segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A Questão do sentimento e o Respeito por si mesmo - XXI

 
Rio Guandu em Nova Belém/ Japeri 

Somos passageiros nesta realidade e, muitas vezes, não temos essa noção como algo concreto. Uma família rodando com seu carro numa estrada a 110 km/h tem o pneu estourado e, pela graça de Deus, não sofre nenhum tipo de acidente. Conseguem parar o carro, trocar o pneu e seguir viagem. Sabemos que toda a situação foi controlada graças à ação de Deus, que deu ao motorista o dom de manter a calma e evitar maiores problemas.
Assim também é a vida em família. Muitas vezes, estamos todos dentro do mesmo carro, na mesma estrada, correndo para chegar logo — mas ignorando os sinais de desgaste. O pneu que estoura pode ser a última gota d’água: aquela discussão acumulada, o silêncio prolongado, a falta de cuidado com o outro. Quando isso acontece, só seguimos viagem se pararmos, reconhecermos o dano e tivermos humildade para trocar o que não serve mais. A estrada continua, mas exige manutenção constante — como as relações.
A realidade que vivemos nos convida a refletir sobre como estamos vivendo: será que estamos tão preocupados em chegar logo que esquecemos de curtir o passeio?
Isso me recorda um episódio vivido na década de 1980, que compartilho abaixo:
> “Sou filho de Japeri, mesmo tendo nascido em Queimados. Morei perto do Rio Guandu* e, quando criança, muitas vezes fui até lá para tomar banho e brincar (naquele tempo podíamos fazer isso). Hoje pela manhã me veio à mente um episódio de quando eu tinha uns sete anos e ainda não sabia nadar.
Estava ouvindo a história de uma relação conturbada de uma pessoa por quem tenho apreço. Eu não encontrava palavras para orientá-la — então me veio essa lembrança.
Era um belo dia de sol. Um dos meus irmãos me levou até o Rio Guandu, num local que agora não existe mais — o areial o destruiu. Chamávamos de 'prainha'. Era um lugar bom, com várias pessoas e água limpa. Japeri ainda não tinha a população de hoje e o esgoto era mínimo.
Na brincadeira com outras crianças, numa distração, caí num buraco causado por uma bomba de areia. A correnteza começou a me arrastar. O buraco tinha um metro e meio de profundidade. Para quem tinha 70 centímetros, era o fim. Comecei a me afogar. Se eu gritasse, meu irmão brigaria comigo e nunca mais me levaria ao rio.
Afundei umas três vezes, bebi água e, antes de perder a noção e a calma, parei de me debater. Afundei e toquei o fundo do rio. Veio a inspiração: usar o fundo como impulso para sair do buraco. Afundei uma quarta vez, e com minhas pequenas pernas tomei impulso. Saí por baixo e alcancei o raso, com o coração a mil. Hoje estou aqui para contar.
Rio Guandu em NovaBelém/ Japeri

Esse fato me fez refletir sobre relações conjugais. Conheço homens e mulheres que vivem casados ou namorando, se sufocando e se debatendo — agressões com palavras e atitudes — e não têm calma nem paciência. Acabam se destruindo emocionalmente na relação por causa dos filhos, do patrimônio ou da pressão da sociedade. Tudo para não ‘sair por baixo’.
Até hoje sou apaixonado pelo rio — foi nele que aprendi a nadar. Mas naquele dia ele quase me levou. E não pedi ajuda, o que foi um erro. Nunca contei essa história a ninguém, mas ontem, lembrando dos meus medos de infância, fiz essa leitura:
Às vezes, é melhor sair por baixo de uma relação do que morrer afogado no orgulho de querer ter razão.”
E como o rio, as relações também têm correntezas. Têm margens seguras e têm buracos escondidos. Às vezes, são um lugar de frescor e vida. Noutras, tornam-se perigosos e imprevisíveis. O que nos salva não é sempre a força — às vezes é a humildade de tocar o fundo, reconhecer que ali não dá mais para ficar, e usar o que resta de fôlego para buscar a superfície.
Viver é aprender a nadar no outro. E isso exige respeito, escuta e coragem. Mas há momentos em que amar a si mesmo é deixar a água levar o que já não flui, e, com calma, sair por baixo... para enfim respirar.

DNonato – Teólogo do cotidiano, Graduado em História

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> Nota: O Rio Guandu é um dos principais rios do estado do Rio de Janeiro, responsável pelo abastecimento de água da capital fluminense e da Região Metropolitana. Nas décadas de 1970 e 1980, era comum seu uso recreativo em cidades como Japeri. Com o passar dos anos, a exploração desenfreada de areia (areial), o crescimento urbano desordenado com ocupações irregulares nas margens e a falta de compromisso do poder público — que permitiu o despejo de esgoto in natura no rio — contribuíram para a degradação ambiental severa de seus trechos. Locais como a antiga 'prainha', citada no texto, foram destruídos por esse processo

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