Os maus cristãos não têm fé, mas também não abjuram; escoram-se numa pretensa neutralidade, como se pudessem suspender indefinidamente o compromisso com a Verdade. Dizem: “Se Deus me desse um sinal, eu acreditaria…”. A voz que ecoa hoje nos púlpitos, nas redes e nos parlamentos travestidos de púlpitos, é semelhante à dos fariseus e escribas: “Mestre, queremos ver um sinal realizado por ti” (Mt 12,38). Mas não é a fé que fala — é a suspeita disfarçada, a religiosidade cínica que deseja manipular Deus com performances visíveis. É a lógica do tentador que sugere a Jesus lançar-se do pináculo do Templo para obrigar os anjos a um milagre (Mt 4,6). Mas o Deus da revelação não é o Deus da chantagem espiritual.
Jesus desmascara esse espírito: é uma geração má e adúltera. A palavra grega usada para "adúltera" (moichalís) possui um peso simbólico denso: não se trata apenas da infidelidade conjugal no sentido sexual, mas da quebra da aliança com Deus, como denunciaram os profetas. A aliança entre Deus e Israel é apresentada como um matrimônio (Os 2,16-20; Jr 2–3; Ez 16; Ez 23), e toda idolatria é descrita como adultério. É o culto da aparência, do poder e da autopreservação — religiosidade sem relação, culto sem compaixão, doutrina sem misericórdia.
O escândalo do Evangelho é este: o sinal já foi dado, mas os que se dizem conhecedores da Lei, peritos da tradição e defensores do templo, não o reconhecem. Eles não são apenas ignorantes — são obstinados. São os que, como o rei Acaz nos dias de Isaías (cf. Is 7,10-14), recusam-se a confiar no Deus vivo. Quando o profeta oferece ao rei a chance de pedir um sinal, Acaz responde com falsa piedade: “Não pedirei, não colocarei o Senhor à prova” (Is 7,12). Mas não é reverência — é medo de se comprometer com o Reino. Diante disso, Deus mesmo dá o sinal: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele se chamará Emanuel” (Is 7,14). Esse sinal — o da Virgem que dá à luz — é retomado em Mateus no início do evangelho (Mt 1,23), unindo a promessa messiânica ao nascimento do Salvador. Agora, no capítulo 12, o mesmo evangelista nos mostra que aquele que é o sinal encarnado está diante dos olhos dos religiosos… e mesmo assim eles pedem mais.
Como não perceber a ironia profética?
O Emanuel está ali — o Deus-conosco — e ainda assim eles exigem um espetáculo. O sinal não é espetáculo para agradar aos sentidos, mas convite à conversão profunda. Este pedido por sinais não é novo nem exclusivo da geração de Jesus. Lucas registra uma passagem similar em que Jesus denuncia: “Esta geração é má; ela procura um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal de Jonas” (Lc 11,29). Marcos reforça a dureza do coração humano diante do milagre, que mesmo diante da evidência, permanece incrédulo (Mc 8,11-13). Esses ecos sinóticos revelam uma realidade humana perene: o medo do compromisso, a busca por segurança emocional, o desejo por controle da fé, que se manifesta em ansiedade e superficialidade. A fé genuína, por outro lado, exige risco, entrega e confiança no invisível. Mas essa resistência não é apenas teológica; é também psicológica. A fé implica vulnerabilidade — abrir mão do controle e do conforto ilusório. Muitos se agarram à dúvida como escudo para evitar o vazio e o risco do amor. O medo do fracasso, da rejeição, do sofrimento, bloqueia o salto para a confiança. É a “zona de conforto” da alma, que se recusa a entrar na profundidade do deserto interior, no silêncio do ventre onde Deus se faz presente.
Jesus recusa entregar-lhes um sinal conforme suas expectativas manipuladoras: “Nenhum sinal lhes será dado, a não ser o sinal do profeta Jonas” (Mt 12,39). E aqui se abre uma densidade simbólica que une a Escritura, a Tradição e a vida concreta. Jonas, lançado ao mar e engolido por um peixe (cf. Jn 2,1), é símbolo da descida aos infernos, da morte abraçada em solidariedade profética, da conversão pela dor e pela esperança. Sua permanência de três dias no ventre do monstro marinho ecoa agora como figura da permanência de Jesus no ventre da terra — não por fuga, como Jonas, mas por fidelidade. O túmulo se tornará útero; a morte, travessia; o escuro, anúncio de um novo dia. A ressurreição é o grande sinal que Jesus oferece, mas ela só será visível aos que creem com o coração — como Maria, que não pediu sinais, mas disse sim ao sinal.
Santo Agostinho interpreta que Jonas prefigura Cristo, pois “assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim também Cristo esteve três dias e três noites no seio da terra. Um foi lançado para fora, o outro ressuscitou” (Sermão 97). Orígenes aprofunda: “O peixe que engole Jonas é a morte que engole Cristo; mas como Jonas não foi destruído, tampouco a morte pode reter o Senhor” (Homilia sobre Jonas). A alegoria une Antigo e Novo Testamento numa única história de amor e redenção.
A cidade de Nínive, capital do império opressor, simboliza o “inimigo” que se converte ao ouvir a Palavra. A ironia é que os estrangeiros ouvem e se arrependem, enquanto Israel persiste na dureza do coração. O profeta Efrém, no século IV, já dizia: “Nínive ouviu uma só pregação e se converteu; Israel escutou muitos profetas e permaneceu no orgulho” (Comentário sobre Jonas).
O símbolo da rainha do Sul (1Rs 10,1-10) aponta na mesma direção. Vem de longe, mulher, pagã — mas vem com desejo de sabedoria. Como Maria de Betânia, que escolhe “a melhor parte” aos pés de Jesus (Lc 10,42), ela representa os que ouvem e acolhem a Palavra. O Reino é escuta antes de ser milagre. E como ensina o Documento de Aparecida, a escuta verdadeira exige sair da zona de conforto: “Não se pode evangelizar permanecendo ao lado do poder, mas apenas caminhando com os que sofrem” (DAp, n. 363). Jesus é o novo Jonas, o verdadeiro profeta, o sinal que não vem do céu para deslumbrar, mas da terra para redimir. E é também maior que Salomão, pois sua sabedoria não enriquece palácios, mas acolhe os pobres e inquieta os sistemas religiosos. A rainha do Sul percorreu longas distâncias para ouvir a sabedoria humana de Salomão, mas ali estavam mestres da Lei que nem mesmo se moviam do lugar para acolher a Sabedoria encarnada, a Palavra feita carne.
A geração que pede sinais é a mesma que ignora o grito dos pobres, o clamor das vítimas, a presença silenciosa de Deus nos pequenos. É a geração de corações endurecidos que, mesmo vendo curas e escutando parábolas, não muda de caminho. São como Acaz, como os líderes de Jerusalém, como tantos hoje que exigem de Deus milagres enquanto sustentam estruturas de morte, opressão e indiferença.
Historicamente, os fariseus e escribas, ao colaborarem com o império romano e sustentarem privilégios religiosos e sociais, ilustram como sistemas humanos podem travar o progresso do Reino. Não é diferente hoje, quando poderes políticos e econômicos alimentam estruturas que mantêm a exclusão, a injustiça e a violência.
Quantos hoje pedem sinais, mas fecham os olhos à cruz que caminha em suas ruas?
A incredulidade de hoje não é ausência de evidência, mas excesso de ruído. A hipermodernidade, marcada pelo excesso de estímulos e pela cultura do espetáculo, nos impede de perceber o sinal silencioso que se esconde na rotina. Como lembra Bento XVI, “quem não reconhece a verdade no amor crucificado, não reconhecerá nenhum outro sinal” (Jesus de Nazaré, vol. 2). A fé não nasce de demonstrações — nasce da abertura ao Mistério. “Se não escutam Moisés nem os profetas, ainda que alguém ressuscite dos mortos, não acreditarão” (Lc 16,31).
A fé mercantilizada — teologia da prosperidade, da autoridade espiritual absolutista, da barganha com o sagrado — não compreende esse sinal. Como advertiu São João Paulo II: “Não é o milagre, mas a cruz, que é a prova do amor” (Redemptor Hominis, n. 9). E como disse Dom Hélder Câmara: “Os que têm medo da cruz não compreenderam nada do Evangelho.”
Hoje, muitas “igrejas” transformaram o milagre em espetáculo e a fé em mercadoria de consumo. Propagandas vendem curas, bênçãos e “unções” como produtos numa prateleira de supermercado espiritual. O altar vira palco e o púlpito, estúdio de marketing; as promessas de prosperidade financeira e saúde são ofertadas em troca de dízimos e submissão. A fé, que deveria ser caminho de conversão e entrega, reduz-se a uma relação de troca, um contrato emocional de ganhos rápidos, enganando corações sedentos e famintos por sentido. Essa espetacularização da fé gera dependência de performances, alimenta o clericalismo e mascara a pobreza real da vida, convertendo a graça em mercadoria e o Evangelho em show. É a religião vazia que denuncia Jesus em Mateus: “geração má e adúltera” que pede sinais, mas rejeita o sinal do amor crucificado. Vivemos hoje o paradoxo de uma geração que, sedenta por “sinais”, se contenta com a fé transformada em espetáculo. Como os fariseus que exigiam milagres visíveis, muitos se encantam com pregadores que acumulam milhões de seguidores e likes, transformando o Evangelho em espetáculo de curtidas e visualizações. Mas o Cristo que promovem não é o Cordeiro imolado, nem o Servo sofredor que abraça a cruz. É o bezerro de ouro da teologia da prosperidade, do domínio e da autoajuda vazia — um falso Messias fabricado para satisfazer o ego, inflar o orgulho e garantir o consumo religioso.
Este é o bezerro dourado do espetáculo midiático: um Cristo que não chama à conversão, mas confirma o ego e a idolatria do poder; um evangelho que não denuncia as estruturas de opressão, mas as legitima; uma fé que não se entrega, mas se exibe. A lógica do “milagre” vira mercadoria, e a cruz é substituída por aplausos e números de audiência. O Papa Francisco, em seu testemunho luminoso e profético, denunciou essa lógica em Evangelii Gaudium, quando falou da “idolatria do dinheiro” (n. 55), da “fé que esconde a verdade para favorecer os poderosos” (n. 218) e do clericalismo que “se fecha em castas e privilégios” (n. 104-109). É um sistema que evita a cruz e prefere o espetáculo, a mercadoria, o controle.
A fé não está nas grandes performances, mas nas pequenas fidelidades; não nos palácios eclesiásticos ou nas redes sociais, mas na sarça ardente do deserto (Ex 3), na manjedoura de Belém (Lc 2), na cruz de Jesus (Jo 19). A cruz é o sinal maior da presença divina: um amor que se entrega e se doa, um Reino que não se impõe pela força, mas cresce como fermento escondido na massa (Mt 13,33). O sinal de Jonas é o sinal do silêncio fecundo, do esvaziamento, da descida que gera vida. É o convite para que, como o profeta relutante, desçamos ao ventre da realidade, escutemos os gritos abafados do povo e anunciemos a justiça com ternura. É o grão de trigo que morre para dar fruto (Jo 12,24), o servo que não quebra a cana rachada nem apaga o pavio que fumega (Is 42,3).
Quem busca milagres para crer se torna escravo do que vê. Quem crê no sinal de Jonas é livre para amar mesmo na escuridão. E se hoje a fé parece enfraquecida, não é por falta de milagres, mas por excesso de distrações. É tempo de descer, como Jonas. De silenciar, como Cristo. De morrer, como o grão. Porque só no fundo da terra nasce o Reino. Ali, no invisível, Deus ainda faz novas todas as coisas (Ap 21,5).
O Papa Francisco nos recordou também, a partir da Fratelli Tutti, que a conversão pessoal e comunitária é inseparável da transformação social: “Ninguém se salva sozinho; a fraternidade e a amizade social são um caminho indispensável para a paz” (FT, n. 6). Assim, o chamado à conversão é também um chamado à justiça, à solidariedade e ao cuidado com o próximo. Que este sinal, o amor crucificado, seja para nós hoje o chamado urgente à conversão, à fidelidade que gera vida, e à esperança firme que resiste ao ruído e à superficialidade. Que não sejamos apenas espectadores do sinal, mas profetas e profetisas que desçam ao ventre da história para gerar vida, justiça e fraternidade.
DNonato - Teólogo do Cotidiano
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