"As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna e elas jamais se perderão" (Jo 10,27-28).
Jesus nos fala como o Bom Pastor que conhece suas ovelhas e é por elas conhecido. Essa intimidade não é automática, mas fruto de convivência: vamos reconhecendo sua voz à medida que lhe damos espaço em nossa vida. O mesmo acontece nas relações humanas — com o tempo, aprendemos a distinguir a voz da mãe em meio a uma multidão, o timbre do amigo mesmo à distância. Assim também é com Deus: sua voz se torna familiar quando nos tornamos familiares a Ele, quando nos deixamos transformar pela oração, pela escuta do Evangelho e pelo compromisso com os pobres.
Seguir Jesus hoje é mais do que aderir a um grupo religioso ou a uma estética espiritual. É um caminho de discernimento contínuo. Não seguimos um influenciador digital, nem as tendências passageiras do mercado ou do comportamento. Seguir Jesus é uma escolha que exige liberdade interior e coragem profética, como ensinava São João Paulo II: "A fé exige o compromisso com a verdade e a justiça".
A escuta da voz de Deus hoje é desafiada pelo ruído da polarização política, ideológica e até religiosa. Há vozes que se travestem de fé, mas promovem exclusão, ódio e violência. Nesse contexto, reconhecer a voz do Pastor exige discernimento. O Documento de Aparecida (2007), do episcopado latino-americano e caribenho, nos recorda que “o discípulo missionário é aquele que escuta, aprende e se compromete com o Reino que Jesus anunciou aos pobres”. Escutar a voz do Pastor é, portanto, estar do lado dos que sofrem, é fazer opção preferencial pelos pobres, como nos ensinou o Papa Francisco, que afirmou: "Não se pode amar a Deus sem amar o povo".
A teologia latino-americana nos ajuda a entender que o seguimento de Jesus passa pela cruz do povo, pelas dores da história, e pelo compromisso concreto com a justiça e com os pobres da terra. Leonardo Boff dizia que "o grito dos pobres é o grito de Deus". A antropologia cristã não separa fé e vida, alma e corpo, oração e luta. Não podemos seguir Jesus se ignoramos os clamores das vítimas da fome, do racismo, da violência de Estado, dos migrantes e dos povos originários.
Historicamente, o seguimento do Bom Pastor levou homens e mulheres a se colocarem ao lado da justiça, mesmo que isso os colocasse em confronto com estruturas de poder. Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Luciano Mendes de Almeida são testemunhas de que ouvir a voz de Jesus nos leva a defender a dignidade humana — e isso, frequentemente, nos posiciona mais à esquerda do que gostaríamos. Porque o Evangelho incomoda. E Jesus nunca foi neutro diante do sofrimento.
Hoje, viver esse Evangelho é se perguntar: a quem estou escutando? A quem estou seguindo? A voz do Pastor é clara, mas só a escutamos se estivermos dispostos a descer do pedestal, a tirar os fones da vaidade, da ideologia cega, da falsa religiosidade. Escutar o Bom Pastor é deixar-se conduzir por Ele para fora dos apriscos do egoísmo e da indiferença, rumo ao campo aberto da solidariedade e da fraternidade.
Como canta Chico Buarque entre o "sinal fechado" das relações distraídas e o convite do Bom Pastor a segui-lo de verdade, que a gente escolha parar. Escutar. Reconhecer. E seguir.
DNonato – Leigo católico, graduado em História; uma ovelha enlameada no rebanho do Bom Pastor.
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