sexta-feira, 16 de maio de 2025

Um breve olhar sobre João 14,1-6

Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14,1).

Seguir o caminho do Céu não é uma metáfora devocional: é uma exigência radical de conversão. O Senhor não nos oferece atalhos nem promessas de tranquilidade terrena. Ele é o Caminho – e isso supõe movimento, decisão, desapego e discernimento.

Jesus pronuncia essas palavras num contexto de despedida, marcado por tensão e medo. É justamente nesse cenário que Ele oferece consolo – não como fuga da realidade, mas como direção segura: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. O coração humano, antropologicamente sedento de sentido, só repousa quando encontra um destino, uma origem e um fim. Como afirmou Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.”

Essa busca, porém, não se faz sem atravessar os vales sombrios da história. Caminhar com Cristo implica enfrentar as dores e dilemas do tempo presente. A estrada da fé não contorna as angústias do mundo – ela passa por dentro delas. É mantendo a esperança em meio ao caos dos sistemas humanos – seja o mercado cego, seja o Estado ideológico – que revelamos a autenticidade do seguimento de Jesus.

É por isso que, à luz dos profetas, precisamos levantar a voz. Não podemos nos calar diante da manipulação da fé por setores da nova direita religiosa, que confundem o Reino de Deus com um projeto de poder e transformam o Evangelho em instrumento de controle cultural. Usam o nome de Jesus para justificar armas, ódio, supremacias e castas. Invocam o Deus da vida para defender a pena de morte, a destruição ambiental, a exploração econômica e a exclusão dos mais pobres.

Mais grave ainda é quando essa distorção se disfarça com roupagens eclesiais. A Igreja, nesse cenário, vê-se invadida por um clericalismo retrógrado, alimentado por pompas, títulos e uma espiritualidade de sacristia – incapaz de se ajoelhar diante da dor do povo. Há padres mais preocupados com o corte da batina e o número de seguidores do que com o cheiro das ovelhas. Há bispos que preferem a segurança dos palácios episcopais ao risco evangélico das periferias. Mas a cruz não é cetro. E o púlpito, definitivamente, não é palanque.

O Documento de Aparecida (CELAM, 2007) nos recorda com clareza: “Jesus Cristo é o único fundamento sobre o qual se pode construir a nova civilização do amor” (DAp 3). Nenhum projeto social ou político pode se substituir ao Reino. Este nasce do coração regenerado, não da imposição estatal nem da militância clerical. Como disse Paulo aos Gálatas: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gl 5,1) – não para o cabresto religioso ou ideológico.

Por isso, quem caminha com Cristo, caminha leve. Os pesos que insistimos em carregar – nossas ideologias, ambições, vaidades – nos impedem de subir a montanha de Deus. Como ensina o Salmo, só sobe quem tem “mãos inocentes e coração puro” (Sl 24,4). A tradição espiritual da Igreja ensina: a via da purificação precede à iluminação. Não se vê a Deus com os olhos embaçados pelo poder ou pela preguiça espiritual.

É urgente uma Igreja de joelhos, não de palanque. Uma Igreja que não apenas denuncia as injustiças, mas aponta caminhos de eternidade. O Concílio Vaticano II afirmou com clareza: “A Igreja caminha junto com toda a humanidade” (GS 40). Isso, no entanto, não significa confundir-se com ela. A Igreja é sinal e instrumento de salvação – não de ideologia. E o Evangelho, como afirmou Bento XVI, “não é uma ideologia, mas um encontro com uma Pessoa, com Cristo vivo, que dá à vida um novo horizonte” (Deus Caritas Est, 1).

Seguir o Caminho do Céu é, portanto, caminhar aqui com os pés no chão e os olhos voltados para o alto. Ter fé hoje é manter-se humano quando o mundo quer que sejamos máquinas. É anunciar a esperança onde a religião virou espetáculo. Como dizia Paulo Freire, “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando”.

Caminhemos, então – como comunidade, como Igreja samaritana, com ternura e coragem. Não carreguemos fardos inúteis. Bebamos da paciência, comamos da sabedoria, olhemos para o alto. Que ninguém fique para trás, que ninguém se sente. Fortaleçamo-nos mutuamente na caridade (cf. Gl 6,2). E se alguém perguntar por que ainda insistimos no Caminho, respondamos sem medo: porque foi o Amor quem nos chamou. E onde está o Amor, ali está o nosso destino.


DNonato – graduado em História, teólogo do cotidiano, indigente do sagrado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.