Neste artigo, apresento um paralelo entre Paulo, missionário entre mundos, Agostinho, inquieto buscador de Deus, e Leão XIII, profeta da justiça. Acredita-se que esses legados tenham influenciado o cardeal Prevost, nascido nos EUA, mas que consolidou sua fé e vocação no Peru. Gerado no Norte, mas amadurecendo no Sul, o nome Leão XIV sugere que ele pode ser a voz das periferias que tanto esperamos de um novo Papa do século XXI.
Boa leitura
*DNonato
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Um Legado de Missão, Interioridade e Justiça Social para as Periferias
A recente eleição de Robert Francis Prevost, agora Leão XIV, evoca uma linhagem de papas que marcaram a história da Igreja. Leão I, o Magno, defendeu a fé com firmeza em tempos de crise. Leão XIII, com a Rerum Novarum, abriu um diálogo profético com o mundo moderno, lançando as bases da Doutrina Social da Igreja. Contudo, o retrato que emerge deste novo pontificado parece ir além, buscando raízes ainda mais profundas no ardor missionário de São Paulo, na inquieta busca interior de Santo Agostinho, e na urgência social que ecoou no pontificado do Papa Francisco.
São Paulo, cuja identidade complexa moldou seu apostolado, nasceu judeu, possuía a cidadania romana e era imerso na cultura helenística. Essa rica tapeçaria de origens permitiu que ele transitasse por diversos mundos, levando o Evangelho tanto às sinagogas quanto aos areópagos. De forma análoga, a própria história de Leão XIV parece marcada por uma rica dualidade: nascido em Chicago, no coração da América do Norte, seu coração e sua alma se enraizaram profundamente no Peru, forjando nele uma ponte natural entre o Norte e o Sul global. Essa vivência em diferentes realidades culturais pode conferir a Leão XIV uma perspectiva única sobre as desigualdades mundiais e uma profunda identificação com as lutas dos povos periféricos da América Latina e de todo o Sul. Assim como Paulo não temeu confrontar as injustiças de seu tempo, Leão XIV, inspirado por esse legado e por sua própria trajetória como elo entre o Norte e o Sul, pode ser uma voz profética contra as novas formas de exclusão que afetam os mais vulneráveis, com um olhar especial para as dinâmicas de poder e as injustiças históricas entre essas duas realidades do mundo.
Santo Agostinho, com sua profunda jornada interior narrada nas Confissões, revela uma busca incessante por Deus que se manifesta também na sede de justiça e na compaixão pelos que sofrem. Sua experiência de "periferia da alma" antes da conversão o torna um modelo para aqueles que buscam sentido em meio à marginalização. O Papa Francisco enfatizou a importância de um encontro pessoal com Cristo que transforma a vida e nos impulsiona ao encontro do outro, especialmente dos mais necessitados. Leão XIV, bebendo dessa espiritualidade agostiniana e da sensibilidade que marcou o pontificado de Francisco, pode convidar a Igreja a um mergulho na própria interioridade para encontrar a força de ir ao encontro das periferias, reconhecendo ali o rosto sofredor de Cristo.
Leão XIII, com a Rerum Novarum, demonstrou uma coragem profética ao denunciar as injustiças sociais da Revolução Industrial e ao defender os direitos dos trabalhadores. Sua encíclica lançou as bases da Doutrina Social da Igreja, um legado que o Papa Francisco atualizou com vigor em suas encíclicas Laudato Si' e Fratelli Tutti, abordando questões como a ecologia integral, a fraternidade universal e a crítica a um sistema econômico que gera exclusão. A profunda preocupação de Leão XIII com a dignidade humana já se manifestava de forma contundente em sua Encíclica In Plurimis, de 1888, na qual ele condenou veementemente a escravidão, um tema que infelizmente ainda encontra ecos nas formas contemporâneas de exploração presentes nas periferias globais, afetando de maneira particular as populações do Sul. Leão XIV, cuja alma e coração se forjaram nessa ponte entre o Norte e o Sul, herda diretamente a preocupação social de Leão XIII e a paixão que moveu o pontificado de Francisco pelos pobres, certamente dando continuidade a essa linha profética, denunciando as novas formas de desigualdade e defendendo os direitos dos marginalizados nas periferias do século XXI, com uma sensibilidade aguçada para as relações desiguais entre o Norte e o Sul global.
Assim, o retrato de Leão XIV que emerge não é uma mera repetição do passado, mas uma síntese dinâmica de legados que ressoam profundamente com os desafios do presente. Como Paulo, ele será um missionário nas fronteiras da exclusão, com uma compreensão profunda das dinâmicas interculturais e das dificuldades enfrentadas pelos povos da periferia global, sendo ele próprio uma ponte viva entre o Norte e o Sul. Como Agostinho, ele beberá profundamente da espiritualidade do bispo de Hipona, uma tradição que também marcou a vida de Martinho Lutero, figura central da Reforma Protestante, cujas ações no século XVI levaram a uma ruptura na unidade da Igreja. Enquanto Lutero trilhou um caminho de separação e contestação de dogmas centrais, Leão XIV, embora condivida a herança agostiniana, parece inclinado a um caminho oposto: o da unidade e do serviço, especialmente voltado para as periferias do mundo, seguindo o exemplo de proximidade e misericórdia que caracterizou o ministério de Francisco. Que seu pontificado seja um farol de esperança, iluminando os caminhos da justiça e da misericórdia a partir das margens para toda a Igreja e para o mundo, buscando a reconciliação e a fraternidade universal, em contraste com as divisões que marcaram outros momentos da história cristã, e construindo pontes de diálogo e justiça entre o Norte e o Sul.
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* DNonato – Leigo católico, graduado em História, vivendo o sacerdócio comum dos fiéis, com o olhar fixo no legado dos santos e na realidade das periferias globais.
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