quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Se colhe o que se planta, Word Trade Center, atentado anunciado

Três  vezes 11 de setembro que nos obrigam a refletir
Setembro, mês da primavera no Hemisfério Sul, vai passando e não temos partilhado conhecimento ou experiência. É também o mês do atentado ao World Trade Center, que vitimou milhares de pessoas, e de tantas outras marcas que a história cravou nesta mesma data.
Há muito desejávamos escrever sobre aquele atentado que abalou o mundo e que vitimou inocentes em Nova York, homens e mulheres que nada tinham a ver com os confrontos ideológicos, políticos ou religiosos daqueles que apitam ou jogam no campo do poder. Se escrevêssemos antes, alguns talvez nos colocassem na lista dos inimigos dos Estados Unidos. Mas não o somos. Não temos necessidade de enxergar os EUA apenas como vítimas de um grupo terrorista. O que esperar de povos que sofrem a exploração da liderança estadunidense, de um governo que há décadas sai pelo mundo alimentando conflitos em nome da democracia do capital?
  • Onde estávamos no dia 11 de setembro de 2001? O que fazíamos? 
  • Como vivíamos?
Estávamos em uma obra, e choramos ao ver pessoas se jogando das torres em chamas. O pior: fomos tomados por uma ira imediata contra o povo árabe. Por um momento, nos sentimos afrontados em nosso continente, em nossa realidade de povo americano (sim, somos americanos, mas nunca estadunidenses). Mais tarde, ao conhecer melhor quem eram os autores e os reais motivos, tivemos a coragem de pedir perdão e reconhecer que não fora apenas um atentado, mas algo pior: “vingança” ou, talvez, algo ainda mais mesquinho. O autor intelectual daquele ato hediondo foi treinado e apoiado pelos próprios EUA, quando estes o usaram, décadas antes, na luta contra os russos no Afeganistão. Foi ali que se forjou na arte da guerrilha. Os EUA, que entram em países amigos ditando regras, proclamando seu modelo de sociedade como ideal, deveriam esperar que um dia alguém devolveria essa lógica perversa.

Não podemos aceitar a morte de inocentes. Mas quantos inocentes os EUA já mataram com sua política expansionista nos séculos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI? São centenas de invasões sem permissão nem respeito à soberania dos povos. A invasão cultural, militar, a invasão com inversão de valores: fazem-se de melhores em tudo e se colocam como deuses. Falam em desarmamento nuclear, mas não se desfazem de suas próprias armas. Proclamam liberdade, mas financiam ditaduras do capital, e no passado promoveram ditaduras militares na América Latina e em tantas outras partes do mundo. Ainda assim, se dizem vítimas do terror.
O povo estadunidense não mereceu aquele atentado — e nenhum outro povo merece viver sob o terror. Não aprovamos a violência, o regime do medo ou qualquer prática que retire o direito do ser humano de ser livre. Somos filhos de Alá, de YHWH, filhos do Senhor da Vida, e não podemos concordar com as invasões em nome de uma falsa democracia, seja no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque ou em qualquer outro país. Se em 2001 nos indignamos com a violência sofrida pelo povo do Norte, devemos também nos indignar com as violências sofridas pelo Sul — especialmente nas décadas de 60, 70 e 80, quando o mesmo país, vítima do terrorismo, apoiava e promovia ditaduras em nossas terras latino-americanas. E ainda mantém centenas de bases militares espalhadas pelo mundo, fora de seu território.

Perdoem-nos, irmãos de Nova York. O grande culpado pelo atentado de 11 de setembro não foi apenas um grupo extremista, mas o regime totalitário do capital que se alimenta do poder do governo estadunidense.

Nessa memória dolorosa, ecoam também outros  três 11/09 que compartilho em  texto que recebi, escrito por Ariel Dorfman, que lembra não apenas Nova York, mas também o Chile e a Índia que nos obrigam a refletir sobre a urgência de uma cultura de paz.

Epitáfio para outro 11 de setembro
Por Ariel Dorfman

Naquele 11 de setembro, naquela manhã letal de terça-feira, acordei apavorado, ao som de aviões que sobrevoavam minha casa. Quando, uma hora depois, vi fumaça subindo do centro da cidade, soube que a vida havia mudado para mim, para meu país, para sempre.

Era 11 de setembro de 1973, o país era o Chile, e as forças armadas haviam bombardeado o palácio presidencial em Santiago, no primeiro estágio de um golpe contra o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. No fim do dia, Allende estava morto, e a terra na qual havíamos tentado uma revolução pacífica fora transformada em matadouro. Passariam-se duas décadas, a maior parte das quais vivi no exílio, antes de derrotarmos a ditadura e recuperar nossa liberdade.

Noutro 11 de setembro, também numa manhã de terça-feira, foi a vez de outra cidade — também minha cidade — ser atacada do alto. Choveu outro tipo de terror e, outra vez, com o coração cheio de medo, confirmei que nada nunca mais seria como antes, nem para mim, nem para o mundo. Já não se tratava apenas de uma pátria ferida, mas de todo o planeta.

Ao longo dos anos, muitas vezes me vi intrigado com a justaposição dessas datas. É possível que minha obsessão seja fruto de ter vivido, em carne própria, os dois massacres. Cresci criança aprendendo inglês em Nova York e vivi minha juventude apaixonando-me em espanhol em Santiago. Sou tão norte quanto sul-americano, e por isso tomo como pessoal a destruição paralela de vidas inocentes, esperando que se aprenda algo da dor e da assustadora confusão.

Chile e EUA reagiram de formas contrastantes ao trauma coletivo. Toda nação que sofre tamanha ferida se vê diante de perguntas fundamentais: como buscar justiça para os mortos e reparação para os vivos? Como restaurar o equilíbrio sem cair na sede de vingança? Como não nos transformarmos na sombra perversa de nossos inimigos?
Se o 11 de setembro foi um teste, temo que os EUA tenham fracassado. O medo diante de uma pequena gangue de terroristas gerou uma sequência devastadora: duas guerras desnecessárias, um colossal desperdício de recursos, centenas de milhares de mortos e mutilados, milhões de deslocados, a erosão dos direitos civis, o uso da tortura e a legitimação de abusos que abriram caminho para outros regimes autoritários. E, por último, a hipertrofia de um Estado de segurança nacional alimentado por mentiras, espionagem e insegurança.
O Chile, ao contrário, poderia ter respondido à violência com mais violência. Havia justificativa para pegar em armas contra Pinochet. Mas, com exceções dolorosas, o povo escolheu a não violência ativa. Reconquistamos o país palmo a palmo, organização por organização, até derrotar o ditador num plebiscito. O resultado não foi perfeito, pois a ditadura ainda contamina nossa sociedade, mas foi exemplo de como criar paz a partir de sofrimentos inenarráveis.
E não foi só o Chile. Houve outro 11 de setembro, em 1906, em Johanesburgo, quando Gandhi persuadiu milhares de indianos a resistir, sem armas, ao regime racista. Dessa Satyagraha nasceram sementes que germinaram em muitas partes do mundo, inclusive no movimento pelos direitos civis nos EUA.
105 anos depois daquele convite de Gandhi para escapar da armadilha da ira, 38 anos depois dos aviões que bombardearam Santiago, 10 anos depois das torres em chamas em Nova York, só posso esperar que o epitáfio perfeito para todos esses 11 de setembro sejam as palavras imortais do Mahatma:
“A violência só derrotará a violência, quando alguém me demonstrar que alguma escuridão possa ser iluminada por mais escuridão.”

✍️ DNonato - Teólogo Cotidiano 

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