quarta-feira, 9 de julho de 2025

Soberania e a resposta de Lula ao autoritarismo global

 

Quando o povo se levanta, o império treme: justiça, soberania e a resposta de Lula ao autoritarismo global

O império treme quando o povo se organiza. E quando esse povo, além de se organizar, começa a construir políticas soberanas, sociais e cooperativas, as engrenagens da velha dominação global tentam reagir — com chantagens, sanções, manipulação religiosa e medo. A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos marca o retorno não só de um personagem, mas de uma ideologia: protecionista, autoritária, beligerante e profundamente hostil a qualquer experiência democrática que não se submeta ao dólar, ao mercado financeiro e à supremacia anglo-americana. A tarifa de 50% imposta unilateralmente contra produtos brasileiros, anunciada por carta direta a Lula, é a face visível dessa reação imperial.

O motivo alegado por Trump é tão falso quanto estratégico: acusa o Brasil de perseguir Jair Bolsonaro e censurar redes sociais norte-americanas. Mas o que está em jogo, na realidade, é a tentativa de sabotar qualquer política latino-americana que escape ao eixo do neoliberalismo, da dependência cambial e do servilismo político. O alvo não é apenas Lula ou o Brasil: é todo projeto de mundo que queira reequilibrar relações internacionais e construir uma ordem mais justa e multipolar — como a que os BRICS tentam viabilizar. O império reage com aquilo que sabe fazer: cerco comercial, desinformação e tentativa de dividir o campo progressista.

Diante disso, Lula respondeu de forma contundente e institucional. Em nota oficial publicada no X (antigo Twitter), afirmou que o Brasil aplicará a Lei da Reciprocidade, aprovada em abril, sancionada por seu governo, que permite suspender concessões, rever tratados, sobretaxar produtos estrangeiros e até quebrar patentes de países que ajam de maneira hostil ou unilateral contra o Brasil. E declarou: “O Brasil é um país soberano com instituições independentes, que não aceitará ser tutelado por ninguém”. A resposta rompe com a postura passiva que, por décadas, marcou a diplomacia comercial brasileira diante das grandes potências. Agora, o governo afirma que o Brasil deixará de ser colônia tarifária ou refém de interesses externos disfarçados de “parcerias”. 9

Esse posicionamento não é bravata. É uma retomada histórica da tradição altiva do Itamaraty soberano, do anti-imperialismo democrático, da América Latina que se recusa a ser o quintal dos Estados Unidos. Durante o século XIX, os EUA impuseram tarifas a seus parceiros como forma de forjar sua industrialização. Mas hoje, quando o fazem novamente, querem justificar-se com uma retórica moral — fingem proteger valores como liberdade de expressão, enquanto protegem, de fato, o bolsonarismo e os mercados que os sustentam. Trump não taxa o Brasil por causa de princípios: taxa porque não tolera um governo popular e soberano em sua zona de influência.


A hipocrisia salta aos olhos. Os mesmos setores da extrema direita brasileira que gritam contra o “peso dos impostos” no Brasil silenciam quando Trump taxa o Brasil. Reclamam do ICMS, mas aplaudem um tarifão de 50% que vai encarecer produtos, esmagar exportações e prejudicar diretamente os pequenos e médios produtores — principalmente do agro que eles dizem representar. São os mesmos que atacam o Bolsa Família como “esmola”, mas nada dizem quando o governo dos EUA injeta trilhões no sistema financeiro com políticas que salvam banqueiros e corporações. Essa gente, que idolatra Trump e protege Bolsonaro, não está preocupada com o povo: está preocupada em manter seus privilégios. 

E não nos enganemos: Bolsonaro não é vítima de perseguição. É réu por tentativa de golpe, conspiração criminosa, espionagem ilegal e ataque à democracia. Condenado e inelegível até 2030, tenta se blindar nos EUA sob a sombra de Trump, que agora se vale de sua figura para justificar ataques ao governo brasileiro. É um jogo coordenado: enquanto Bolsonaro serve como mártir de uma causa reacionária, Trump age como patrono de uma nova ordem autoritária global, onde a mentira, a força e o lucro valem mais que o direito dos povos.

Mas o povo não é cego. Quem pagará essa conta são os assalariados, os trabalhadores da indústria, os agricultores familiares, os consumidores. O aumento de tarifas significa queda nas exportações, inflação interna, retração do mercado e mais vulnerabilidade cambial. Enquanto os rentistas continuarão lucrando e os especuladores operarão no câmbio e nos derivativos, o povo sentirá o peso no pão, no feijão, na energia, no combustível. A profecia bíblica já advertia: “Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem sentenças opressoras para negar justiça aos pobres” (Isaías 10,1-2). Não há neutralidade possível diante de um projeto de opressão econômica travestido de patriotismo.

A resposta de Lula é, assim, mais do que diplomática — é profética. Rompe o ciclo da submissão e afirma que reciprocidade não é vingança, mas justiça. E justiça, quando vem dos pobres e para os pobres, sempre incomoda os impérios. A lei da reciprocidade, nesse contexto, se torna um símbolo da reorganização popular e do rompimento com a lógica colonial. Porque não é o Brasil que deve se explicar ao mundo, mas o mundo que deve reconhecer o direito do Brasil de se autodeterminar.

Esta não é apenas uma disputa entre dois presidentes. É a revelação de dois projetos de mundo: de um lado, a lógica da dominação, da desigualdade e da mentira; de outro, a teimosia da justiça, da soberania e da dignidade popular. E nós, que somos povo, não podemos hesitar. Precisamos assumir o lado dos que resistem — e fazer tremer os alicerces do império com a força da verdade organizada.

Porque no fim, não se trata apenas de tarifas ou decretos: trata-se de quem controla o destino dos povos. E quando a justiça tenta florescer num terreno sufocado pelo lucro, os impérios se agitam. Mas não há decreto que vença o clamor dos que têm fome e sede de justiça. A história não é propriedade dos poderosos — ela pertence aos que ousam resistir, aos que trabalham, sonham e lutam com os pés no chão e os olhos voltados para o céu. Que o império ouça e tema: o povo acordou, e quando o povo se organiza, nem o aço das tarifas, nem o ouro das bolsas, nem os mitos da extrema-direita conseguirão silenciar a marcha dos que se levantam. Porque onde há justiça, aí também está Deus. E com Ele, ninguém cala a esperança.

DNonato – Teólogo do Cotidiano

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