quarta-feira, 30 de julho de 2025

Um breve olhar sobre Mateus 13, 47-53

O Evangelho segundo Mateus é cuidadosamente estruturado em cinco grandes discursos, ecoando simbolicamente os cinco livros da Torá — como se o evangelista estivesse anunciando que, em Jesus, Deus nos oferece uma nova Lei, uma nova criação, uma nova caminhada do Êxodo. Cada um desses blocos discursivos é encerrado por uma fórmula semelhante — “quando Jesus terminou de dizer essas palavras...” (cf. Mt 7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1) — e é precedido por uma seção narrativa que o prepara. O primeiro livro se estende de Mt 3,1 a 7,29 e trata da chegada do Reino e do Sermão da Montanha; o segundo livro vai de Mt 8,1 a 11,1 e tematiza os sinais e exigências do Reino; o terceiro se estende de Mt 11,2 a 13,53 e foca na revelação do Reino por parábolas; o quarto vai de Mt 13,54 a 18,35 e trata da comunidade do Reino; e o quinto se estende de Mt 19,1 a 25,46, culminando no julgamento final. Por fim, Mt 26–28 forma o epílogo da paixão, morte e ressurreição. Ao encerrarmos o terceiro livro com a perícope de Mt 13,47-53 — a parábola da rede lançada ao mar e a imagem do escriba discípulo —, somos colocados diante do momento de decisão: entre compreender ou rejeitar, entre discernir ou endurecer o coração. Com isso, abre-se o quarto livro (Mt 13,54–18,35), que se concentrará na formação da comunidade do Reino, onde Jesus ensina como seus discípulos devem viver entre si, perdoar-se mutuamente, buscar os pequenos e exercer a autoridade no serviço. A passagem que hoje meditamos, portanto, é um limiar: ela conclui a revelação parabólica do Reino e nos conduz ao caminho da prática concreta no seio da comunidade e da história.

Jesus compara o Reino dos Céus a uma rede lançada ao mar que apanha peixes de toda espécie. Esta imagem, enraizada no cotidiano dos pescadores da Galileia, é ao mesmo tempo simples e profundamente escatológica. A rede representa a ação inclusiva da pregação do Reino, que abrange toda a humanidade sem distinção inicial. Mas, no fim, haverá separação — o discernimento entre o justo e o injusto, entre o que é fecundo e o que é estéril. A separação final não cabe aos homens, mas aos anjos, e acontece "ao fim do mundo" (Mt 13,49), linguagem claramente escatológica, que nos remete a Daniel 12,2-3 e à expectativa profética de um juízo definitivo. Neste cenário, as parábolas se tornam uma espécie de catequese apocalíptica: revelam o Reino como realidade já presente, mas cuja consumação se dará plenamente na intervenção final de Deus.

A rede, que tudo acolhe, exige vigilância e decisão. Não se pode viver indefinidamente no espaço da indiferença ou da neutralidade espiritual. A imagem da seleção dos peixes, bons e maus, se articula com a parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-30.36-43), onde o julgamento não é apressado, mas é certo. Ambas as parábolas enfatizam que o tempo presente é de anúncio, acolhida e transformação, mas o tempo escatológico trará a verdade definitiva. A rede lançada ao mar é o anúncio do Evangelho que atravessa a história; o critério de discernimento é a justiça do Reino, vivida concretamente em misericórdia, compaixão e fidelidade (cf. Mt 25,31-46). Esse juízo anunciado por Jesus não é punitivista, mas revelador: ele expõe o que cada um se tornou, ou seja, revela a verdade do coração humano. Aqui está a crítica à religião do espetáculo, da aparência e do culto performático: Deus não se deixa enganar por quem grita "Senhor, Senhor" (Mt 7,21), mas reconhece aqueles que se comprometeram com o bem, mesmo que no escondimento. Trata-se de uma escatologia do amor prático e do serviço, e não do medo ou da condenação arbitrária. A justiça que salva é aquela que se torna pão partilhado, visita ao encarcerado, acolhida ao estrangeiro, e não rituais vazios ou discursos triunfalistas. O Reino é para os que vivem a bem-aventurança de ser pobre em espírito, manso, faminto de justiça, construtor da paz (cf. Mt 5,1-12).

No contexto contemporâneo, essa rede evangélica pode ser contrastada, de forma simbólica e profética, com as redes digitais e sociais que também capturam multidões. A metáfora da rede, que em tempos antigos evocava o mar e os peixes, hoje pode evocar algoritmos e timelines. As redes digitais, assim como a rede do Reino, são espaços que acolhem toda espécie — mas nelas também se misturam verdade e mentira, solidariedade e ódio, evangelho e idolatria. Há uma nova forma de pescaria, onde corações e mentes são fisgados não pela Palavra, mas pela estética do consumo, da violência simbólica e da manipulação ideológica. As redes podem ser espaço de missão e anúncio, mas também podem ser utilizadas como redes que prendem e deformam, como armadilhas digitais que escravizam e afastam da verdade. Cabe aos discípulos discernirem que tipo de peixe estão se tornando e que rede estão ajudando a lançar: a do Reino que liberta ou a do mercado que aprisiona. Paulo, em Efésios 4,14-15, adverte que não sejamos levados por qualquer vento de doutrina, nem enganados por artimanhas humanas, mas que cresçamos na verdade e no amor. A escatologia, portanto, não é apenas um juízo futuro, mas também um chamado urgente para discernirmos que tipo de rede estamos tecendo no presente.

Por isso, Jesus termina esta série de parábolas dizendo que todo escriba instruído nas coisas do Reino é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas (Mt 13,52). O discípulo que compreende as parábolas e se deixa formar por elas torna-se capaz de ler a história com os olhos de Deus. Aqui, há um elogio à hermenêutica da continuidade: o Novo não anula o Antigo, mas o reinterpreta à luz da plenitude do Reino. O escriba do Reino é aquele que reconhece em Jesus o cumprimento das promessas, mas também a ruptura necessária com os modelos religiosos de exclusão, legalismo e opressão. É alguém que aprendeu a discernir os sinais dos tempos e que vive com os pés na história e os olhos no horizonte escatológico. Esta perícope é, portanto, uma chave de leitura para toda a missão cristã. Ela denuncia os sistemas religiosos que mantêm as redes rasgadas, que pescam apenas para si e que descartam os peixes pequenos. Denuncia a teologia da prosperidade que transforma o Reino em mercado e a fé em moeda de troca. Denuncia o clericalismo que se arroga o direito de julgar os outros, esquecendo que o julgamento pertence apenas a Deus. E denuncia, sobretudo, o individualismo de uma espiritualidade sem corpo, sem cruz e sem comunidade. A rede do Reino não é para capturar, mas para incluir; não é para segregar, mas para reunir. E a separação final não é tarefa nossa, mas da justiça divina, que tudo vê e tudo pesa. Enquanto isso, resta-nos lançar a rede com fidelidade, sabendo que o mar do mundo é vasto, imprevisível, mas habitado por Deus. 

Como Paulo nos recorda em 2⁰ Coríntios 5,10, todos devemos comparecer diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo. A escatologia paulina não é marcada pela angústia, mas pela esperança vigilante: a certeza de que o Senhor ressuscitado reunirá os seus, separará com justiça, e estabelecerá, enfim, a comunhão plena. A rede do Reino é, portanto, imagem dessa tensão entre o já e o ainda não: já somos pescados pelo Evangelho, mas ainda caminhamos em meio às águas turvas do mundo. Já temos a graça, mas ainda lutamos contra as trevas. Já há colheita, mas ainda há tempo para conversão. A escatologia, longe de ser fuga do mundo, é mergulho profundo na história com os olhos voltados para a plenitude que há de vir. É urgência da graça. É responsabilidade de fé. É anúncio que julga e acolhe. É rede que inclui, purifica e conduz à luz definitiva do Reino que não terá fim.



DNonato – Teólogo do Cotidiano


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