segunda-feira, 9 de junho de 2025

Maria de Pentecostes ou Maria, Mãe da Igreja

 Após refletirmos sobre o Evangelho da memória de Nossa Senhora, Mãe da Igreja — com um breve olhar sobre João 19,25-34 — sentimos-nos profundamente motivados a continuar nossa meditação sobre os títulos marianos. Essa experiência espiritual nos conduziu, naturalmente, a outro título cheio de beleza e significado: Maria de Pentecostes. Não é por acaso que a Igreja celebra Maria como Mãe da Igreja justamente na segunda-feira após Pentecostes. Essa memória litúrgica, reafirmada pelo Papa Francisco, de saudosa memória, aponta para uma realidade existencial e eclesial profunda: a maternidade espiritual de Maria coincide com o nascimento da Igreja, quando ela, no coração da comunidade dos discípulos, permanece como mãe, discípula, intercessora e companheira de caminho.

Ela é Maria de Pentecostes, como cantou o bispo-poeta Dom Pedro Casaldáliga:

"Maria de Pentecostes, quando a Igreja ainda era pobre e livre como o vento do Espírito."

Esse verso revela uma verdade que resiste aos séculos: a liberdade do Espírito precede qualquer estrutura institucional. Antes de basílicas, tronos ou tratados dogmáticos, a Igreja era comunidade viva, tecida pela fé, pela partilha e pela esperança dos pequenos. E ali estava Maria, não no centro do poder, mas no centro da comunhão, numa Igreja que ainda não era poder temporal, mas mistério de vida em gestação.

O texto dos Atos dos Apóstolos testemunha que ela “perseverava na oração com os discípulos” (At 1,14). Maria, que no Evangelho de Lucas guardava todas as coisas no coração (Lc 2,19), agora guarda e gesta a comunidade, como outrora gestou o Filho. Na antropologia bíblica, o coração é o lugar do discernimento profundo, onde se escuta a voz de Deus e se toma posição. Assim também Maria, a mulher do discernimento e da entrega, torna-se símbolo de uma Igreja que escuta, que acolhe e que não se impõe, mas se oferece.

E, neste movimento, ecoa em Maria o cântico da revolução dos pobres:

> “Minha alma engrandece o Senhor,

e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47).

> "Maria de Pentecostes, quando o fogo do Espírito era lei da Igreja nova."

Na tradição profética de Israel, o fogo é sinal da presença divina — do Sinai ao profeta Elias, do altar ao Pentecostes (cf. Ex 3,2; 1Rs 18,38; At 2,3). Maria, envolvida por esse fogo, torna-se ícone de uma Igreja incendiada pelo Espírito, movida por um amor que não se acomoda nem se domestica.

No campo da sociologia da religião, podemos dizer que Maria representa uma contracultura eclesial: enquanto instituições religiosas tendem à conservação e ao poder, ela encarna a força da transformação silenciosa, do cuidado, da resistência dos pequenos. Ela é a mulher das margens, da Galileia, da casa pobre de Nazaré. Sua presença no nascimento da Igreja recorda que Deus escolhe sempre começar pelos de baixo, pelos desprezados, pelos que não contam.

Por isso, sua voz ainda canta:

“Derrubou do trono os poderosose exaltou os humildes; encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53).

É por isso que a maternidade de Maria não é simbólica apenas — é fundante. Como nos ensina São Paulo, “a Jerusalém do alto é livre, e ela é nossa mãe” (Gl 4,26). A maternidade espiritual de Maria, vivida entre lágrimas e esperanças, configura a Igreja verdadeira: livre, materna, pobre e missionária.

 "Maria de Pentecostes, quando os doze só exibiam o poder do Testemunho."

Num tempo em que a Igreja ainda não acumulava títulos nem palácios, o único poder reconhecido era o do testemunho (cf. At 4,33). Esse poder é o da vida entregue, da palavra encarnada, da coragem de anunciar o Evangelho mesmo em meio à perseguição e à exclusão. Maria é Mãe dessa Igreja do Testemunho: não da Igreja da pompa, mas da Igreja do lava-pés (cf. Jo 13,14), da solidariedade, da fraternidade concreta.

O Papa Francisco, cuja voz profética ecoará por muito tempo, lembrou-nos que Maria é mais importante que os apóstolos, porque é imagem da Igreja pura e pobre, não clericalizada, não dominadora, mas fermento humilde no meio da massa humana. Sua maternidade não se reduz a um título devocional: é critério de fidelidade evangélica. Ela é Mãe da Igreja quando esta renuncia aos ídolos da segurança, do dinheiro, da dominação doutrinária, e volta a ser boca do Ressuscitado, como disse Casaldáliga: "Maria de Pentecostes, quando toda Igreja era boca do Ressuscitado."

Na sua boca, o Magnificat não é apenas canto de louvor, mas grito de justiça: derruba tronos, exalta humildes, sacia famintos e dispersa soberbos (cf. Lc 1,46-55). É um programa revolucionário que desmascara os poderes eclesiais e civis que negam a dignidade dos pobres.

“Ele mostrou a força de seu braço e dispersou os que têm planos orgulhosos no coração” (Lc 1,51).

Na história da Igreja, muitas vezes Maria foi usada como símbolo de docilidade ou submissão. No entanto, na tradição bíblica e dos pobres, ela é a mulher forte, peregrina da fé, mãe da resistência, como a “mulher vestida de sol” do Apocalipse (Ap 12,1), que enfrenta o dragão do poder e da mentira. Sua maternidade espiritual nos remete àquela Igreja perseguida, escondida, mas viva — corpo do Ressuscitado no mundo.

Hoje, diante de um mundo dilacerado por guerras, desigualdades e desilusões, e de uma Igreja tantas vezes tentada pelo clericalismo, pela autodefesa institucional e pela indiferença diante da dor humana, Maria de Pentecostes nos chama à conversão. Ela nos pede que sejamos Igreja em saída, como sonhava Francisco, Igreja samaritana, Igreja profética, Igreja do povo crucificado.

Maria Mãe da Igreja é Maria de Pentecostes. Dois rostos do mesmo mistério: a mulher que gera Cristo e a mulher que acompanha a Igreja no parto da nova humanidade. Ela é o útero da esperança, o ventre da fé, a ternura do Espírito, a coragem da profecia.

Que ela nos ensine a ser Igreja do cenáculo e das ruas, da oração e da missão, do silêncio que escuta e da voz que denuncia.

Prof. DNonato – Teólogo do cotidiano.

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