Jesus promete o envio do Paráclito, termo grego (paraklētos) que significa “defensor”, “consolador”, mas também “advogado” e “intercessor”. Este Espírito procede do Pai (cf. Jo 15,26) e tem a missão de testemunhar – palavra-chave no Evangelho joanino (martyrein) – isto é, dar continuidade ao testemunho do próprio Jesus, que é a Verdade (Jo 14,6). Esse Espírito é radicalmente incompatível com os projetos de poder, ideológicos e religiosos, que manipulam a fé para manter privilégios. Onde o Espírito da Verdade sopra, desmascaram-se as farsas teológicas que sustentam o nacionalismo religioso, a teologia da prosperidade, a idolatria do mercado e do armamento.
O Vaticano II, em Gaudium et Spes, nos lembra que “a Igreja tem sempre o dever de perscrutar os sinais dos tempos e de os interpretar à luz do Evangelho” (GS 4). O Espírito da Verdade nos convida a reconhecer que muitos hoje, em nome de Cristo, promovem um antievangelho de exclusão, intolerância e violência. Como não reconhecer aqui a “nova forma de paganismo” denunciada pelo Papa Francisco, que se expressa no culto ao dinheiro, na indiferença à dor dos pobres e na sacralização do neoliberalismo?
Jesus é claro: “Expulsar-vos-ão das sinagogas... até chegará o tempo em que quem vos matar pensará que está prestando culto a Deus” (Jo 16,2). A perseguição, portanto, não é só externa, mas muitas vezes interna, dentro dos espaços religiosos. A crítica joanina às estruturas religiosas que se tornaram hostis à verdade é contundente. Tal como Jesus foi rejeitado pelas lideranças do seu povo, também os seus seguidores sofrerão nas mãos de estruturas religiosas que preferem o controle à conversão.
Na América Latina, esta leitura ressoa com os mártires do continente: Dom Oscar Romero, Irmã Dorothy Stang, Padre Josimo, e tantos outros que, movidos pelo Espírito da Verdade, denunciaram a injustiça e foram assassinados por isso. O Documento de Puebla (n. 515) afirma que “os pobres não podem esperar: a hora da libertação chegou!” – e a profecia cristã não pode se calar. É preciso dizer com clareza: hoje, o Espírito da Verdade continua sendo perseguido nas figuras daqueles que denunciam a violência contra os povos originários, a devastação da Casa Comum, a política de morte do encarceramento em massa e a manipulação religiosa feita por setores da extrema direita que transformam o Evangelho em instrumento de dominação.
Jesus adverte que as perseguições virão daqueles que “não conheceram nem o Pai nem a mim” (Jo 16,3). A verdadeira ignorância de Deus, portanto, não é ausência de religião, mas a religião que perdeu o coração de Deus. O Papa Francisco, em Evangelii Gaudium (n. 93), denuncia com vigor o “mundanismo espiritual” e o “narcisismo clerical”, que esvaziam o Evangelho e alimentam estruturas autorreferenciais e cúmplices da injustiça. O clericalismo, criticado com veemência no Documento Final do Sínodo para a Amazônia (n. 98), é uma das formas mais perversas de negar o Espírito da Verdade, pois transforma os ministros em donos da fé, suprimindo a liberdade dos fiéis e calando a profecia nas comunidades. O Espírito, porém, sopra onde quer (Jo 3,8), e seu testemunho é muitas vezes ouvido na voz dos leigos e leigas, das mulheres excluídas, das pastorais sociais, das juventudes rebeldes por justiça.
A promessa do Paráclito é comunitária: “Também vós dareis testemunho” (Jo 15,27). Trata-se de uma missão eclesial. A Igreja que recebe o Espírito não é triunfalista nem conivente com os poderosos. Ela é “Igreja em saída” (EG 20), “ferida e suja” por estar ao lado dos pobres. Ela reconhece, como ensina Lumen Gentium (n. 12), que todo o povo de Deus participa do sensus fidei – do discernimento espiritual – e não apenas a hierarquia. Como ignorar que o testemunho hoje exige o enfrentamento corajoso das estruturas de pecado? Como silenciar diante de um mundo que persegue os defensores da terra, nega os direitos das mulheres, ataca os direitos dos pobres em nome de uma suposta moral cristã?
O Espírito da Verdade nos desinstala e incomoda. Ele não nos deixa confortáveis nos templos luxuosos, mas nos envia às periferias (cf. At 1,8), aos becos e favelas, aos presídios e ocupações. Como recorda o Documento de Medellín, “a Igreja deve ser a voz dos que não têm voz” (Medellín, Justiça, n. 2).
Diante de um mundo que naturaliza a mentira, sacraliza a violência e mercantiliza a fé, o Espírito da Verdade não é apenas consolo – é resistência. Ele nos desinstala dos pactos com o comodismo, rasga os véus da hipocrisia religiosa e nos impele a uma vida de coerência evangélica. Testemunhar Jesus Cristo hoje, como ontem, é nadar contra a corrente do ódio, da indiferença e da manipulação da fé pelo poder. Não nos iludamos: o caminho do discipulado é marcado por conflitos, por cruzes e perseguições – inclusive dentro da própria Igreja, quando esta se fecha à escuta do Espírito. Mas não estamos sós. O mesmo Paráclito que sustentou os mártires e incendiou as comunidades de base é quem nos guia hoje, no meio da escuridão dos tempos, para que a luz do Evangelho jamais se apague.
Que sejamos uma Igreja viva, inquieta, pobre e livre, capaz de dizer não ao clericalismo, à extrema direita e às falsas doutrinas que escondem o rosto misericordioso do Pai. Que a nossa fidelidade se expresse no compromisso com os últimos, na defesa da vida e na escuta atenta ao Espírito, que continua falando através dos pequenos, dos empobrecidos e dos profetas do nosso tempo. Pois onde há coragem de testemunhar a verdade, ali o Espírito já está.
DNonato – Graduado em História, teólogo do cotidiano, indigente do sagrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.