele nunca pediu palco. Pediu cruz.

As palavras de Jesus permanecem atuais: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mateus 15,8). O Papa Francisco, de venerável memória, denunciou com clareza esse fenômeno: “O mundanismo espiritual disfarça-se de religiosidade, mas busca a glória humana e o bem-estar pessoal” (Evangelii Gaudium, 93). Trata-se de um culto estéril, um espetáculo vazio, uma fé reduzida a performance e likes. É idolatria mascarada de piedade. Um Cristo fabricado, que conforta mas não converte, que emociona mas não transforma.

Ai de vós que transformais o altar em palco, a oração em performance e o louvor em mercadoria. Ai de vós que correis atrás de sinais e milagres, mas não reconheceis o rosto do Crucificado nos rejeitados da terra.

O Reino não se revela nos gritos, mas no silêncio, não se manifesta nos holofotes, mas na fidelidade escondida. O Filho do Homem vem onde menos se espera — e quase sempre, passa despercebido.

Enquanto muitos o buscam no barulho, poucos o visitam no sacrário. Ali, não há aplausos nem promessas de milagre. Há silêncio, humildade, presença real. Deus se faz pequeno, escondido no pão. Quem se aproxima encontra mais do que um símbolo: encontra o próprio Cristo que espera, que chama, que alimenta. Não há espetáculo — há conversão. Não há fama — há comunhão. “Fazei isto em memória de mim” (Lucas 22,19) não é apenas rito: é missão. A Eucaristia compromete. São João Paulo II recorda: “A celebração eucarística compromete o fiel a transformar a própria vida numa oferenda a Deus” (Ecclesia de Eucharistia, 20). E isso não se realiza sem a presença dos pobres.

Não se adora a Cristo presente no altar sem se comprometer com o Cristo que sofre nos corpos flagelados. A Eucaristia exige coerência entre a liturgia e a caridade, entre a fé celebrada e a vida partilhada. Ela nos envia do sacrário para a calçada, do templo para a rua. Não é fim em si, é impulso de saída. Como disse Francisco em vida: “A espiritualidade cristã é marcada pelo dinamismo da saída de si em direção ao outro” (Evangelii Gaudium, 87).

E é na calçada que Cristo se mostra mais claramente. Sujo, abandonado, invisível. Sem brilho, sem câmeras, sem emoção manipulada. Está no andarilho, na mulher explorada, no jovem excluído, na criança faminta. Não há glamour — há dor. Mas ali está Ele. “Tudo o que fizestes a um destes pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mateus 25,40). E o que não fizestes... também.

Francisco uma  voz profética em nossa  história continua a incomodar os acomodados — advertindo: “Alguns cristãos pensam que sua grandeza está em se sentirem fiéis a certas formas exteriores, mas esquecem que o culto mais agradável a Deus é o amor ao irmão” (Fratelli Tutti, 74). É possível comungar todos os dias e continuar indiferente. É possível frequentar todos os cultos e não enxergar o Cristo que geme ao lado. Quem adora o Cristo do palco e ignora o da rua idolatra uma imagem falsa. Quem reza, mas fecha os olhos à dor, blasfema com piedade.

São João Crisóstomo foi ainda mais incisivo: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Não o desprezes quando o vês nu. Não o honres aqui no templo com tecidos de seda, se lá fora o deixas sofrer frio e nudez” (Homilia sobre o Evangelho de Mateus, 50,3).

 A beleza da liturgia se converte em escárnio se não desemboca em justiça. A verdade é dura, mas libertadora: o verdadeiro seguimento de Cristo começa onde termina o show. Começa no silêncio da oração, na fidelidade do cotidiano, na calçada onde a cruz continua presente. Ele está lá, esperando. Sem plateia. Sem espetáculo. Mas cheio de amor.

DNonato – Teólogo do Cotidiano

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