Jesus não nos trouxe uma nova receita para amar, mas revelou, em sua essência mais pura e exigente, o amor que sempre hanbitou o coração de Deus: um amor completo, que se doa sem esperar nada em troca e que tem o poder de mudar vidas. Chamamos de “mandamento novo”, mas ele ecoa o anseio eterno de Deus, que nos ama com um amor sem fim e misterioso (cf. Jeremias 31,3: “Eu vos amei com amor eterno”). Neste 5º Domingo da Páscoa, somos convidados pela liturgia a contemplar os textos:
- 1ª leitura Atos 14,21b-27;
- Salmo 144 com refrão Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor, meu Deus e meu Rei;
- 2ª leitura Apocalipse 21,1-5a;
- João 13,31-33a.34-35,
Este último nos guia na profunda meditação sobre o mandamento do amor. Na intimidade da Última Ceia, como um último testamento, Jesus nos entrega a síntese de sua jornada: “Amem-se uns aos outros como Eu os amei” (Jo 13,34). A novidade aqui não reside na palavra “amor” em si (afinal, já ecoava em Levítico 19,18: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”), mas na forma como Jesus o viveu: total, incondicional, radical. Ele inaugurou um amor que se entrega na cruz (cf. Filipenses 2,6-8), quebrando a lógica do mundo ao perdoar seus algozes (cf. Lucas 23,34) e servindo sem buscar reconhecimento (cf. João 13,12-15). É esse amor que define a própria natureza de Deus e a identidade daqueles que o seguem. Como Paulo escreveu aos Coríntios, “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Coríntios 13,1). O amor, pulsante e visível, é o selo inconfundível de quem caminha com Cristo.
Para desvendarmos as muitas faces desse amor que transforma, a tradição cristã, em diálogo com a cultura e a fé, nos apresenta diferentes nuances.
Há o Eros, o amor que nasce do desejo, da busca pela beleza e pela união. Purificado pela fé, ele aponta para a sede humana de transcendência, como bem disse Bento XVI: “O eros quer erguer-nos ‘em êxtase’ para o Divino, levar-nos além de nós mesmos” (Deus Caritas Est, 5). No matrimônio, esse amor floresce quando se torna doação mútua e fiel, espelhando o amor criador de Deus.
Encontramos a Philia, o amor da amizade, da confiança que se constrói no convívio fraterno. É o amor que une companheiros de jornada, como o de Jesus por seus discípulos: “Já não vos chamo servos… mas amigos” (João 15,15). Essa amizade tece o tecido das comunidades, criando laços de solidariedade e um profundo senso de pertencimento (cf. Romanos 12,10: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal”).
O amor fraterno se manifesta na solidariedade entre iguais, traduzindo-se em ações concretas de justiça, cuidado e responsabilidade mútua, como vemos na partilha dos bens na comunidade dos Atos dos Apóstolos (cf. Atos 4,32-35). E no ápice, reside o Ágape, a essência do amor cristão: incondicional, que se entrega por completo e gratuitamente. É o amor que se derrama mesmo sobre quem não o merece. Jesus amou até o fim (cf. João 13,1), acolhendo o traidor e dando a vida por seus inimigos. Esse amor desafia a lógica do mundo (cf. 1 Coríntios 1,18), mas revela o próprio coração de Deus. Como nos diz João: “Deus é amor” (1 João 4,8) — e toda forma genuína de amar brota dessa fonte divina.
Jesus nos deixa um critério claro: “Nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (João 13,35). O distintivo do cristão não se limita a doutrinas, ritos ou normas morais, mas se encarna no amor vivido em todas as suas dimensões: o Eros que se eleva, a Philia que sustenta, a fraternidade que une, o Ágape que se doa e o amor divino que nos envolve. A Escritura Sagrada reforça esse chamado a uma missão transformadora: “Portanto, sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Coríntios 11,1) e “Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5,14), uma luz que deve iluminar com amor um mundo tantas vezes imerso em sombras.
Como nos recorda o Papa Francisco: “Ainda que eu tenha toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada sou” (1 Coríntios 13,2). Para ele, “a medida da fé é o amor. Não podemos separar fé e compromisso com a justiça e com os pobres.”
A urgência desse amor como prova da nossa fé ressoa ainda mais forte com os primeiros passos do pontificado de Leão XIV, que assume a missão da Igreja sob o claro chamado do Evangelho deste domingo.
A Igreja é chamada a sair de si mesma, a ser compassiva, servidora e corajosa diante das feridas da humanidade (cf. Evangelii Gaudium, 20). O amor cristão não é uma fuga espiritual, mas um compromisso concreto com a realidade. O Concílio Vaticano II nos lembra que “o ser humano só se realiza plenamente pelo sincero dom de si mesmo” (Gaudium et Spes, 24). Amar como Jesus é tornar-se mais humano e, ao mesmo tempo, mais semelhante a Deus, vivendo uma ética do cuidado, da partilha e da inclusão.
Assim como Jesus enviou seus discípulos ao mundo dizendo: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (João 20,21), somos convocados a levar esse amor que transforma. Martin Luther King, um profeta do amor em meio à injustiça, nos ensinou: “O amor é a força mais durável do mundo. É a chave que abre as portas do sentido último da vida.” Esse amor transforma o mundo ao dizer não ao ódio e à violência, manifestando-se em atos concretos de perdão, justiça e solidariedade.
A própria Igreja precisa se purificar de tudo aquilo que impede a plena vivência desse amor. O Papa Francisco denunciou o clericalismo como uma ferida que “mata a alma da Igreja”, transformando pastores em chefes e fiéis em súditos. O amor vivido clama por uma Igreja sinodal, onde todos caminham juntos, leigos e clero em corresponsabilidade, ouvindo atentamente a voz dos pobres, das mulheres, dos jovens e dos povos originários.
Como nos lembra o Documento de Aparecida: “A renovação missionária da Igreja não é possível sem a participação ativa dos leigos” (DAp, 211).
Na Palavra, ecoa o chamado de Paulo: “Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Efésios 5,21), uma expressão da humildade e do serviço que o amor genuíno exige. Este chamado ao amor se torna ainda mais urgente em tempos de polarização, discursos de ódio e manipulação da fé. É grave quando a religião é usada para justificar exclusão, racismo, xenofobia, autoritarismo e a idolatria do mercado (cf. Mateus 6,24). O Evangelho jamais pode ser usado para legitimar opressão.
São João Paulo II nos alertava: “Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida” (Discurso à UNIV, 1982). A fidelidade ao mandamento do amor nos impulsiona a uma postura profética: denunciar as injustiças, defender os direitos humanos e praticar uma solidariedade que se sente e se vê. O Documento de Puebla nos recorda: “A opção pelos pobres é uma exigência do amor de Cristo e não uma ideologia” (DP, 1134). Para o Papa Francisco, a caridade deve ser a força motriz da política: “Porque sem amor, a política se torna opressiva.”
Como o próprio Jesus nos alertou: “Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mateus 25,40). Amar é também servir aqueles que sofrem. O mandamento novo é mais que uma norma ética — é o coração pulsante do Evangelho. Nele, toda a vida cristã encontra seu sentido, sua mística e sua missão. Amar como Jesus é o caminho mais exigente, mas também o mais fecundo para a transformação do mundo ao nosso redor.
Sob a luz da Ressurreição e a orientação do Papa Leão XIV, a Igreja é chamada a permanecer viva nesse amor, fiel ao Evangelho e profética em sua missão, comprometida com a justiça social e aberta ao diálogo com o mundo contemporâneo. Hoje, mais do que nunca, somos chamados a viver o mandamento novo de Jesus com coragem e radicalidade. O mundo clama por amor autêntico, por gestos que desarmem o ódio, que construam pontes de entendimento e que tragam justiça àqueles que são marginalizados. O Papa Francisco, em seu pontificado, nos ensinou que “a fé, se não se converte em amor, é estéril”. Ele nos deixou um legado de esperança e compromisso que não podemos esquecer nem deixar de lado.
Agora, sob a liderança do Papa Leão XIV, a Igreja deve continuar a ser um sinal vivo do amor de Cristo, profetizando um mundo onde o amor triunfa sobre a violência, a exclusão e a indiferença. Que cada um de nós abrace essa missão com o coração aberto e as mãos estendidas, pois é no amor que encontraremos a força capaz de transformar o mundo. Como o próprio Jesus disse: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (João 13,35). Que esse amor seja a nossa marca, a nossa esperança e a nossa missão, hoje e sempre.
DNonato - Graduado em História, teólogo do cotidiano, indigente do sagrado.
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