Por: DNonato
Graduado em História e cristão com fome de Deus
Neste tempo de pré-conclave, em que a Igreja vive em oração, escuta e se entrega ao sopro do Espírito Santo, o Evangelho de João nos oferece uma chave preciosa para o discernimento: Jesus não se apresenta apenas como o Mestre, mas como o Pastor compassivo, que vê a multidão e se preocupa com sua fome – não apenas a fome física, mas também a espiritual e existencial.
O texto começa com uma observação aparentemente simples, mas de profunda densidade simbólica:n “Jesus levantou os olhos e viu uma grande multidão que vinha a Ele.” (Jo 6,5)
O olhar de Jesus não é neutro nem indiferente – é um olhar pastoral, profético, que enxerga as necessidades antes mesmo que sejam verbalizadas. É esse tipo de sensibilidade que a Igreja é chamada a buscar no discernimento do novo sucessor de Pedro.
O Documento de Aparecida nos recorda: “A Igreja deve fazer-se cada vez mais presente no meio das pessoas, com uma atitude de escuta e de acolhida, que transforme as comunidades em portas abertas.” (DAp 363)
Essa mesma visão é ecoada por Papa Francisco, ao afirmar que os pastores devem ter “cheiro de ovelha” – ou seja, não devem governar de longe, mas caminhar com o povo, mergulhar em suas dores e esperanças, sentir com eles.
No coração da narrativa, um detalhe surpreende: um menino com cinco pães e dois peixes. À primeira vista, uma oferta insignificante, insuficiente para saciar uma multidão. Mas nas mãos de Jesus, esse pouco se torna muito. Isso revela uma lógica teológica fundamental: “Deus escolheu o que é fraco no mundo para confundir os fortes.” (1Cor 1,27)
Historicamente, os grandes líderes espirituais foram, muitas vezes, homens e mulheres que não ostentavam poder ou prestígio, mas que carregavam uma profunda disponibilidade interior. Assim foi com Pedro, o pescador inseguro; com Francisco de Assis, o filho de um comerciante; e com Teresa de Calcutá, uma freira pequena de estatura, mas gigante de compaixão
No contexto do pré-conclave, essa lógica nos provoca: Deus não precisa dos mais poderosos, mas dos mais disponíveis. O próximo Papa será chamado a oferecer, como o menino anônimo, aquilo que tem – sua fé, sua escuta, sua humanidade – para que Deus faça o restante.
A ação de Jesus no milagre da multiplicação é profundamente eucarística “Jesus tomou os pães, deu graças, e os distribuiu...” (Jo 6,11)
Esse gesto antecipa o mistério do Pão da Vida, que será o centro do discurso no capítulo seguinte. O Concílio Vaticano II, em Lumen Gentium, nos recorda: “A Eucaristia é fonte e ápice de toda a vida cristã.” (LG 11)
Não pode haver verdadeiro pastoreio sem centralidade eucarística. O novo sucessor de Pedro deverá ser, antes de tudo, servo da comunhão, guardião do Corpo de Cristo, promotor da unidade e da reconciliação.
“Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca.” (Jo 6,12). Esse cuidado de Jesus com os fragmentos restantes revela uma atenção antropológica profunda: ninguém é descartável. O que parece pequeno ou irrelevante aos olhos humanos, é precioso aos olhos de Deus. A missão de Pedro é justamente essa: manter a comunhão, cuidar dos frágeis, dos dispersos, dos esquecidos.
Como lembra o Papa Francisco: "A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. [...] Há portas que não se devem fechar." (Evangelii Gaudium, 47)
E o Documento de Aparecida reitera: “O seguimento de Jesus Cristo é um chamado a cuidar de todos, especialmente dos mais pobres, dos que sofrem, dos excluídos.” (DAp 391)
Neste tempo de oração pelo novo Papa, peçamos ao Espírito Santo que conduza a Igreja a escolher um pastor segundo o Coração de Jesus:
- Que veja antes que se peça,
- Que escute antes de ensinar,
- Que sirva antes de governar,
- Que una antes de corrigir.
- Que saiba multiplicar vida a partir da simplicidade e da partilha.
E que todos nós, como aquele menino anônimo do Evangelho, tenhamos coragem de oferecer o pouco que temos. Deus se encarrega de multiplicar.
“No fundo do coração humano há uma fome de infinito, que só Deus pode saciar.” (Santo Agostinho, Confissões, I,1)
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