“O Espírito convencerá o mundo quanto ao pecado, à justiça e ao julgamento” (Jo 16,8)
Jesus parte. Os discípulos choram. Mas o choro se transformará em fogo. Ele vai para que venha o Paráclito, o Espírito da Verdade, o mesmo que pairava sobre o caos no início de tudo (Gn 1,2), e que agora paira sobre a história humana para recriar todas as coisas. Sua missão não é adormecer consciências, mas despertá-las. Não é consolar o sistema, mas confrontá-lo.
Ele vem para convencer o mundo do pecado, porque o mundo fez da mentira sua verdade, do lucro sua religião, da exclusão seu altar. O pecado não é só erro pessoal, mas estrutura que oprime. Como denuncia o profeta Isaías: “Ai dos que ajuntam casa a casa, campo a campo, até que não haja mais espaço” (Is 5,8). O Espírito nos mostra que o verdadeiro pecado é manter o pobre na pobreza, justificar a desigualdade com argumentos meritocráticos, usar a Bíblia para silenciar mulheres, indígenas, negros e os que clamam por justiça. O Espírito desmascara o uso do nome de Deus para fins ideológicos, racistas e opressores.
Crer em Jesus é reconhecer sua presença no que sofre (Mt 25,40). Negar isso é não crer. É transformar a fé em ideologia de exclusão. Como afirma São João: “Quem diz que ama a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso” (1Jo 4,20). E como ensina a antropologia bíblica: o ser humano é imagem de Deus (Gn 1,27) — por isso, negar a dignidade do outro é ofender o próprio Criador.
Ele vem para revelar a justiça, que não é a dos tribunais nem a da meritocracia. A justiça que o Espírito revela é a do Reino, onde os últimos são os primeiros (Mt 20,16), onde a misericórdia vale mais que o sacrifício (Mt 9,13), onde o samaritano é mais justo que o sacerdote (Lc 10,33). A verdadeira justiça é escutar o clamor da terra e o grito dos pobres, como nos convida Laudato Si’ (LS 49). É reconhecer que há pecados ecológicos, sociais, econômicos e também eclesiais.
E o Espírito julga o mundo. O julgamento é contra o “príncipe deste mundo” (Jo 16,11): o sistema de morte, de idolatria do mercado, da cultura do descarte. Mas o julgamento começa pela casa de Deus (1Pd 4,17). Julga-se aqui o clericalismo, que impede a corresponsabilidade laical, que transforma o serviço em privilégio, e a profecia em perigo. Julga-se também a extrema direita religiosa, que comungou com o fascismo e abençoou armas, prisões e extermínios. Como denunciou o Papa Francisco: “Uma fé que não se torna solidariedade e luta por justiça é uma fé morta” (EG 183).
O Vaticano II foi um sopro desse mesmo Espírito que agora clama: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e esperanças dos discípulos de Cristo” (GS 1). O Espírito nos arranca dos muros do templo e nos empurra para a tenda do encontro, onde Deus se revela no rosto do povo sofrido (Ex 33,7-11).
É o tempo da decisão. Como disse João Batista: “O machado já está posto à raiz das árvores” (Lc 3,9). O Espírito não é neutro: Ele toma partido da vida. Ele sopra onde quer, mas não sopra em qualquer direção. Ele sopra para onde há cruz, lágrima, luta e esperança.
Ele ergue hoje profetas como os antigos: Isaías, Amós, Jeremias, que gritavam contra os sacerdotes corruptos e os reis opressores. Ele continua soprando por meio dos pequenos: “Derramarei meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e filhas profetizarão” (Jl 3,1). Ele se manifesta nos mártires da América Latina, nos corpos negros tombados nas periferias, nas mães que lutam por justiça, nos que defendem a terra com a própria vida.
Vem, Espírito Santo! Queima as máscaras religiosas, rompe os pactos entre altar e palácio, desinstala tua Igreja. Faz-nos servidores do Reino, e não donos da fé.
O Espírito que nos convence do pecado também nos consola com a esperança: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). O mundo não está condenado, está sendo julgado, e pode ser salvo — se houver conversão. Não ao moralismo de superfície, mas à metanoia profunda: mudança de mentalidade, de estruturas, de opções É tempo de escolher: entre o Reino ou o império, entre o Evangelho ou a idolatria, entre o Espírito ou a carne do sistema.
DNonato – Graduado em História, teólogo do cotidiano, A serviço do sopro do Espírito que incomoda os satisfeitos e consola os crucificados.
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