A morte do Vaqueiro, canta a realidade ainda hoje do trabalhador, sobretudo nesse tempo de pandemia, sem esquecer a morte econômica e social. Gonzaga ao encontrar Nelson Barbalho fala da necessidade de fazer uma justa homenagem ao primo que citamos acima, morto e ninguém sabia a real motivação e autoria de tal assassinato.
No depoimento Valéria Barbalho, publicado sobre a forma de artigo no Jornal Vanguarda, de Caruaru/PE, de 10/04/2009 conta como surgiu a lengo-tengo que publicamos abaixo na integra:
“Desde que se conheceram, em 1957, ano do centenário de Caruaru, meu pai, Nelson Barbalho, e Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, tornaram-se amigos. Eles sempre se correspondiam e todas as vezes que Gonzaga ia à Capital do Agreste, arranjava um tempinho para nos visitar. Em uma dessas visitas, ele disse que estava com uma música nova e pediu para meu pai fazer a letra. Queria homenagear seu primo, o vaqueiro Raimundo Jacó, que tinha sido assassinado. E contou como tudo aconteceu. Ciente da história e como já estava na hora do almoço, meu pai disse: ‘Vamos logo comer e depois você toca a música para eu ver se encaixo a letra. Se eu conseguir, ótimo! Senão, nem adianta tentar mais tarde. Só sei fazer letra na hora’. Depois do almoço, o Rei do Baião pegou a sua sanfona, sentou-se na beirada da cadeira e puxou o fole... Juntou gente em frente à nossa casa para vê-lo. Meu pai, ouvindo a melodia, foi ‘encaixando’ a letra: ‘Numa tarde bem tristonha...’ e assim continuou até o final. Deu-lhe o título: A Morte do Vaqueiro. Seu Luiz adorou. Foi embora, à tardinha, depois que decorou a letra e ajustou o tom. Saiu feliz da vida, dizendo que ia mostrá-la ao padre João Câncio e encomendar uma missa para Jacó. Pediu autorização do meu pai para cantá-la durante a cerimônia. Como planejado, a missa aconteceu. O padre realizou um ritual belíssimo. Na igreja lotada de parentes, amigos e vaqueiros da região, Gonzaga cantou pela primeira vez a canção feita para o primo. Nos anos seguintes, eles repetiram o evento que ficou conhecido como a Missa do Vaqueiro. Com o tempo, outras pessoas começaram a participar da cerimônia, que foi modificada, e ‘A Morte do Vaqueiro’ foi substituída. Mas, durante os 18 anos que o Rei do Baião dela participou, ele sempre cantou a canção original. A música já era um sucesso, mas nada de ser gravada. Anos depois, meu pai ao encontrar com seu Luiz lhe perguntou por que não a tinha gravado. Ele respondeu que tinha tentado várias vezes, mas sempre chorava e não conseguia cantar. Meu pai replicou: ‘Tu não tem vergonha, não? Um babaquara velho desse deixando de gravar uma música só porque chora! Grava logo isso homem!’. Finalmente ele gravou. Das músicas do meu pai, é a mais famosa. Tenho 16 gravações dela com diferentes intérpretes. Para consegui-las, fui ao camarim de teatro falar com artistas, invadi gerência de supermercado, de restaurante e de magazines (até no exterior) para saber quem estava cantando a versão ouvida naqueles ambientes, pesquisei na internet, corri atrás de carro de som e garimpei CD's em lojas especializadas. Por conta dela, já vivi momentos inesquecíveis. Chorei ouvindo o cantor caruaruense Israel Filho interpretá-la, com o coração, acompanhado pelo povo que lotava o Pátio do Forró, durante o São João de Caruaru de 2008, que homenageava meu pai. Também me comovi ao assistir, no Recife, no hospital onde trabalho, a apresentação do violonista Cláudio Almeida, voluntário do programa Tom Suave. Quando ele dedilhou a canção do meu pai e de Gonzaga, pacientes internados nas diversas clínicas, alguns com muletas, na maca ou na cadeira de rodas, apesar das suas dores, formaram, espontaneamente, um maravilhoso coral e cantaram a música inteira. Foi emocionante! Já sorri, ao gravar para o documentário que estou realizando, o depoimento de Mestre Dila, o Papa da Xilogravura, quando perguntei se lembrava de Nelson Barbalho e ele respondeu: ‘Lembro sim, não foi o autor da morte do vaqueiro?’ Logo, corrigindo: ‘Autor da morte não, que ele não era assassino, autor da letra...’ E cantou um pedacinho. Ainda fazendo filmagens em Caruaru, ao encontrar outro grande mestre, João do Pife, que se apresentava no Pátio da Estação e pedir para filmá-lo tocando ‘A Morte do Vaqueiro’, me frustrei quando ele respondeu: ‘Desculpe moça, mas essa música eu não conheço, não!’ No entanto, logo me alegrei. Vendo minha tristeza, para me consolar, ele disse: ‘Mas cante um tiquinho pra vê se eu me lembro!’ Cantarolei desafinada. Imediatamente fui interrompida por ele: ‘Oxente, é a música do lengo-tengo! Essa eu sei de cor!’ E tocou bem afinado. Foi animadíssimo! Todos os presentes participaram. Na hora do refrão, um lindo coro: lengo-tengo-lengo... Filmei tudinho. No final, agradeci a seu João e lhe expliquei que o ‘lengo-tengo’, como a música também é conhecida, representava para o meu pai o som dos chocalhos dos bois andando, de um lado para o outro, mugindo sem parar, lamentando o seu vaqueiro que não vem mais aboiar.
Lengo-tengo-lengo-tengo ...” (Valéria Barbalho é pediatra e produtora do documentário sobre Nelson Barbalho).
Hoje ainda temos vaqueiros sendo assassinados e sofrendo todo tipo de exclusão
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