Amor que se constrói sobre a Rocha
Evangelho proclamado em celebrações de matrimônio e na quinta-feira da 12ª semana do Tempo Comum.
O encerramento do Sermão da Montanha (Mt 7,21-29) não é um epílogo, mas um chamado à decisão. Jesus não conclui Seu ensinamento com teorias, mas com um apelo concreto: ou se vive a Palavra como fundamento, ou tudo desmorona. “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). O verbo usado por Jesus — fazer (ποιεῖν, em grego) — aponta para a essência da fé cristã: não basta invocar com os lábios, é preciso viver com o coração, com as mãos, com a vida inteira.
Nesse espírito, compreendemos que o amor, especialmente o amor conjugal, não se sustenta em sentimentos passageiros, nem em aparências. Amor verdadeiro se constrói. Exige fundamento sólido, exige entrega, compromisso, escuta, perdão — como a Palavra de Jesus exige de todo discípulo e discípula. Assim como não basta repetir “Senhor, Senhor” sem praticar a justiça, também não basta dizer “eu te amo” se esse amor não se torna gesto, paciência, aliança diária.
Jesus adverte: muitos dirão que profetizaram, fizeram milagres, expulsaram demônios — mas serão rejeitados porque não viveram a vontade do Pai (Mt 7,22-23). Não se trata de desprezar os dons, mas de alertar para o risco de uma fé que se expressa em palavras e ritos, mas não se traduz em vida. Essa crítica de Jesus atinge todo tipo de falsidade religiosa, de vaidade espiritual, de aparência sem substância. Uma espiritualidade que não se doa, que não se compromete, que não ama concretamente, é como casa construída sobre areia.
Essa palavra é viva também no matrimônio cristão. Casar-se não é levantar uma casa de aparência, mas edificar um lar com profundidade. A relação conjugal que apenas diz, mas não realiza; que promete, mas não cumpre; que celebra com festa, mas não cultiva o cotidiano — essa casa não resiste às tempestades. E elas virão. Como as chuvas e os ventos da parábola (Mt 7,25-27), virão desafios, crises, perdas, desencontros. O que sustentará o casal será a fidelidade à Palavra, a paciência mútua, a rocha do Evangelho.
A imagem da casa é carregada de sentido. Na Bíblia, “casa” é lugar de habitação, de memória, de bênção. É o espaço onde Deus se manifesta (cf. Sl 127,1; Pr 24,3-4). E quando um casal decide fundar sua vida sobre Cristo, essa casa torna-se também sinal do Reino: espaço de hospitalidade, de ternura, de fecundidade. Paulo dirá que ninguém pode pôr outro alicerce senão Jesus Cristo (1Cor 3,11). Pedro afirmará que somos pedras vivas construindo uma casa espiritual (1Pd 2,5). Amar é construir: dia a dia, com fé, com humildade, com perseverança.
No relato paralelo de Lucas, no Sermão da Planície (Lc 6,46-49), o construtor sensato cava fundo até encontrar a rocha. Essa profundidade fala do trabalho interior que o amor exige. Casar é cavar: conhecer-se, escutar-se, renunciar ao egoísmo, cuidar da raiz e não só das aparências. A rocha que sustenta essa casa é Cristo, Sua Palavra, Sua cruz e Sua ressurreição. E toda vida matrimonial que se ancora nesse fundamento não desmorona: mesmo quando tudo parece desabar, o amor permanece.
O Papa Francisco — cuja vida foi doada à renovação da Igreja e à denúncia do clericalismo e da religião vazia — dizia que o amor conjugal é “imagem viva da aliança entre Cristo e a humanidade” (Amoris Laetitia, n. 70). Para ele, não bastam casamentos abençoados por fórmulas religiosas, é preciso que sejam fecundados pela Palavra, pela escuta mútua, pela compaixão cotidiana. João Paulo I também recordava, com ternura e clareza, que o amor verdadeiro exige humildade e fidelidade — não se constrói sobre poder, mas sobre serviço.
Ao final, a multidão se impressiona com Jesus — não pela beleza do discurso, mas porque falava com autoridade (Mt 7,28-29). Sua autoridade não era ritual, mas existencial: falava como quem vive o que diz. Que este seja também o critério para os noivos que hoje ouvem esta Palavra: que o amor que juram não seja apenas dito, mas vivido; não apenas celebrado, mas cultivado; não apenas firmado diante dos outros, mas sustentado na presença de Deus.
“Felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11,28). Que vossa casa seja esse lugar: onde a Palavra é escutada e encarnada, onde o amor é plantado e regado, onde o Evangelho é fundamento, teto e horizonte. Que a aliança de vocês não esteja escrita apenas no papel, mas no coração. Que o que Deus une, o amor preserve, e a vida confirme.
DNonato – Teólogo do Cotidiano
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