sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Tempo do Advento, Adventus ou Advenire.

O termo Advento vem do latim adventus, derivado do verbo advenire (“chegar”, “aproximar-se”). No mundo romano, adventus podia indicar tanto a visita anual de uma divindade pagã ao seu templo — quando se acreditava que, durante a festa, o deus permanecia espiritualmente entre os seus fiéis — quanto a chegada solene de uma autoridade imperial para assumir um cargo ou receber honras públicas. 

Com a tradução da Bíblia para o latim na Vulgata, adventus tornou-se o termo clássico para designar a vinda de Cristo: primeiro, sua encarnação no tempo; depois, sua vinda gloriosa ao final da história. Assim, uma antiga palavra pagã foi transfigurada em linguagem de fé, ganhando densidade escatológica e simbólica.A escolha do período do Advento também dialoga com o universo cultural antigo. No hemisfério norte, o Natal coincide com o solstício de inverno, quando a noite atinge seu auge e, lentamente, a luz começa a crescer. Povos antigos celebravam esse retorno da claridade como sinal de vida e renovação. Nesse contexto, cultos solares se desenvolveram, como os ritos ligados ao deus Mitra, associado à luz e à vitória sobre as trevas — ainda que não haja prova conclusiva de que seu nascimento fosse exatamente em 25 de dezembro, seus rituais celebravam a renovação da luz nessa época do ano. No século III, o imperador Aureliano oficializou a festa do Sol Invictus, celebrada justamente em 25 de dezembro, exaltando o sol invencível que renasce após a longa noite. Quando a Igreja escolheu essa mesma data para celebrar a Natividade, não absorveu cultos pagãos, mas reinterpretou o simbolismo cósmico: se o sol renascia no inverno, Cristo era proclamado como a verdadeira luz que brilha nas trevas (Jo 1,5), o “Sol nascente que vem nos visitar” (Lc 1,78). Assim, o Advento e o Natal cristão assumiram o simbolismo da luz que retorna, mas de modo teológico e redentor.
Para a Igreja Católica, o Advento marca o início do Ano Litúrgico: quatro semanas de preparação, alegria, vigilância e esperança. A comunidade se coloca numa postura dupla: lembrar o nascimento de Jesus em Belém e esperar sua vinda gloriosa. A tradição de montar o presépio sem o Menino até a noite de 24 de dezembro exprime essa espera amorosa. No calendário cristão, o Advento corresponde às quatro semanas que antecedem o Natal e convida à conversão, à fraternidade e à paz.
Os primeiros traços de um período de preparação para o Natal aparecem no Sínodo de Saragoça (380), na Espanha, que prescrevia três semanas de preparação para a Epifania — festa que, naquele tempo, incluía também a Natividade. No século V, São Perpétuo, bispo de Tours, estabeleceu três dias de jejum antes do Natal. No mesmo período surgiu a “Quaresma de São Martinho”, um jejum de quarenta dias iniciado após a festa de São Martinho. No final do século VI, São Gregório Magno (590-604) redigiu o primeiro ofício estruturado do Advento; o Sacramentário Gregoriano contém as primeiras missas próprias desse tempo litúrgico. No século IX, o Advento foi fixado em quatro semanas, como testemunha uma carta do Papa Nicolau I aos búlgaros. Já no século XII, o jejum foi suavizado, cedendo lugar à abstinência. Ainda que as práticas fossem penitenciais, a intenção da Igreja era cultivar a expectativa ardente pela vinda do Salvador e orientar os cristãos para a parusia, a vinda gloriosa de Cristo ao fim dos tempos. Por isso tantos mosaicos medievais representam o trono do Pantocrator vazio: é um trono que se prepara para ser ocupado.
As Igrejas orientais também celebram o Advento, embora com características próprias. A preparação possui forte acento ascético, mas sem abarcar toda a amplitude escatológica presente na liturgia romana. No rito bizantino, destaca-se, no domingo anterior ao Natal, a comemoração dos patriarcas, de Adão a José, esposo de Maria. No rito siríaco, as semanas que precedem o Natal são chamadas “Semanas das Anunciações”, evocando o anúncio a Zacarias, a Anunciação a Maria, a Visitação, o nascimento de João Batista e o anúncio a José.
No Ocidente, o Advento assumiu seu sentido mais amplo. No primeiro domingo, Cristo se apresenta não como o Menino frágil de Belém, mas como o Senhor glorioso que virá com poder para julgar os vivos e os mortos. O Evangelho recorda os sinais escatológicos: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas…” (Lc 21,25). No segundo domingo, surge a imponente figura de João Batista, anunciando conversão. No terceiro domingo, o domingo Gaudete, a liturgia se alegra: “Alegrai-vos sempre no Senhor… O Senhor está perto!” Os paramentos rosados sinalizam essa alegria em meio à vigilância. No quarto domingo, Maria aparece como “estrela da manhã”, aquela que anuncia a chegada do verdadeiro Sol de Justiça. Textos como Gl 4,4 (“na plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho”) e Mc 1,15 (“o tempo se cumpriu”) iluminam essa espera.

A Coroa do Advento

A Coroa do Advento, hoje tão presente nas igrejas e casas, tem origem relativamente recente. Surgiu em 1833, em Hamburgo, quando o pastor luterano Johann Heinrich Wichern (1808–1881) acolheu crianças órfãs e de rua na Rauhes Haus (“Casa Rústica”). Para marcar a proximidade do Natal, pendurou no teto uma roda de carroça e, a cada dia do Advento, acendia velas, criando um clima de esperança e luz. As crianças chamavam esse momento de “Meditação das Velas”. Originalmente, essa roda tinha 24 velas: uma para cada dia até o Natal, que proporcionava uma contagem diária e iluminava a esperança das crianças. Com o passar do tempo, para adaptação a residências e igrejas menores, a coroa foi reduzida a quatro velas, cada uma representando um domingo do Advento. Em 1840, acrescentaram ramos verdes; daí nasceu a primeira Coroa de Advento luterana. Como nas casas particulares não havia espaço para a versão com 24 velas, adotou-se a forma menor, com quatro velas — uma para cada domingo.
A coroa traz uma rica simbologia:
Forma circular: representa o amor eterno de Deus e a união entre Deus e o ser humano.
Ramos verdes: sinal da esperança e da vida que permanece mesmo no inverno; evocam a perseverança da fé.
Fita vermelha: símbolo do amor de Deus e da ação do Espírito Santo.
Bolas: representam os frutos do Espírito Santo.
Quatro velas: marcam o avanço da luz sobre as trevas.
  • 1ª vela: o perdão dado a Adão e Eva.
  • 2ª vela: a fé de Abraão e dos patriarcas.
  • 3ª vela: a alegria da promessa feita a Davi.
  • 4ª vela: os profetas que anunciaram o Salvador

As cores variam entre as tradições: verde, roxa, rosa e branca; ou roxa, vermelha, rosa e verde; na Europa, predominam velas vermelhas. No início, usavam-se velas roxas pela penitência e a vela rosa para o domingo Gaudete.
A Coroa do Advento nos acompanha, luz após luz, rumo à claridade plena da noite de Natal, quando Cristo — verdadeira luz que brilha nas trevas — nasce no coração da humanidade.
Quando nos aproximamos do Natal, é importante recordar que a data de 25 de dezembro não surgiu inicialmente como registro histórico do nascimento de Jesus, mas como uma escolha teológica e simbólica. Na Antiguidade, essa época marcava o solstício de inverno no hemisfério norte, o momento em que a luz começa a vencer as longas noites. Esse período era celebrado em diversas culturas, incluindo as festas ao deus Mitra e ao Sol Invictus, cultos muito difundidos no Império Romano. O dia 25 de dezembro, chamado Dies Natalis Solis Invicti — o “nascimento do Sol invencível” — destacava a ideia de que a escuridão não tem a última palavra. Quando os cristãos passaram a celebrar o nascimento de Cristo nessa data, não foi por sincretismo, mas para afirmar que Jesus é a verdadeira luz que brilha nas trevas, como proclama João 1,5. Não é o sol mitraico que vence a noite: é Cristo, o Sol que não se põe.
No entanto, quando olhamos para os indícios históricos e bíblicos, percebemos que Jesus provavelmente não nasceu em dezembro. Alguns elementos apontam para uma época mais próxima da primavera da Palestina, ou seja, entre março e abril. Lucas menciona que havia pastores no campo durante a noite cuidando dos rebanhos (Lc 2,8), algo improvável no rigor do inverno judeu, quando o frio e as chuvas impediam essa prática. Além disso, cálculos ligados ao turno sacerdotal de Zacarias (pai de João Batista), descrito em Lucas 1,5 e comparado com as escalas do Antigo Testamento, sugerem que Maria teria concebido Jesus por volta de junho, o que situaria o nascimento nove meses depois, entre março e abril. Isso não diminui o sentido espiritual do Natal, mas nos lembra que a fé cristã não depende de datas fixas, e sim do mistério da Encarnação, que transforma toda a história.
É justamente o Advento que nos ajuda a compreender essa dinâmica: trata-se de um tempo de espera, vigilância e esperança, não de uma simples contagem regressiva para uma festa. A liturgia proclama que Deus vem continuamente, que a luz nasce em cada gesto de justiça, que a encarnação continua acontecendo na vida dos pequenos e dos pobres. Assim, integrar o simbolismo do solstício, da vitória da luz, com a profundidade teológica do Advento e com o realismo histórico do nascimento de Jesus, nos leva a uma compreensão mais rica: o Natal não é uma data, é um acontecimento; não celebra apenas o que ocorreu, mas o que continua a ocorrer; não é um mito solar, é a revelação de Deus que entra no tempo humano e o renova desde dentro.

Um detalhe  sobre a liturgia 
A liturgia dominical, especialmente durante o Advento, revela a dinâmica profunda da fé cristã: não se trata apenas de uma reunião ritual semanal, mas de um tempo privilegiado em que a Igreja manifesta memória e esperança, lembrando continuamente a presença de Cristo no tempo e na história. Cada domingo do Advento tem um foco litúrgico específico, que ajuda a comunidade a entrar gradualmente no mistério da Encarnação.

Primeiro domingo do Advento – Vigilância e escatologia:
O primeiro domingo nos convida a estar atentos à vinda de Cristo. Nos textos do Ano A, a primeira leitura de Isaías (2,1-5) apresenta a profecia do Reino de Deus como meta da história, enquanto o Evangelho de Mateus (24,37-44) exorta a vigiar, pois o Filho do Homem virá inesperadamente. No Ano B, o profeta Jeremias (33,14-16) lembra a fidelidade de Deus às promessas, e o Evangelho de Marcos (13,33-37) reforça a necessidade de vigilância constante. No Ano C, Sofonias (3,14-18) proclama alegria na presença do Senhor, e o Evangelho de Lucas (21,25-28.34-36) apresenta sinais cósmicos e sociais, chamando à oração vigilante.

Segundo domingo do Advento – Conversão e preparação do coração:
O segundo domingo foca na preparação interior e na conversão, com destaque para a figura de João Batista. No Ano A, Isaías (11,1-10) anuncia o Messias que trará justiça, enquanto Mateus (3,1-12) mostra João preparando os caminhos do Senhor. No Ano B, Baruc (5,1-9) exorta Jerusalém a se alegrar e a se purificar, e Marcos (1,1-8) apresenta João batizando e chamando à penitência. No Ano C, Malaquias (3,1-4) anuncia o mensageiro do Senhor, e Lucas (3,1-6) relata João preparando o povo, tornando retas as veredas do Senhor.

Terceiro domingo do Advento – Gaudete: alegria e esperança:
O terceiro domingo expressa a alegria da proximidade de Cristo. No Ano A, Sofonias (3,14-18) e Filipenses (4,4-7) chamam à alegria em Deus, enquanto Mateus (11,2-11) destaca o papel de João e a realização das promessas divinas. No Ano B, Isaías (35,1-6a.10) e Tiago (5,7-10) enfatizam a esperança e a paciência, com Marcos (1,1-8) recordando a preparação para a chegada do Senhor. No Ano C, Isaías (61,1-2a.10-11) e 1 Tessalonicenses (5,16-24) celebram a ação de Deus no mundo, e Lucas (1,39-45. 1,46-49) nos apresenta Maria como exemplo de alegria e confiança no Senhor. Este domingo é marcado pelo paramento cor-de-rosa, sinal da alegria em meio à vigilância.

Quarto domingo do Advento – Maria e a plenitude da promessa:
O quarto domingo destaca Maria como modelo de escuta e acolhimento da vontade de Deus, apontando para o Natal. No Ano A, Miquéias (5,2-5a) anuncia o nascimento do Messias em Belém, e Mateus (1,18-24) narra a anunciação a José. No Ano B, 2 Samuel (7,1-5.8b-12.14a.16) recorda a promessa davídica, e Lucas (1,26-38) apresenta a Anunciação a Maria. No Ano C, Isaías (7,10-14) profetiza o Emanuel, e Lucas (1,39-45) mostra Maria visitando Isabel, preparando a chegada de Jesus.

O ritmo dominical não é apenas cronológico, mas simbólico: cada celebração torna presente, de modo sacramental e comunitário, a vinda de Cristo, convidando os fiéis a se colocar numa atitude de espera ativa e vigilante. A liturgia integra memória, ação e esperança: enquanto recorda fatos históricos da salvação, ilumina o presente e projeta a comunidade para a plenitude escatológica, quando Cristo virá em sua glória.

Além disso, os textos bíblicos proclamados nos domingos do Advento, alternando profecias do Antigo Testamento e evangelhos do Novo, conectam passado, presente e futuro, criando um fio contínuo de significado: o Senhor que prometeu vir, que se encarnou em Jesus e que voltará no final dos tempos. A coroa do Advento, com suas velas acesas a cada domingo, se torna um sinal visual dessa liturgia viva, lembrando a comunidade de que a fé não é apenas intelectual, mas se manifesta em vigilância, alegria e ação concreta no mundo.
Em suma, a liturgia dominical durante o Advento nos ensina que esperar é também agir: esperar a luz de Cristo é deixar que ela ilumine nossas atitudes, nossas relações e nossa história pessoal e comunitária. Cada domingo é, portanto, um convite à transformação interior, à conversão contínua e à alegria confiante, mesmo em meio às trevas do mundo, porque Cristo — a verdadeira Luz — já vem nos visitar.
DNonato - Teólogo do Cotidiano 

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